02/05/2010

As Melhores Leituras de Abril

Alix - Garra Negra (ASA+Público), de Jacques Martin (argumento e desenho)
Animal'z (ASA), de Enki Bilal (argumento e desenho)

Cadavre Exquis (Gallimard), de Pénélope Bagieu
Cartoons do ano 2009 (Assírio e Alvim ), de António, André Carrilho, Augusto Cid, Cristina Sampaio, António Jorge Gonçalves e Maia (cartoons)
Faire le Mur (Casterman), de Maximilien Le Roy (argumento e desenho)
Hellboy – Terras Estranhas (G. Floy Studio), de Mike Mignola (argumento e desenho) e Dave Stewart (cor)
Incognito #1 - Project Overkill (Delcourt), de Ed Brubaker (argumento), Sean Phillips (desenho) e Val Staples (cor)
J. Kendall – Aventuras de uma Criminóloga – Almanaque Mistério 2009 (Mythos Editora), de Giancarlo Berardi (argumento e guião), Maurizio Mantero (guião) e Steve Boraley (arte)
Níquel Náusea #7 - Em boca fechada não entra mosca (Devir Livraria), de Fernando Gonsales (argumento e desenho)

Superman & Batman #50 (Panini Brasil)
Tex a cores #1 – O Totem Misterioso (Mythos Editora), de Gianluigi Bonelli (argumento) e Aurelio Galleppini (desenho)

Turma da Mônica Jovem #16 - Monstros do ID Parte 2 (Maurício de Sousa Editora), de Maurício de Sousa

01/05/2010

Para Ver - Ana Madureira na Mundo Fantasma

A galeria Mundo Fantasma, situada na livraria especializada em BD com o mesmo nome, no Centro Comercial Brasília, no Porto, inaugura hoje, às 17h, uma exposição de Ana Madureira, na presença da autora.
Intitulada “A Alma do negócio”, a mostra é composta por 20 ilustrações originais que retratam, através de um desenho sensível e espontâneo, feito de traço frágil e fino, lugares, situações e personagens que nos parecem ao mesmo tempo próximas e estranhas, e evocam histórias que nos soam familiares.
Natural de Espinho, onde nasceu em 1980, Ana Madureira estudou Direito em Coimbra, antes de viver na Holanda e na Índia. Actualmente divide o seu tempo pelo teatro e pela música, enquanto intérprete e cenógrafa na companhia Circolando e com o colectivo musical Gudubik, a dança, campo onde faz investigação na CEM, e a ilustração, tendo auto-editado as colecções “Cosido à mão”, em 2003, e “Coração nas mãos”, em 2009, e sido seleccionada para as Mostras Nacionais de Jovens Criadores de 2003, 2005, 2006, 2007 e 2009, e para a XIII Bienal de Jovens Artistas da Europa e Mediterrâneo, realizada em Itália, em 2008.


(Texto publicado no Jornal de Notícias de 1 de Maio de 2010)

30/04/2010

Alix, o intrépido

Jacques Martin (argumento e desenho)
ASA (Portugal, Abril de 2010)
302 x 225 mm, 64 p., cor, cartonado

Parece resposta ao meu post de há dias, mas é pouco provável que o seja.
De qualquer forma, a notícia é que a partir de hoje está disponível (apenas) nas lojas FNAC uma edição limitadíssima de 300 exemplares da colecção Alix em capa dura, com grafismo igual aos volumes já editados pela ASA.
Serão editados dois álbuns por mês, pela mesma ordem em que estão a ser lançados com o jornal Público. Ou seja, é desde já possível comprar “Alix, o intrépido” e “A esfinge de ouro”, custando cada volume 14,90€.

