(Segundo a opinião de Filipe Melo)
Pergunta - Se lessem banda desenhada quais seriam as preferidas de Dog Mendonça, Pizzaboy, Pazuul e Gárgula?
Resposta – Dog Mendonça: Cavaleiro Andante e Mosquito; o Eurico Catatau (Pizzaboy) mantém-se informado por causa do seu colega Vasco, que colecciona BD. As BD´s favoritas dele são Hellblazer, Hellboy, Batman - Arham Asylum, Sandman (do Neil Gaiman), Swamp Thing (do Alan Moore), Ronin e Elektra (do Frank Miller), X-Men Dark Phoenix Saga e Blueberry (de Jean Giraud e Charlier); o Pazuul só gosta do José Carlos Fernandes e a Gárgula lê Tio Patinhas, Pato Donald, Turma da Mónica e Recruta Zero.
18/03/2010
17/03/2010
Hair Shirt
Patrick McEown (argumento e desenho)
Liz Artinian (cores)
Gallimard (França, Janeiro de 2010)
170 x 240 mm, 128 p., cor, cartonado
Resumo
John e Nasomi são dois amigos de infância que a vida separou e que o acaso decide juntar, anos mais tarde, naquela fase de indefinições entre o fim da adolescência e a entrada na idade adulta. Esse reencontro faz despertar de novo o amor entre eles – ou pelo menos a estranha forma que eles têm de o mostrar. Porque, juntamente com os sentimentos, também o passado regressa, com todos os seus traumas, recordações reprimidas e medos latentes.
Desenvolvimento
“Hair shirt” – literalmente “vestido de cabelos” – é a designação de uma espécie de vestido usado por penitência. E é de penitência, de (des)encontros, de errâncias sentimentais e de sexualidade mal assumida que nos fala este romance denso e complexo, no qual, muitas vezes, o relato se confunde com os sonhos – os pesadelos – do protagonista, hesitante entre viver o presente ou deixar que os seus sentimentos de culpa, os seus medos e as suas angústias assumam o controle e o impeçam de o desfrutar.
O tempo é o presente, o local da acção uns quaisquer subúrbios (no caso canadianos…), os protagonistas jovens adultos, cujas vidas não têm rumo definido nem objectivos para lá dos imediatos.
Por isso, John, estudante de Belas Artes, com um part-time num cinema, desde que a namorada o deixou, há mais de três anos, prefere lamentar a sua vida, as oportunidades que perdeu (ou não soube/quis aproveitar), em lugar de lutar pelo momento – por cada momento – pela relação que agora vive.
O reencontro casual com Naomi, parece poder ser o factor de mudança, mas a verdade é que muita água passou sob as pontes desde que ela e a sua família mudaram de cidade na sequência da morte acidental do seu irmão Chris, implicativo, e cruel. Por isso, a par da alegria do reencontro e da possibilidade de viverem o seu amor, surgem as sombras, as memórias, os falhanços e os momentos penosos de então, que pesam mais do que a possibilidade de ser (finalmente) feliz. Não só da parte dele, mas também da parte de Naomi, perdida numa busca errante e auto-destrutiva, incapaz de se assumir e de assumir os seus sentimentos, tentando encontrar na provocação e na transgressão de limites o que ela própria não consegue dar.
Algures entre o romance psicológico e a crónica quotidiana do fim da adolescência, com um toque de fantástico, melhor de pesadelo, o relato de McEown surpreende pela densidade, pelo ambiente saturado e opressivo que consegue criar e do qual, a par dos protagonistas, não nos conseguimos libertar, mesmo nos primeiros momentos após fechar o livro. Talvez porque o autor opta por não dar todas as respostas nem aprofundar todas as explicações sobre as causas dos traumatismos de infância de John e Naomi, deixando ao leitor a possibilidade de os interpretar. Porque a história, assente em diálogos especialmente bem conseguidos e credíveis, que deixam subentendido sempre mais do que aquilo que afirmam, prende e arrasta-nos – embora recorrentemente nos obriga a voltar atrás, para (re)interpretar esta ou aquela passagem à luz dos novos acontecimentos – num turbilhão vertiginoso de sentimentos contraditórios.
E se McEown não é, longe disso, um virtuoso do desenho, é, no entanto, um excelente narrador aos quadradinhos, com o seu traço falsamente inseguro, vivo, dinâmico, expressivo e preciso na definição de momentos e estados de espírito, bem servido por cores frias que acentuam a sensação de impotência e queda que perpassa todo o livro.
A reter
- A bela surpresa que a leitura deste livro constituiu, dando bem mais do que aquilo que parecia oferecer à primeira vista.
Curiosidade
- Patrick McEown, natural de Otava, no Canadá, onde nasceu em 1968, trabalhou na Dark Horse com Matt Wagner (Grendel: War Child) e Mike Mignola (Zombie World), na DC Comics (Batman – Beyond) e na Marvel (X-Men: Evolution).
Liz Artinian (cores)
Gallimard (França, Janeiro de 2010)
170 x 240 mm, 128 p., cor, cartonado
Resumo
John e Nasomi são dois amigos de infância que a vida separou e que o acaso decide juntar, anos mais tarde, naquela fase de indefinições entre o fim da adolescência e a entrada na idade adulta. Esse reencontro faz despertar de novo o amor entre eles – ou pelo menos a estranha forma que eles têm de o mostrar. Porque, juntamente com os sentimentos, também o passado regressa, com todos os seus traumas, recordações reprimidas e medos latentes.
Desenvolvimento
“Hair shirt” – literalmente “vestido de cabelos” – é a designação de uma espécie de vestido usado por penitência. E é de penitência, de (des)encontros, de errâncias sentimentais e de sexualidade mal assumida que nos fala este romance denso e complexo, no qual, muitas vezes, o relato se confunde com os sonhos – os pesadelos – do protagonista, hesitante entre viver o presente ou deixar que os seus sentimentos de culpa, os seus medos e as suas angústias assumam o controle e o impeçam de o desfrutar.
O tempo é o presente, o local da acção uns quaisquer subúrbios (no caso canadianos…), os protagonistas jovens adultos, cujas vidas não têm rumo definido nem objectivos para lá dos imediatos.
Por isso, John, estudante de Belas Artes, com um part-time num cinema, desde que a namorada o deixou, há mais de três anos, prefere lamentar a sua vida, as oportunidades que perdeu (ou não soube/quis aproveitar), em lugar de lutar pelo momento – por cada momento – pela relação que agora vive.
O reencontro casual com Naomi, parece poder ser o factor de mudança, mas a verdade é que muita água passou sob as pontes desde que ela e a sua família mudaram de cidade na sequência da morte acidental do seu irmão Chris, implicativo, e cruel. Por isso, a par da alegria do reencontro e da possibilidade de viverem o seu amor, surgem as sombras, as memórias, os falhanços e os momentos penosos de então, que pesam mais do que a possibilidade de ser (finalmente) feliz. Não só da parte dele, mas também da parte de Naomi, perdida numa busca errante e auto-destrutiva, incapaz de se assumir e de assumir os seus sentimentos, tentando encontrar na provocação e na transgressão de limites o que ela própria não consegue dar.