29/04/2010

Cartoons do ano 2009

António, André Carrilho, Augusto Cid, Cristina Sampaio, António Jorge Gonçalves e Maia (cartoons)
José Miguel Tavares (introdução)
José António Lima (comentários)
Assírio e Alvim (Portugal, Fevereiro de 2010)
245 x 288 mm, 128 p., cor, cartonado


Fossem assim todos os livros de História e os seus leitores seriam certamente mais. Ou pelo menos, a sua leitura constituiria um maior divertimento.
É verdade que talvez não houvesse tantos historiadores – e isso seria mau? – pois raros são aqueles capazes de sintetizar com meia dúzia de traços, umas pinceladas de cor, um eventual texto curto e com muito humor, ironia e/ou mordacidade acontecimentos marcantes e que tanto (nos) marcaram ao longo de um ano. Sejam eles as tristezas da (nossa) política(zinha), as tragédias que assolaram o planeta, as guerras que teimam em persistir, a meia dúzia de disparates dos (pequeninos) ditadores do costume ou as exibições (em bicos dos pés) dos (aspirantes a) artistas habituais.
Porque este (belo) álbum, em pouco mais de uma centena de páginas, noutros tantos (tantos) cartoons (muito) inspirados, que nos fazem voltar atrás recorrentemente, relembra-nos o que foi o ano de 2009, dos casos aos acontecimentos, dos (tristes) anões aos (verdadeiros) gigantes que os fizeram acontecer.
Com a vantagem de que a sua leitura não nos deixa o travo amargo que a recordação deles provoca, antes planta um belo sorriso nos lábios e até dá ânimo para vivermos 2010, tendo no horizonte a esperança de novo tomo compilatório deste ano, em cartoons.
Pelo menos, enquanto nos deixarem ir rindo com eles (e deles) porque – estou tristemente convencido disso – o sentido de humor de muitos (dos retratados?) não chega para que percebam a ironia da divertida introdução de João Miguel Tavares, levando-a a sério e pensando em pô-la em prática...


(Texto publicado originalmente a 24 de Abril de 2010, na página de Livros do suplemento In’ da revista NS, distribuída aos sábados com o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias)

28/04/2010

Incognito #1 - Projet Overkill

Ed Brubaker (argumento)
Sean Phillips (desenho)
Val Staples (cor)
Delcourt (França, Abril de 2010)
173 x 264 mm, 160 p., cor, cartonado


Resumo
Zack Overkill é um ex-super-criminoso, hiperviolento e amoral, que após a morte do seu irmão gémeo, Xander, decidiu denunciar os seus chefes à polícia, em troco de imunidade total e da participação num programa de protecção de testemunhas. Para isso, teve de se sujeitar a um tomar um medicamento que o priva das suas capacidades extraordinárias (força, impulso, desprezo pela morte…) devidas a um perigoso soro, e de assumir um emprego como arquivista num escritório banal.
No entanto, uma experiência com drogas, fá-lo recuperar os seus poderes, mas desta vez direccionando-os para fazer combater pequenos criminosos, como ladrões e violadores. Só que o seu regresso não passa despercebido às autoridades nem aos seus antigos empregadores, iniciando-se então uma caçada impiedosa na qual as vitimas colaterais não são importantes nem contadas.

Desenvolvimento
Escritor de (merecido) sucesso no meio dos comics de super-heróis, Brubaker tem aqui uma história que, podendo ser incluída no género, devido a alguns dos seus pressupostos – seres com super-poderes, embora sem nenhum protagonista conhecido, sociedades secretas, conspirações, sábios loucos - apresenta algumas diferenças fundamentais que a empurram mais para os terrenos do romance negro.
Desde logo pelo tom sombrio da narrativa e de (quase) todos os cenários em que ela se desenrola, para o que contribuem sobremaneira os tons escuros utilizados por Val Staples para pintar o traço agreste e duro de Phillips, não especialmente agradável mas eficaz e muito adequado ao contexto.
Depois, pela inclusão de cenas de sexo, moderadas quando avaliadas pelos padrões da BD europeia, mas nada habituais nos comics, e também pela violência extrema de algumas sequências, como a que surge logo na segunda vinheta, quando Overkill esmaga a cabeça de um homem contra uma parede.
Mas acima de tudo, o que marca a diferença e faz deste livro uma obra aconselhável, independentemente do género em que a queiramos classificar, é a forma como Brubaker coloca questões sobre a natureza humana, sobre o que leva um homem a tornar-se um criminoso, partindo da dualidade com que Overkill se debate, dividido entre a sua nova existência e a possibilidade de regressar ao passado, hesitante em manter a sua existência anónima e anódina ou regressar às primeiras páginas dos media, dividido entre continuar subjugado às forças que o controla(ra)m ou tentado a marcar o seu próprio percurso. E fá-lo especialmente através do uso da voz-off com que o protagonista narra grande parte da história, ao mesmo tempo que revela o seu interior torturado e tortuoso e o caos que a sua vida sempre foi.
Ao longo do relato, que avança a uma velocidade trepidante, sem tempos mortos nem momentos de reflexão, Zack Overkill vai-se cruzar com antigos aliados e inimigos e reviver acontecimentos (alguns dolorosos…) que julgava esquecidos para sempre, e vai ser obrigado a fazer escolhas, ao mesmo tempo que descobre segredos perturbadores sobre o seu passado e a sua origem, menos “normal” do que ele pensava.
Até ao final, incómodo, com algo de redentor mas também de passo em frente para o abismo, no qual a vitória do bem (?) fica ligada à sua incapacidade de controlar os seus impulsos violentos e destrutivos…

27/04/2010

Faire le Mur

Maximilien Le Roy (argumento e desenho)
Casterman (França, Abril de 2010)
170 x 240 mm, 96 p., cor, brochado com badanas

Resumo
Esta é (uma parte d)a história de Mahmoud Abu Srour, um jovem palestiniano de 22 anos que vive no campo de refugiados de Aida, na Cisjordânia.
Ele trabalha na mercearia da família, onde foge do quotidiano através dos seus desenhos e dos sonhos que tem com as jovens ocidentais que por vezes passam por lá. Como Audrey, uma francesa que deverá chegar dentro de dias para passar com ele o fim-de-semana, em casa de uma irmã. Só que para isso, terá que ignorar as leis (impostas) e ultrapassar o muro construído pelos israelistas…

Desenvolvimento
Este é um reato assumidamente subjectivo e politizado. Porque escrito na primeira pessoa (embora por entreposto autor). Porque relata experiências vividas. Porque só mostra – só pode mostrar – o seu próprio ponto de vista, só narra aquilo que sentiu na pele, só revela o que viveu do lado de lá… do muro que separa os territórios palestinianos… do resto do mundo (que por vezes se diz civilizado). Porque fala de uma realidade que os países ocidentais não conseguem (não querem...?) resolver.
Mahmoud Abu Srour - Maximilien Le Roy em sua vez, num relato em que o tom utilizado é antes de tudo autobiográfico…, se assim se pode dizer - conta-nos episódios diversos da sua vida, por vezes narrados em curtos flashbacks, a preto e branco ou entremeado com alguns dos seus esboços, feitos com cores vivas, que contrastam com os tons esverdeados que dominam a narrativa principal. Conta como o terreno que o pai possuía lhes foi retirado pela força para ser construído um colonato judaico, algumas (más) experiências com a polícia ou o exército israelita, os expedientes para atravessar o muro quando não se tem autorizações válidas, a revolta perante aqueles que pactuam com os ocupantes, a incompreensão face à não-actuação da ONU e dos outros países…
Apesar de tudo isto, de Maximilien Le Roy explanar muitas das ideias– e ideais – de Abu Srour e das razões e motivos que estão na sua origem, num longo solilóquio, raramente quebrado por diálogos pontuais com outras personagens, a leitura faz-se de forma agradável e a narrativa, se bem que de ritmo (propositadamente) lento, para o leitor poder pesar cada palavra, cada silêncio, está longe de se tornar maçadora ou desinteressante. Pelo contrário prende e cativa, é incómoda, até, deixando no final uma sensação de angústia face à nossa impotência perante a realidade exposta.

A reter
- A forma como Le Roy se identificou totalmente com Abu Srour.
- O modo como o autor faz respirar o texto, através da visualização fragmentada de pequenos gestos quotidianos, como o acender do cigarro nas quatro vinhetas que compõem a prancha da página 8, aqui reproduzida.
- A textura do desenho, devida ao papel utilizado.