Algures entre o romance psicológico e a crónica quotidiana do fim da adolescência, com um toque de fantástico, melhor de pesadelo, o relato de McEown surpreende pela densidade, pelo ambiente saturado e opressivo que consegue criar e do qual, a par dos protagonistas, não nos conseguimos libertar, mesmo nos primeiros momentos após fechar o livro. Talvez porque o autor opta por não dar todas as respostas nem aprofundar todas as explicações sobre as causas dos traumatismos de infância de John e Naomi, deixando ao leitor a possibilidade de os interpretar. Porque a história, assente em diálogos especialmente bem conseguidos e credíveis, que deixam subentendido sempre mais do que aquilo que afirmam, prende e arrasta-nos – embora recorrentemente nos obriga a voltar atrás, para (re)interpretar esta ou aquela passagem à luz dos novos acontecimentos – num turbilhão vertiginoso de sentimentos contraditórios.
E se McEown não é, longe disso, um virtuoso do desenho, é, no entanto, um excelente narrador aos quadradinhos, com o seu traço falsamente inseguro, vivo, dinâmico, expressivo e preciso na definição de momentos e estados de espírito, bem servido por cores frias que acentuam a sensação de impotência e queda que perpassa todo o livro.
A reter
- A bela surpresa que a leitura deste livro constituiu, dando bem mais do que aquilo que parecia oferecer à primeira vista.
Curiosidade
- Patrick McEown, natural de Otava, no Canadá, onde nasceu em 1968, trabalhou na Dark Horse com Matt Wagner (Grendel: War Child) e Mike Mignola (Zombie World), na DC Comics (Batman – Beyond) e na Marvel (X-Men: Evolution).
16/03/2010
Hellboy – Verme conquistador
Mike Mignola (argumento e desenho)
G. Floy Studio (Portugal, 2008)
170 x 256 mm, 144 p., cor, brochado com badanas
Por vezes há coisas assim.
A estreia de “Hellboy 2: O Exército Dourado” nos cinemas aconteceu em simultâneo com a chegada de mais um volume aos quadradinhos às livrarias – conjugação em que o mercado português tem sido parco, o que não abona a seu favor – o que justifica uma breve análise das razões do seu sucesso – mais marcante nas páginas impressas do que nas telas. O que facilmente se percebe, porque apesar dos muitos avanços tecnológicos, continua a haver aspectos em que a concretização dos sonhos nascidos no papel continua a ser impossível, sendo estes mais capazes de sugestionarem a mente humana.
O que primeiro atrai em Hellboy é a arte de Mike Mignola, que quase se poderia classificar como uma “linha clara” escura, já que o seu desenho plano, estilizado, desprovido de pormenores desnecessários, extremamente legível, invulgar no universo dos comics norte-americanos, é servido por tons soturnos, sombrios, mesmo quando a acção decorre em montanhas verdejantes…
Isso contribui sobremaneira para o ambiente opressivo e tenso das narrativas, onde o inesperado espreita a cada página e onde cada construção – quase sempre velhos castelos decadentes - esconde perigos inimaginados.
Mas são as narrativas, bem construídas, envolventes, alternando suspense com cenas de acção, com as pontas soltas necessárias para serem retomadas mais tarde, fazendo a ligação entre as histórias e criando uma interessante cumplicidade com o leitor, que mais surpreendem, pela conjugação de aspectos que aparentemente nada têm em comum: investigações de tom detectivesco e demónios saídos do inferno – o primeiro dos quais o próprio Hellboy -, o paranormal par a par com a ciência, a retoma da temática nazi como personalização do mal absoluto como um dos lados do eterno confronto entre este e o bem…
“Verme Conquistador”, que tem introdução de Guillermo del Toro, reúne todos aqueles aspectos, cruzando-os com diversas referências literárias, cinematográficas e televisivas agradavelmente retros, numa história que traz Hellboy de novo à velha Europa, a mais um castelo em ruínas, para evitar a concretização de um plano iniciado pelos nazis 60 anos antes, quando enviaram o primeiro ser humano para o espaço.
(Versão revista e actualizada do texto publicado no Jornal de Notícias de 8 de Setembro de 2008)
G. Floy Studio (Portugal, 2008)
170 x 256 mm, 144 p., cor, brochado com badanas
Por vezes há coisas assim.
A estreia de “Hellboy 2: O Exército Dourado” nos cinemas aconteceu em simultâneo com a chegada de mais um volume aos quadradinhos às livrarias – conjugação em que o mercado português tem sido parco, o que não abona a seu favor – o que justifica uma breve análise das razões do seu sucesso – mais marcante nas páginas impressas do que nas telas. O que facilmente se percebe, porque apesar dos muitos avanços tecnológicos, continua a haver aspectos em que a concretização dos sonhos nascidos no papel continua a ser impossível, sendo estes mais capazes de sugestionarem a mente humana.
O que primeiro atrai em Hellboy é a arte de Mike Mignola, que quase se poderia classificar como uma “linha clara” escura, já que o seu desenho plano, estilizado, desprovido de pormenores desnecessários, extremamente legível, invulgar no universo dos comics norte-americanos, é servido por tons soturnos, sombrios, mesmo quando a acção decorre em montanhas verdejantes…
Isso contribui sobremaneira para o ambiente opressivo e tenso das narrativas, onde o inesperado espreita a cada página e onde cada construção – quase sempre velhos castelos decadentes - esconde perigos inimaginados.
Mas são as narrativas, bem construídas, envolventes, alternando suspense com cenas de acção, com as pontas soltas necessárias para serem retomadas mais tarde, fazendo a ligação entre as histórias e criando uma interessante cumplicidade com o leitor, que mais surpreendem, pela conjugação de aspectos que aparentemente nada têm em comum: investigações de tom detectivesco e demónios saídos do inferno – o primeiro dos quais o próprio Hellboy -, o paranormal par a par com a ciência, a retoma da temática nazi como personalização do mal absoluto como um dos lados do eterno confronto entre este e o bem…
“Verme Conquistador”, que tem introdução de Guillermo del Toro, reúne todos aqueles aspectos, cruzando-os com diversas referências literárias, cinematográficas e televisivas agradavelmente retros, numa história que traz Hellboy de novo à velha Europa, a mais um castelo em ruínas, para evitar a concretização de um plano iniciado pelos nazis 60 anos antes, quando enviaram o primeiro ser humano para o espaço.
(Versão revista e actualizada do texto publicado no Jornal de Notícias de 8 de Setembro de 2008)
Leituras relacionadas
G. Floy Studio,
Hellboy,
Mignola
15/03/2010
Entrevista com Filipe Melo
Chamam-se Dog Mendonça e Pizza Boy e correm o risco de fazer história nas histórias aos quadradinhos nacionais porque acabam de salvar o mundo, num relato delirante acabado de chegar às livrarias. Mas a verdade, é que o principal responsável por isto é Filipe Melo, “pianista de jazz de profissão”, que apesar de querer “ter mais tempo para melhorar” a sua música, mete-se “em aventuras que não deixam muito tempo para o piano, como o cinema” – onde realizou o mais famoso filme de zombies nacional, “I'll see you in my dreams” e a série televisiva “Mundo Catita” – e agora “também a banda desenhada”. Para esta última, transportou as suas influências do cinema fantástico - de “Gremlins” a “Regresso ao Futuro”, de “Matrix” às obras de John Landis, que prefacia o livro – e de outro mais sério, como “Casablanca”, e da BD, de “Hellboy” a “Dylan Dog”.
Durante uma conversa numa sessão de promoção do livro, que teve lugar na livraria Central Comics, no Porto, dia 6 de Março, revelou que tudo começou por um sem número de ideias “anotadas em post-its, até o conjunto começar a tomar forma. Depois, seguiu-se um retiro “em Tondela, onde em cerca de 20 dias” escreveu “de forma muito detalhada o guião do que deveria ser um filme”, pois demorou muito tempo “a perceber que esta história tinha que ser contada em BD”. Hoje, satisfeito com o resultado final de uma “obra feita pelas razões certas, por gosto, não para ganhar dinheiro”, pensa que “teria dado um mau filme, pois não haveria dinheiro suficiente para os efeitos especiais necessários!”.
Depois do seu argumento passar por uma série de pessoas pois acredita “que se ganha muito no plano colaborativo”, e ter tido algumas “alterações superficiais”, após uma série de peripécias, acabou por “encontrar o desenhador na Argentina”, com quem trabalhou ao longo de um ano, através de mails e do Skype. Pessoalmente, só se conheceram “há dias, quando o desenhador chegou ao nosso país”, para participar numa série de eventos de promoção do livro.
Livro para o qual imagina como banda sonora “um grande arranjo orquestral” em que os seus (invulgares) heróis – que incluem um demónio encarnado no corpo de uma criança e uma gárgula - têm de “salvar o mundo e tentar conquistar uma rapariga”, combatendo um eventual regresso do Quarto Reich. E tudo acontece em Lisboa, “baseado no facto de durante a II Guerra Mundial a capital portuguesa ter fervilhado de espiões e refugiados”.
E se a hipótese de ver publicados os seus heróis noutros mercados já lhe passou pela cabeça, primeiro quer tratar da promoção nacional e de tentar esgotar “o mais rápido possível os 1300 exemplares desta edição”. Depois de cumprir esta missão, pode ser que “mande uns mails e faça uns contactos, para tentar que o livro seja publicado noutro sítio, nem que seja no Sri lanka!”.
Entretanto, qual bom zombie, está morto… “por convencer toda a gente a fazer a sequela”. Que até já tem título – “Apocalipse” – e que parte das mesmas premissas: “acontecimentos muito estranhos, Lisboa como ponto de partida e a missão de salvar o mundo em 12 horas”. Começará “cinco anos depois da primeira história” e nela “o Pizza Boy, que não teve muitas mais oportunidades de salvar o planeta, teve que ir trabalhar para um call-center, a única actividade mais deprimente do que ser entregador de pizzas”. E como foi pensada desde a sua génese como “novela gráfica, isso permite destruir muito mais coisas!” Por isso, Filipe Melo revela que no seu final “Portugal vai ficar feito em cacos!”
(Versão alargada do texto publicado no Jornal de Notícias de 11 de Marços de 2010)
14/03/2010
Vulcão dos Capelinhos
António Bulcão (argumento)
Paulo Neves (desenho)
OMA – Observatório do Mar dos Açores (Portugal, Setembro de 2007)
210 x 297 mm, 36 p., cor, brochado
O recente temporal que se abateu sobre a Madeira com as consequências (sobejamente…) conhecidas (e exploradas…) levou a que – como é hábito - fossem feitos levantamentos, mais ou menos exaustivos sobre outros acontecimentos similares no território nacional, mais ou menos próximos no tempo.
Entre eles surgiu a erupção do Vulcão dos Capelinhos, nos Açores, que durou entre Setembro de 1957 e Outubro de 1958, de que existe esta narração em banda desenhada.
Editada pelo OMA – Observatório do Mar dos Açores, está disponível no site daquela organização, ou seja, é mais uma daquelas obras aos quadradinhos, editadas neste país, com uma tiragem – assinalável – de 1500 exemplares, mas sem distribuição nem visibilidade, que muitas vezes nem os próprios aficionados do género sabem que existe.
De carácter didáctico e destinado a um público infanto-juvenil, a narrativa de António Bulcão utiliza (bem) como estratégia um peixe como narrador, conseguindo dessa forma apontar de forma ficcionada os factos mais marcantes, transmitindo a informação necessária mas sem ser de todo maçador.
O desenho foi entregue a Paulo Neves que revela alguma insegurança do traço – na linha do estilo cómico franco-belga – possivelmente devido a pouca experiência nesta área, o que se nota também na utilização de cores demasiado vivas, que acabaram prejudicadas na reprodução, especialmente ao nível da capa, que resultou demasiado escura. No entanto, Paulo Neves apresenta um certo domínio da planificação, com algumas soluções interessantes (como na prancha aqui reproduzida), e algum dinamismo narrativo que contribuem sem dúvida para ritmar a obra.
Paulo Neves (desenho)
OMA – Observatório do Mar dos Açores (Portugal, Setembro de 2007)
210 x 297 mm, 36 p., cor, brochado
O recente temporal que se abateu sobre a Madeira com as consequências (sobejamente…) conhecidas (e exploradas…) levou a que – como é hábito - fossem feitos levantamentos, mais ou menos exaustivos sobre outros acontecimentos similares no território nacional, mais ou menos próximos no tempo.
Entre eles surgiu a erupção do Vulcão dos Capelinhos, nos Açores, que durou entre Setembro de 1957 e Outubro de 1958, de que existe esta narração em banda desenhada.
Editada pelo OMA – Observatório do Mar dos Açores, está disponível no site daquela organização, ou seja, é mais uma daquelas obras aos quadradinhos, editadas neste país, com uma tiragem – assinalável – de 1500 exemplares, mas sem distribuição nem visibilidade, que muitas vezes nem os próprios aficionados do género sabem que existe.
De carácter didáctico e destinado a um público infanto-juvenil, a narrativa de António Bulcão utiliza (bem) como estratégia um peixe como narrador, conseguindo dessa forma apontar de forma ficcionada os factos mais marcantes, transmitindo a informação necessária mas sem ser de todo maçador.
O desenho foi entregue a Paulo Neves que revela alguma insegurança do traço – na linha do estilo cómico franco-belga – possivelmente devido a pouca experiência nesta área, o que se nota também na utilização de cores demasiado vivas, que acabaram prejudicadas na reprodução, especialmente ao nível da capa, que resultou demasiado escura. No entanto, Paulo Neves apresenta um certo domínio da planificação, com algumas soluções interessantes (como na prancha aqui reproduzida), e algum dinamismo narrativo que contribuem sem dúvida para ritmar a obra.