Curiosidades
- O livro inclui, no seu final, uma fotobiografia de Mahmoud Abu Srour, uma reportagem fotográfica de Maxemce Emery na Palestina e uma entrevista com Alain Gresh, um jornalista especializado no Médio Oriente.

26/04/2010

Tim-Tim repórter d’O Papagaio

Se a publicação de Tintin, a criação máxima de Hergé, ficou como o grande feito de O Papagaio, os seus leitores tiveram que esperar quase um ano, até ao nº 49, de 19 de Março de 1936, para o herói ser anunciado na revista, como seu repórter na “América do Norte, país civilizadíssimo, donde nos chegam as maiores invenções e belas afirmações de espírito artístico” mas que é também “infelizmente, um território onde o banditismo impera, no qual indivíduos da pior espécie e de todas as nacionalidades estabeleceram de há muito arraiais”. A Milu, seu companheiro de sempre, a revista trocava o nome e o sexo, anunciando-o(a) como “a cadelinha Pom-Pom” porque, explica José Azevedo e Menezes em “O Papagaio – Um estudo do que foi uma grande revista infantil portuguesa” (2ª edição, do autor, 2007), citando Dias de Deus: “nO Papagaio já havia uma Milu, Maria de Lurdes Norberto, que recitava e cantava aos microfones das emissões infantis; Simões Müller entendeu que não ficaria bem dar o nome de uma menina conhecida a uma cadela”… Dois números depois, em novo anúncio, já na capa, o seu nome passava a Rom-Rom mas o sexo trocado manter-se-ia até ao fim da revista. Também o Capitão Haddock e o professor Tournesol foram rebaptizados, passando, respectivamente, a Capitão Rosa e Professor Pintadinho…
Finalmente, no nº 53, logo na capa, com cores vivas (e hoje exageradas) começavam as “Aventuras de Tim-Tim na América do Norte”, pela primeira vez em policromia em todo o mundo. Sinal de outros tempos, o respeito pelos originais de Hergé era pouco ou mesmo nenhum, sendo normal as pranchas serem retalhadas e remontadas, em função do espaço disponível ou a ocupar. Artur Correia, autor português de BD, ainda em actividade, numa entrevista publicada no Mundo de Aventuras 248 (5ª série, de 1978) lembra que nO Papagaio “alargava juntamente com um talentoso moço chamado Soares, os desenhos das histórias do Tim-Tim para virem publicados na página central. Nós é que fazíamos os acrescentos para transformar uma página única numa dupla”...
Modificações que também se faziam sentir ao nível dos textos, a começar logo com “Tim-Tim na América”: na fase final da história, os operários ausentes da fábrica onde o herói sofre um atentado, em greve (proibida no nosso país) no original, tinham saído para almoço… Seguir-se-ia “Tim-Tim no Oriente” (Os Charutos do Faraó, publicado do #115 ao #161), no qual o vendedor de banha da cobra Oliveira de Figueira, o único figurante luso de relevo criado por Hergé, era apresentado como… espanhol! Depois, viriam as “Novas Aventuras de Tim-Tim” (“O Lótus Azul”, #166-#205) e a aventura africana do “repórter que nunca escreveu uma linha”, que o levou a pisar solo (colonial) português em “Tim-Tim em Angola” (“Tintin no Congo”, #209-#244). Já em “O Mistério da Orelha Quebrada” (#247-#298), o general Alcazar é rebaptizado de Manduca, para não ser associado ao episódio, então recente, do cerco do Alcazar de Toledo durante a Guerra Civil espanhola. No episódio seguinte, “A Ilha Negra” (#301-#359), o adversário do herói deixou de ser o Dr. Müller (para não ser entendido como piada ao então já ex-director da revista), transformando-se num banal Dr. Silva, e em “Tim-Tim no deserto” (“O caranguejo das tenazes de ouro”, #366-#426), Haddock, que no original se sentia mal depois de beber um copo de água (por não ser de uísque) nas páginas de O Papagaio, sente-se mal mas melhora depois de beber a água! A aventura seguinte (“A Estrela Misteriosa”, #435-#540) é publicada sem título e a presença de Tintin na revista portuguesa terminaria com “O Segredo da Licorne” (#617-#679).
Para além disso, Tintin surgiu em muitas capas de O Papagaio (cujas revistas correspondentes são hoje avidamente disputadas pelos coleccionadores), em desenhos originais ou feitos por autores portugueses, como boneco articulado de montar e mesmo noutras histórias, como é o caso da primeira aventura do “Boneco Rebelde”, de Sérgio Luiz e Guy Manuel, em que contracena com o protagonista nas páginas iniciais, e como despoletador da acção em “Na pista de Tim-Tim”, de Diniz de Oliveira e Rodrigues Neves.
Pelo meio, ficaram também as tentativas goradas de Simões Müller de o levar consigo para o “Diabrete” (o que só conseguiu após o fim de O Papagaio), onde teve de se contentar com “Trovão e Relâmpago” (aliás “Quick et Flupke”), inicialmente publicados sem conhecimento de Hergé, e o facto de parte dos direitos de Tintin terem sido pagos em géneros, mais exactamente em latas de sardinhas, enviados para a Alemanha onde estava preso o irmão do desenhador belga.