Leituras relacionadas
António Bulcão,
Fora das Livrarias,
OMA,
Paulo Neves
13/03/2010
Jérôme K. Jérôme Bloche - L'intégrale - tome 1
Alain Dodier, Serge Le Tendre e Makyo (argumento)
Alain Dodier (desenho)
Dupuis, Bélgica, Fevereiro de 2010)
174 x 244 mm, 160 p., cor, cartonado, 19,00 €
Resumo
Jérôme K. Jérôme Bloche é um detective privado, criado por Alain Dodier, em 1982, para a revista belga “Spirou”, como evoca no prefácio Alain De Kuyssche, então chefe de redacção daquela publicação.
Este tomo, integrado na nova colecção “Intégrales petit format”, reúne as suas três primeiras aventuras, “L'Ombre qui tue", "Les Êtres de papier", "À la vie, à la mort", e ainda “L’anniversaire”, uma história curta de quatro páginas.
Desenvolvimento
Admirador de Humphrey Bogart e de Robert Mitchum, JKJ Bloche é um detective privado parisiense, do tipo tradicional, daqueles de chapéu mole e gabardina, que tem como marca distintiva uns óculos redondos de aro fino e usar como transporte preferencial uma bicicleta, a sua “Solex”. Que é juntamente com a sua amiga Babette, as únicas personagens recorrentes nas várias histórias deste livro. Apesar dos seus esforços, a sagacidade e a capacidade de dedução não são os pontos fortes de Bloche, que é mais do género sonhador e distraído, parecendo que mais do que confiar nos seus méritos, o (aprendiz de) detective conta mais com a ajuda do destino para deslindar os casos que lhe são entregues.
No seu primeiro caso – a primeira história deste livro – a investigação que leva a cabo, funciona, de certa maneira, como tese de graduação, pois tem que investigar o assassino do professor que lhe ensinava as bases do ofício. Como suspeitos, surgem todos os outros colegas de curso, num caso que acaba por se (con)fundir com o aparecimento em Paris de diversas pessoas assassinadas com flechas envenenadas lançadas por uma misteriosa sombra emplumada que após cada morte parece dissolver-se no ar.
Segue-se um interessante conto, no qual Bloche é chamado a descobrir quem ameaça o Barão de Verville, deslocando-se por isso para o seu castelo, um local onde todos parecem esconder algo e onde nada parece corresponder ao que aparenta, até o detective descobrir que o caso em que se encontra envolvido não passa de uma bem conseguida encenação. Na sua terceira aventura, o simpático protagonista desloca-se a casa dos seus tios e da sua avó, para investigar quem anda a ajustar contas em nome de um passado que muitos dos habitantes locais parecem recear.
Comum às três histórias é o grande número de personagens que orbitam em volta dos casos (e por arrastamento) do protagonista, contribuindo para adensar os mistérios e tornar mais complicada a sua resolução.
Neste início de vida do detective, que hoje já conta 21 tomos com as suas andanças, percebe-se alguma inexperiência dos autores, ainda em busca de definir os traços da personalidade do seu herói e o tom certo para as suas histórias, que são rodeadas de um certo ambiente fantástico e de um tom humorístico que se hão-de atenuar com o desenrolar da série. Esta, assumirá antes um carácter calmo, terno e tranquilo, sem dúvida estranho para um registo policial, mas compreensível pelo tom humano que progressivamente adquire.
Aliás, uma das vantagens desta reedição em forma de integrais, é permitir que se assista à evolução de protagonistas e autores. Por isso, apesar de nalguns casos ser necessário voltar atrás para acompanhar o raciocínio de Bloche, as três histórias são consistentes, estruturadas e, até, bastante originais, contribuindo para prender o leitor e deixando antever um bom futuro para o protagonista, como se veio a verificar.
Graficamente, a evolução também é notória, quer na forma como os tons se vão suavizando, quer no aperfeiçoamento gráfico de Dodier, que progressivamente se afasta de algumas influências humorísticas, a caminho de uma linha clara semi-realista, cada vez mais legível e funcional, cujo futuro já se adivinha na BD curta que encerra o volume.
A reter
- A evolução da série, aventura a aventura.
- As intrigas originais e bem imaginadas…
Menos conseguido
- … pese embora alguma confusão pontual na sua estruturação.
Curiosidades
- Jérôme K. Jérôme Bloche recebeu o Prix de la Série (Fauve d’Angoulême), em Janeiro último, pelo seu 21º tomo, “Déni de Fuite”.
- Companheiros de Dodier no início do seu percurso, Le Tendre co-assinaria apenas os dois primeiros episódios de Jérôme K. Jérôme Bloche, enquanto que Makyo “resistiria” até ao quinto tomo. A partir daí Dodier prosseguiu como único autor.
- A colecção “Intégrales petit format”, cujo número de páginas oscila entre as 160 e as 264, e o preço entre 18 e 27 euros, neste seu início de vida, integra também os títulos “Jessica Blandy”, “Ethan Ringler”, “Le Choucas” e “Kogaratsu”.
Alain Dodier (desenho)
Dupuis, Bélgica, Fevereiro de 2010)
174 x 244 mm, 160 p., cor, cartonado, 19,00 €
Resumo
Jérôme K. Jérôme Bloche é um detective privado, criado por Alain Dodier, em 1982, para a revista belga “Spirou”, como evoca no prefácio Alain De Kuyssche, então chefe de redacção daquela publicação.
Este tomo, integrado na nova colecção “Intégrales petit format”, reúne as suas três primeiras aventuras, “L'Ombre qui tue", "Les Êtres de papier", "À la vie, à la mort", e ainda “L’anniversaire”, uma história curta de quatro páginas.
Desenvolvimento
Admirador de Humphrey Bogart e de Robert Mitchum, JKJ Bloche é um detective privado parisiense, do tipo tradicional, daqueles de chapéu mole e gabardina, que tem como marca distintiva uns óculos redondos de aro fino e usar como transporte preferencial uma bicicleta, a sua “Solex”. Que é juntamente com a sua amiga Babette, as únicas personagens recorrentes nas várias histórias deste livro. Apesar dos seus esforços, a sagacidade e a capacidade de dedução não são os pontos fortes de Bloche, que é mais do género sonhador e distraído, parecendo que mais do que confiar nos seus méritos, o (aprendiz de) detective conta mais com a ajuda do destino para deslindar os casos que lhe são entregues.
No seu primeiro caso – a primeira história deste livro – a investigação que leva a cabo, funciona, de certa maneira, como tese de graduação, pois tem que investigar o assassino do professor que lhe ensinava as bases do ofício. Como suspeitos, surgem todos os outros colegas de curso, num caso que acaba por se (con)fundir com o aparecimento em Paris de diversas pessoas assassinadas com flechas envenenadas lançadas por uma misteriosa sombra emplumada que após cada morte parece dissolver-se no ar.
Segue-se um interessante conto, no qual Bloche é chamado a descobrir quem ameaça o Barão de Verville, deslocando-se por isso para o seu castelo, um local onde todos parecem esconder algo e onde nada parece corresponder ao que aparenta, até o detective descobrir que o caso em que se encontra envolvido não passa de uma bem conseguida encenação. Na sua terceira aventura, o simpático protagonista desloca-se a casa dos seus tios e da sua avó, para investigar quem anda a ajustar contas em nome de um passado que muitos dos habitantes locais parecem recear.
Comum às três histórias é o grande número de personagens que orbitam em volta dos casos (e por arrastamento) do protagonista, contribuindo para adensar os mistérios e tornar mais complicada a sua resolução.
Neste início de vida do detective, que hoje já conta 21 tomos com as suas andanças, percebe-se alguma inexperiência dos autores, ainda em busca de definir os traços da personalidade do seu herói e o tom certo para as suas histórias, que são rodeadas de um certo ambiente fantástico e de um tom humorístico que se hão-de atenuar com o desenrolar da série. Esta, assumirá antes um carácter calmo, terno e tranquilo, sem dúvida estranho para um registo policial, mas compreensível pelo tom humano que progressivamente adquire.
Aliás, uma das vantagens desta reedição em forma de integrais, é permitir que se assista à evolução de protagonistas e autores. Por isso, apesar de nalguns casos ser necessário voltar atrás para acompanhar o raciocínio de Bloche, as três histórias são consistentes, estruturadas e, até, bastante originais, contribuindo para prender o leitor e deixando antever um bom futuro para o protagonista, como se veio a verificar.
Graficamente, a evolução também é notória, quer na forma como os tons se vão suavizando, quer no aperfeiçoamento gráfico de Dodier, que progressivamente se afasta de algumas influências humorísticas, a caminho de uma linha clara semi-realista, cada vez mais legível e funcional, cujo futuro já se adivinha na BD curta que encerra o volume.
A reter
- A evolução da série, aventura a aventura.
- As intrigas originais e bem imaginadas…
Menos conseguido
- … pese embora alguma confusão pontual na sua estruturação.
Curiosidades
- Jérôme K. Jérôme Bloche recebeu o Prix de la Série (Fauve d’Angoulême), em Janeiro último, pelo seu 21º tomo, “Déni de Fuite”.
- Companheiros de Dodier no início do seu percurso, Le Tendre co-assinaria apenas os dois primeiros episódios de Jérôme K. Jérôme Bloche, enquanto que Makyo “resistiria” até ao quinto tomo. A partir daí Dodier prosseguiu como único autor.
- A colecção “Intégrales petit format”, cujo número de páginas oscila entre as 160 e as 264, e o preço entre 18 e 27 euros, neste seu início de vida, integra também os títulos “Jessica Blandy”, “Ethan Ringler”, “Le Choucas” e “Kogaratsu”.
12/03/2010
BD para ver – Alex Gozblau na Mundo Fantasma
Amanhã, sábado, dia 13 de Março, a galeria Mundo Fantasma, situada inaugura uma exposição de Alex Gozblau intitulada “Má Raça”, composta por “22 ilustrações originais retratando, no seu estilo inconfundível, um conjunto de personagens e situações oriundas de universos nocturnos e fantásticos”, lê-se no comunicado de imprensa.
Natural de Perugia, Itália, onde nasceu em 1971, Gozblau, galardoado com o Grande Prémio de Ilustração do Prémio Stuart de Desenho de Imprensa em 2009, está há vários anos radicado em Portugal, onde tem construído a sua carreira artística na área da banda desenhada, da ilustração para jornais e revistas – Expresso, Público, Sábado - e de livros para a infância e juventude – como “Romance do 25 de Abril”, escrito por João Pedro Mésseder -, tendo também incursões na escrita de banda desenhada - “Março”, com desenho de Miguel Rocha – e no cinema de animação – “Café”, com João Fazenda.
Esta exposição ficará patente naquela galeria portuense, integrada na loja especializada em BD com o mesmo nome, no Shopping Center Brasília, 1º. Andar, Loja 509/510, até dia 25 de Abril.
Natural de Perugia, Itália, onde nasceu em 1971, Gozblau, galardoado com o Grande Prémio de Ilustração do Prémio Stuart de Desenho de Imprensa em 2009, está há vários anos radicado em Portugal, onde tem construído a sua carreira artística na área da banda desenhada, da ilustração para jornais e revistas – Expresso, Público, Sábado - e de livros para a infância e juventude – como “Romance do 25 de Abril”, escrito por João Pedro Mésseder -, tendo também incursões na escrita de banda desenhada - “Março”, com desenho de Miguel Rocha – e no cinema de animação – “Café”, com João Fazenda.
Esta exposição ficará patente naquela galeria portuense, integrada na loja especializada em BD com o mesmo nome, no Shopping Center Brasília, 1º. Andar, Loja 509/510, até dia 25 de Abril.
Leituras relacionadas
Alex Gozblau,
BD para ver,
Mundo Fantasma
11/03/2010
Tex Anual #10 – O esquadrão infernal
Cláudio Nizzi (argumento)
Ugolino Cossu (desenho)
Mythos Editora (Brasil, Dezembro de 2008)
136 x 176 mm, 332 páginas, preto e branco, capa brochada
Resumo
Tex Willer e Kit Carson são enviados para o Colorado, onde um misterioso bando de ladrões semeia o terror e a morte, desaparecendo misteriosamente após cada investida.
Desenvolvimento
Se não se pode falar de revolução, mesmo que tranquila, a verdade é que nos últimos anos Tex tem passado por uma renovação, para uma maior adequação ao tempo em que vivemos, embora sem perder as características marcantes que lhe permitiram resistir durante 60 anos.
Essa renovação surge quer a nível gráfico, com a chamada de alguns mestres – especialmente espanhóis, como Font, Ortiz ou Sommer – e de novos e talentosos autores, quer a nível temático, com a elaboração de enredos mais consistentes, com o ranger a perder um pouco da sua invencibilidade e da sua aura de intocável e com a introdução de elementos geralmente ausentes das suas aventuras.
Esta história é um bom exemplo disso.
Graficamente, Cossu apresenta um traço limpo e agradável, pouco habitual em Tex – a excepção será Civitelli – com um bom uso de tramas e pontilhados, as personagens bem proporcionadas e um bom trabalho na reconstituição dos cenários, sejam urbanos ou naturais Que nalgumas pranchas, desculpem a comparação, que não tem qualquer tom acusatório, apenas pretende apontar uma referência, me fez lembrar o de Manara em “Quatro dedos – O Homem de papel”, um atípico western desenhado pelo mestre do erotismo. Como contra há que apontar algum estaticismo dos intervenientes, o que num western é sempre de considerar.