(Texto publicado no dia 17 de Abril de 2010 na revista NS, distribuída ao sábado com o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias)

25/04/2010

Adolfo Simões Müller, um homem dos (setenta e) sete instrumentos

Lisboeta, nascido a 18 de Agosto de 1909 – o centenário passou de forma discreta há menos de um ano… - Adolfo Simões Müller, depois de ter frequentado o curso de medicina, foi jornalista, pedagogo, dramaturgo, produtor de programas radiofónicos e director do gabinete de estudos da Emissora Nacional. E também tradutor, adaptador, poeta e prosador, autor de mais de sete dezenas de obras infanto-juvenis (como Caixinha de Brinquedos e O Feiticeiro da Cabana Azul, galardoadas com o Prémio Nacional de Literatura Infantil em 1937 e 1942, respectivamente), folhetins radiofónicos, inúmeras adaptações de clássicos da literatura, romanceador de biografias de figuras de referência da nossa História, assim como de vultos da Humanidade. Para além disso, foi também argumentista de BD, colaborando com muitos dos autores que passaram pelas revistas que dirigiu, merecendo lugar de destaque as suas parcerias com Fernando Bento. Também por isso, é um dos nomes fundamentais do jornalismo infanto-juvenil em Portugal das décadas de 1930 a 1970, onde deixou marcas profundas como director de O Papagaio (1935), onde estreou Tintin, Diabrete (1941), Cavaleiro Andante (1952), Falcão (1958), Foguetão (1961), onde publicou Tintin au Tibet na versão original francesa, com a tradução em rodapé (!) e apresentou Astérix pela primeira vez (a preto e branco) aos leitores portugueses, ou Zorro (1962).
Recebeu o Grande Prémio da Literatura Infantil da Fundação Calouste Gulbenkian pelo conjunto da sua obra, em 1982 e viria a falecer a 17 de Abril de 1989 tendo, um ano depois, a Editorial Verbo instituído um prémio com o seu nome, para homenagear a sua memória e estimular a revelação de novos autores.

(Texto publicado no dia 17 de Abril de 2010 na revista NS, distribuída ao sábado com o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias)