Como elementos inovadores no relato, há a presença de mulheres na história, com algum protagonismo, em especial a índia Flor de Inverno que – oh, heresia! - na capa surge abraçada a Tex. E em algumas poses bem sensuais, por diversas vezes, durante o relato. Também nada habituais são as cenas de cariz sexual, como a violação com que termina o assalto inicial, logo na página 24, e as acusações de abuso que Flor de Inverno faz ao coronel que a mantinha prisioneira. Que apesar de invulgares em Tex, fazem todo o sentido no conjunto do relato, no contexto da acção e na época em que ele decorre.
Quanto à narrativa em si, ganharia se a identidade dos ladrões fosse mantida em segredo até mais perto do final, pois o facto de o leitor descobrir muito cedo a quem imputar responsabilidades retira-lhe um potencial suspense que só a beneficiaria. Fora isso tem, na generalidade, com um bom nível, os padrões habituais em Tex, ou seja: é longa e bem estruturada, com algumas inflexões se surpresas, momentos de tensão e acção q.b.. Ou seja, trezentas páginas de western que permitem passar um bom par de horas.
A reter
- O traço de Cossu, em especial quando aplicado nos cenários.
Menos conseguido
- Volto ao tema. Eu conheço e compreendo as razões da Mythos para optarem pelo “formatinho” em lugar do formato original italiano (160 x 210 mm) para as suas edições Bonelli: menor desperdício de papel e, consequentemente, preço de capa bem mais baixo. Mas será que, pelo menos pontualmente – por exemplo, no caso desta colecção anual ou no do especial colorido dos 60 anos de Tex – não seria possível abrir uma excepção e oferecer aos leitores o formato maior – como está a acontecer agora no Brasil com a edição colorida - que permitiria desfrutar melhor e apreciar com mais justiça a parte gráfica?
Curiosidade
- Não apostaria, mas possivelmente esta é uma das poucas capas de Tex em que aparece uma mulher. Possivelmente, uma das raras em que ela abraça Tex. Fico o desafio aos admiradores do ranger para descobrirem quantas são!
Leituras relacionadas
Claudio Nizzi,
Mythos,
opinião,
Tex,
Ugolino Cossu
A noiva que o rio disputa ao mar + Portimão – Como se faz uma cidade
A noiva que o rio disputa ao mar
João Paulo Cotrim (argumento)
Miguel Rocha (desenho)
Câmara Municipal de Portimão (Portugal, Dezembro de 2009)
172 x 250 mm, 128 p., cor, cartonado
Portimão – Como se faz uma cidade
João Paulo Cotrim (argumento)
Alex Gozblau, Daniel Lima, Filipe Abranches, Jorge Mateus, Pedro Brito, Ricardo Cabral, Susa Monteiro e Zé Manel (desenho)
Câmara Municipal de Portimão (Portugal, Dezembro de 2009)
172 x 250 mm, 152 p., cor, cartonado
Num país em que muitas autarquias continuam a apostar na banda desenhada para contarem a sua História ou as suas histórias, esta edição da C. M. Portimão merece destaque duplo. Não pelo facto (relevante) de se tratar de dois livros – é esse o seu formato – mas pela aposta numa utilização dos quadradinhos moderna e atraente, que foge às narrativas habituais, mais ou menos monocórdicas e pouco estimulantes, que se limitam a debitar informação (mais ou menos bem) ilustrada.
Não que ela esteja ausente destas obras, mas encontra-se (muito) diluída, só limitada ao essencial, surgindo Portimão como cenário e pano de fundo e, na realidade, único protagonista dos dois livros.
Isto acontece mais no primeiro título, sobre a génese da cidade – bela amante dividida entre as carícias do rio e do mar – devido à escolha de um fotógrafo (intemporal, para cobrir cerca de 500 anos de história…) cujos instantâneos fotográficos vão marcando os momentos destacados – um casamento, a construção de naus, a chegada do comboio, a atribuição do foral… - e também pelo facto de estes tanto serem reais como fictícios, históricos como anónimos, dando corpo(s) e alma(s) ao relato. Tudo assinado com cores fortes mas difusas, apropriadas aos diversos aspectos abordados, mas sempre com o azul (forte) da água como tom predominante, por um Miguel Rocha na posse de todas as suas (muitas) qualidades gráficas.
Mas o protagonismo de Portimão é mais evidente em “Como se faz uma cidade”, em que alguns dos mais relevantes ilustradores e autores de BD nacionais contemporâneos, com os seus traços, técnicas e estilos personalizados, mostram diversos aspectos daquela localidade algarvia, cosmopolita mas humana, com belezas naturais e artificiais, que servem de referência e preenchem as memórias (de férias) de tantos e que é local onde vivem e se cruzam tantas pessoas, tantas vivências, tantas (outras) histórias…
Neste conjunto – desculpem-me os outros… - quero destacar em especial os trabalhos de Filipe Abranches, Ricardo Cabral e Pedro Brito, que considero especialmente conseguidos.
No (bom) resultado final, pesa João Paulo Cotrim, escolhido para coordenar e escrever os argumentos, já que é marcante o tom poético que costuma pontuar a sua escrita em que mais do que o que diz, deixa no ar hipóteses, sugestões, dúvidas, desafios que pedem ao leitor várias (re)leituras e abrem a porta a interpretações diversas. E que no todo apresentam Portimão pelo que é mais do que por aquilo que foi ou lá aconteceu.
Curiosidades
- O livro “Portimão – Como se faz uma cidade” inclui no seu miolo um caderno intitulado “Como se vive esta cidade” com pranchas de 19 jovens que participaram num workshop de BD conduzido por Pedro Brito, merecendo algumas delas um olhar atento.
(Versão revista e aumentada do texto publicado originalmente a 6 de Março de 2010, na página de Livros do suplemento In’ da revista NS, distribuída aos sábados com o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias)
João Paulo Cotrim (argumento)
Miguel Rocha (desenho)
Câmara Municipal de Portimão (Portugal, Dezembro de 2009)
172 x 250 mm, 128 p., cor, cartonado
Portimão – Como se faz uma cidade
João Paulo Cotrim (argumento)
Alex Gozblau, Daniel Lima, Filipe Abranches, Jorge Mateus, Pedro Brito, Ricardo Cabral, Susa Monteiro e Zé Manel (desenho)
Câmara Municipal de Portimão (Portugal, Dezembro de 2009)
172 x 250 mm, 152 p., cor, cartonado
Num país em que muitas autarquias continuam a apostar na banda desenhada para contarem a sua História ou as suas histórias, esta edição da C. M. Portimão merece destaque duplo. Não pelo facto (relevante) de se tratar de dois livros – é esse o seu formato – mas pela aposta numa utilização dos quadradinhos moderna e atraente, que foge às narrativas habituais, mais ou menos monocórdicas e pouco estimulantes, que se limitam a debitar informação (mais ou menos bem) ilustrada.
Não que ela esteja ausente destas obras, mas encontra-se (muito) diluída, só limitada ao essencial, surgindo Portimão como cenário e pano de fundo e, na realidade, único protagonista dos dois livros.
Isto acontece mais no primeiro título, sobre a génese da cidade – bela amante dividida entre as carícias do rio e do mar – devido à escolha de um fotógrafo (intemporal, para cobrir cerca de 500 anos de história…) cujos instantâneos fotográficos vão marcando os momentos destacados – um casamento, a construção de naus, a chegada do comboio, a atribuição do foral… - e também pelo facto de estes tanto serem reais como fictícios, históricos como anónimos, dando corpo(s) e alma(s) ao relato. Tudo assinado com cores fortes mas difusas, apropriadas aos diversos aspectos abordados, mas sempre com o azul (forte) da água como tom predominante, por um Miguel Rocha na posse de todas as suas (muitas) qualidades gráficas.
Mas o protagonismo de Portimão é mais evidente em “Como se faz uma cidade”, em que alguns dos mais relevantes ilustradores e autores de BD nacionais contemporâneos, com os seus traços, técnicas e estilos personalizados, mostram diversos aspectos daquela localidade algarvia, cosmopolita mas humana, com belezas naturais e artificiais, que servem de referência e preenchem as memórias (de férias) de tantos e que é local onde vivem e se cruzam tantas pessoas, tantas vivências, tantas (outras) histórias…
Neste conjunto – desculpem-me os outros… - quero destacar em especial os trabalhos de Filipe Abranches, Ricardo Cabral e Pedro Brito, que considero especialmente conseguidos.
No (bom) resultado final, pesa João Paulo Cotrim, escolhido para coordenar e escrever os argumentos, já que é marcante o tom poético que costuma pontuar a sua escrita em que mais do que o que diz, deixa no ar hipóteses, sugestões, dúvidas, desafios que pedem ao leitor várias (re)leituras e abrem a porta a interpretações diversas. E que no todo apresentam Portimão pelo que é mais do que por aquilo que foi ou lá aconteceu.
Curiosidades
- O livro “Portimão – Como se faz uma cidade” inclui no seu miolo um caderno intitulado “Como se vive esta cidade” com pranchas de 19 jovens que participaram num workshop de BD conduzido por Pedro Brito, merecendo algumas delas um olhar atento.
(Versão revista e aumentada do texto publicado originalmente a 6 de Março de 2010, na página de Livros do suplemento In’ da revista NS, distribuída aos sábados com o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias)
Leituras relacionadas
Abranches,
C.M. Portimão,
Cotrim,
Fora das Livrarias,
Gozblau,
Lima,
Mateus,
Pedro Brito,
Ricardo Cabral,
Rocha,
Susa Monteiro,
Zé Manel
10/03/2010
Le tour du monde en bande dessinée #2
Igal Sarna (argumento)
Gipi, Erwann Terrier, Carlos Nine, Sonny Liew, Khamel Khelif, Vanessa Davis, Nick Abadzis, Mazen Kerbaj (argumento e desenho)
Rutu Modan (desenho)
Delcourt (França, Fevereiro de 2010)
226 x 298 mm, 112 p., cor, cartonado
Colectânea de histórias curtas, feitas por autores provenientes de Israel, França, Argentina, Singapura, Tailândia, Estados Unidos, Grécia e Líbano, comprova, mais uma vez, como a banda desenhada pode ser – é, sem dúvida! – uma arte plural e maior, que pode assumir todos os estilos, todos os géneros, todas as temáticas – documentário, reportagem, autobiografia, sátira política, poesia… - de acordo com a sensibilidade e a formação de cada um.
Por isso os israelitas Sarna e Modan abordam a (impossível) normalidade quotidiana em Israel e em Gaza, com (mais) um bombardeamento como pano de fundo e coelhos por toda a parte, na sequência da invasão dos territórios palestinianos no início do ano passado; Gipi põe dois mafiosos a comparar Berlusconi e Sarkozy, antes de (mais) uma execução; Terrier evoca os bons velhos tempos do bairro de Saint-Germain-des-Prés, quando era ponto de encontro de intelectuais, artistas e revolucionários; o argentino Carlos Nine elabora uma fábula política que tem a conspiração como tema; Vanessa Davis combina reportagem e autobiografia num relato sobre o Festival de Filmes Judeus de Palm Beach; Abazis aponta vantagens e inconvenientes de ser um cidadão do mundo sem/com várias nacinalidade(s); Khelif traça a (pungente) história de Mi Su, uma prostituta tailandesa, vendida duas vezes, pela mãe e a irmã; Liew, num relato em torno da própria criação, homenageia de forma curiosa alguns dos maiores autores de quadradinhos actuais; Kerbaj, desde o Líbano transforma em imagens um poema de Khaled Saghieh.
São formas, estilos, géneros, materiais, sensibilidades, educações diferentes, que marcam como se está na vida e como se faz banda desenhada,. Usando uma arte, a 9ª, uma mesma linguagem, a dos quadradinhos, para narrar quotidianos.
Como só em BD é possível fazer.
Gipi, Erwann Terrier, Carlos Nine, Sonny Liew, Khamel Khelif, Vanessa Davis, Nick Abadzis, Mazen Kerbaj (argumento e desenho)
Rutu Modan (desenho)
Delcourt (França, Fevereiro de 2010)
226 x 298 mm, 112 p., cor, cartonado
Colectânea de histórias curtas, feitas por autores provenientes de Israel, França, Argentina, Singapura, Tailândia, Estados Unidos, Grécia e Líbano, comprova, mais uma vez, como a banda desenhada pode ser – é, sem dúvida! – uma arte plural e maior, que pode assumir todos os estilos, todos os géneros, todas as temáticas – documentário, reportagem, autobiografia, sátira política, poesia… - de acordo com a sensibilidade e a formação de cada um.
Por isso os israelitas Sarna e Modan abordam a (impossível) normalidade quotidiana em Israel e em Gaza, com (mais) um bombardeamento como pano de fundo e coelhos por toda a parte, na sequência da invasão dos territórios palestinianos no início do ano passado; Gipi põe dois mafiosos a comparar Berlusconi e Sarkozy, antes de (mais) uma execução; Terrier evoca os bons velhos tempos do bairro de Saint-Germain-des-Prés, quando era ponto de encontro de intelectuais, artistas e revolucionários; o argentino Carlos Nine elabora uma fábula política que tem a conspiração como tema; Vanessa Davis combina reportagem e autobiografia num relato sobre o Festival de Filmes Judeus de Palm Beach; Abazis aponta vantagens e inconvenientes de ser um cidadão do mundo sem/com várias nacinalidade(s); Khelif traça a (pungente) história de Mi Su, uma prostituta tailandesa, vendida duas vezes, pela mãe e a irmã; Liew, num relato em torno da própria criação, homenageia de forma curiosa alguns dos maiores autores de quadradinhos actuais; Kerbaj, desde o Líbano transforma em imagens um poema de Khaled Saghieh.
São formas, estilos, géneros, materiais, sensibilidades, educações diferentes, que marcam como se está na vida e como se faz banda desenhada,. Usando uma arte, a 9ª, uma mesma linguagem, a dos quadradinhos, para narrar quotidianos.
Como só em BD é possível fazer.
09/03/2010
Sonho sem fim – Pedro Couceiro
Pedro Couceiro (história)
Hugo Jesus (argumento)
Rui Ricardo (desenho)
ASA (Portugal, Novembro de 2009)
222 x 300 mm, 48 p., cor, cartonado
Se a vida de algumas pessoas dava um (ou vários) filmes/livros, Pedro Couceiro é certamente um deles, enquanto (pequeno) cantor/fadista de (algum) sucesso, nº 1 do ranking mundial de ténis na sua idade, piloto de corridas com diversos títulos conquistados ou Embaixador da Unicef. Por isso se compreende que a sua (ainda curta?) biografia tenha originado esta banda desenhada – uma paixão antiga -, nascida por sua iniciativa, tornada possível pelo patrocínio de diversas entidades, cuja venda reverte integralmente a favor da Aldeia de Crianças SOS, e cuja menagem base é que mostrar que com empenho e trabalho todos nós podemos concretizar os nossos sonhos.
Narrando a sua vida desde criança até à actualidade, esta é uma obra de leitura agradável, apesar de alguma (inevitável) sobrecarga de informação, que é de alguma forma compensada por apontamentos de humor que a suavizam. Faltaram-lhe, possivelmente, mais algumas páginas, que permitissem aprofundar momentos mais marcantes – quem sabe até ficcionando-os de alguma forma – como uma ou outra das corridas que venceu (ou não…) para dar um pouco mais de emoção, de sentimento, ao relato.
O traço semi-realista adoptado para o álbum, embora aqui e ali surja um pouco preso ao material fotográfico que lhe serviu de base, cumpre bem a sua função, mas teria ganho com a utilização de cores mais vivas (ou com uma melhor reprodução de cor?).
(Versão revista e aumentada do texto publicado originalmente a 6 de Março de 2010, na página de Livros do suplemento In’ da revista NS, distribuída aos sábados com o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias)
Hugo Jesus (argumento)
Rui Ricardo (desenho)
ASA (Portugal, Novembro de 2009)
222 x 300 mm, 48 p., cor, cartonado
Se a vida de algumas pessoas dava um (ou vários) filmes/livros, Pedro Couceiro é certamente um deles, enquanto (pequeno) cantor/fadista de (algum) sucesso, nº 1 do ranking mundial de ténis na sua idade, piloto de corridas com diversos títulos conquistados ou Embaixador da Unicef. Por isso se compreende que a sua (ainda curta?) biografia tenha originado esta banda desenhada – uma paixão antiga -, nascida por sua iniciativa, tornada possível pelo patrocínio de diversas entidades, cuja venda reverte integralmente a favor da Aldeia de Crianças SOS, e cuja menagem base é que mostrar que com empenho e trabalho todos nós podemos concretizar os nossos sonhos.
Narrando a sua vida desde criança até à actualidade, esta é uma obra de leitura agradável, apesar de alguma (inevitável) sobrecarga de informação, que é de alguma forma compensada por apontamentos de humor que a suavizam. Faltaram-lhe, possivelmente, mais algumas páginas, que permitissem aprofundar momentos mais marcantes – quem sabe até ficcionando-os de alguma forma – como uma ou outra das corridas que venceu (ou não…) para dar um pouco mais de emoção, de sentimento, ao relato.
O traço semi-realista adoptado para o álbum, embora aqui e ali surja um pouco preso ao material fotográfico que lhe serviu de base, cumpre bem a sua função, mas teria ganho com a utilização de cores mais vivas (ou com uma melhor reprodução de cor?).
(Versão revista e aumentada do texto publicado originalmente a 6 de Março de 2010, na página de Livros do suplemento In’ da revista NS, distribuída aos sábados com o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias)
Leituras relacionadas
ASA,
Hugo Jesus,
Pedro Couceiro,
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08/03/2010
Dans mes yeux
Bastien Vivés (argumento e desenho)
Casterman + KSTR
(França, Março de 2009)
190 x 276 mm, 136 p., cor, cartonado
Resumo
Dans mes yeux narra uma história de amor. Bela como todas as histórias de amor. Enquanto duram. Triste, como todas as histórias de amor, quando terminam. Porque terminam.
Leituras relacionadas
Bastien Vivés,
Casterman,
KSTR,
opinião
07/03/2010
J. Kendall – Aventuras de uma criminóloga #58
Giancarlo Berardi, Giuseppe De Nardo e Lorenzo Calza (argumento)
Marco Soldi (desenho)
Mythos Editora (Brasil, Setembro de 2009)
135 x 178 mm, 132 p., pb, brochado, mensal
Resumo
O assassínio de um polícia em simultâneo com o aparecimento de uma série de mafiosos mortos desencadeia mais uma investigação da polícia de Garden City que, como habitualmente, recorre à consultoria de Júlia.
Desenvolvimento
Esta é mais uma história policial bem contada, com a investigação e os momentos de acção intercalados com aspectos banais do quotidiano ou com um registo mais intimista em que a protagonista se expõe, dando voz às suas dúvidas, sentimentos, desejos e ansiedades, num todo como habitualmente bem escrito e ritmado, com protagonistas credíveis e bem definidos.
E em que nada acontece por acaso. Veja-se como exemplo a interligação entre a cena em que a gata Toni liga inadvertidamente a televisão assustando Júlia e Emily – aparentemente um fait-divers - e, mais à frente, como ela influencia a reacção inicial da protagonista à intrusão do mafioso “John Smith” em sua casa.
Desta vez, Berardi aproveita o relato para levantar duas questões muitas vezes associadas à actuação policial. Por um lado – com um curioso toque romântico, porque o inacessível parece sempre exercer uma grande atracção sobre nós – se é legítimo o recurso – com custos… - a informadores ou a acordos de legalidade duvidosa com criminosos, mesmo quando os fins a atingir o parecem justificar. Por outro, a existência de vigilantes, que se colocam acima da lei face à (aparente?) inutilidade/incapacidade dela.
Graficamente – embora a edição nem sempre possibilite uma boa apreciação – a arte mantém a qualidade média que este título costuma apresentar mensalmente, com um traço realista, não excessivamente detalhado mas funcional, equilibrado no tratamento do ser humano, com especial atenção nos rostos, e eficiente no retrato de interiores e exteriores, nas cenas mais calmas como nas de acção.
Uma referência ainda para a excelente cena do tiroteio na rua, nas páginas 25 a 31, credibilizada pela utilização de enquadramentos variados e o recurso a grandes (e expressivos) planos dos rostos dos intervenientes.
Leituras relacionadas
Giancarlo Berardi,
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Júlia_J. Kendall,
Lorenzo Calza,
Marco Soldi,
Mythos,
opinião
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