Há 75 anos voava O Papagaio

No passado domingo, passaram 75 anos sobre o lançamento de O Papagaio, revista que, juntamente com o Mosquito, Mundo de Aventuras, Diabrete, ou Cavaleiro Andante, formou e fez sonhar muitas gerações portuguesas ao longo de décadas.
Foi a 18 de Abril de 1935 que O Papagaio abriu pela primeira vez, se não as suas asas, pelo menos as suas páginas às mãos e olhos ávidos dos miúdos a quem a revista se destinava, como se lia por baixo do seu cabeçalho, ao lado do qual também estava o preço – elevado para a época - de 1$00. No interior desse número inaugural – como durante o resto da sua vida, onde nunca ocupou mais de um terço das páginas - a banda desenhada – então chamada histórias aos quadradinhos pois o francesismo só entraria em uso décadas depois – era pouca, limitada a uma prancha de Tom (Thomaz de Melo, um dos responsáveis pela capa e pelo grafismo atraente da novel publicação), intitulada “Sabichão em calças pardas”, e meia prancha de Stuart Carvalhais, com os seus Quim e Manecas. Nas suas páginas, a preto e branco, uma ou várias cores, a prioridade era dada a contos, curiosidades, passatempos e concursos, tudo com um forte pendor didáctico e formativo, algo perfeitamente normal na época.
Publicação católica, semanal, com saída às quintas-feiras, propriedade da Renascença, tinha como director um dos maiores nomes que o jornalismo infanto-juvenil português conheceu, Adolfo Simões Müller.
A revista viria a durar 722 números, com altos e baixos, como é incontornável, e dela ficou como principal imagem de marca ter servido de modelo a muitos dos títulos infanto-juvenis lançados nos anos seguintes e o ter publicado – como estreia fora da francofonia e pela primeira vez a cores em todo o mundo – as aventuras de um certo Tintin. Hergé, o seu autor, no entanto, seria um dos poucos autores estrangeiros publicados em O Papagaio, juntamente com Jacobsson, Urátegui, Gordillo, Walter Booth e poucos mais, uma vez que a aposta principal de Müller foi sempre para os autores nacionais, alguns dos quais começaram ainda adolescentes nas suas páginas. Foi o caso de José Ruy, hoje um veterano, especialista em temas históricos, e o autor português com mais álbuns editados, que lá publicou as suas primeiras histórias aos quadradinhos quando contava apenas 14 anos, curiosamente todas no domínio da ficção.
Outros nomes nacionais que desempenharam um papel significativo no sucesso de O Papagaio, para além do já citado Tom, foram José de Lemos (responsável por toda a parte gráfica, após a saída daquele), Arcindo Moreira, Meco ou Rodrigues Neves. Mas, afirmam João Paiva Boléo e Carlos Bandeiras Pinheiro em “A Banda Desenhada Portuguesa 1914-1945” (Fundação Calouste Gulbenkian, 1997), deve-se aos irmãos Sérgio Luiz e Guy Manuel, precocemente desaparecidos, “a mais imorredoira criação de O Papagaio”, o Boneco Rebelde, protagonista de quatro aventuras.
Como casos peculiares há que citar ainda José Viana, o actor e humorista, autor de diversas bandas desenhadas de crítica de costumes, e Júlio Resende, hoje pintor de renome, então animador das festas e das emissões radiofónicas e criador do “emblemático Fagundes Arrepiado” que, escrevem Boléo e Pinheiro, revelava “um humor subtil e desconcertante, inteligente e invulgar, com uma originalidade que lhe vem de uma ironia natural”, e que também engrossaram, com engenho e mérito, o número de colaboradores da publicação. Por ela passariam ainda, embora de forma breve, nomes depois consagrados da 9ª arte nacional como Artur Correia, Vítor Péon ou José Garcês.
Com o modelo consolidado, apoiado também em separatas com banda desenhada ou construções de armar, concursos variados, no incentivo à correspondência por parte dos leitores e num programa radiofónico que alcançou grande sucesso, Simões Müller sairia no número 302, para dirigir o novo “concorrente” Diabrete, sendo o cargo de director assumido sucessivamente por Artur Bivar, José Rosa Ferreira e Laurinda Borges Magalhães.
Se, consensualmente, os primeiros cinco anos foram os melhores, os últimos foram de natural declínio, provocado também pelo aparecimento de novas propostas de uma concorrência forte (Mosquito e Diabrete), tendo O Papagaio, enquanto publicação autónoma, calado a sua voz a 10 de Fevereiro de 1949, 14 anos mais tarde, no nº 722. Teria ainda uma segunda vida, como secção da revista Flama, durante 96 números, até 9 de Fevereiro de 1951, mas já sem grande relevância.
“No período final”, escreve António Dias de Deus em “Os Comics em Portugal – uma história da banda desenhada” (Livros Cotovia, 1997) O Papagaio “era um semanário que (…) chegava pontualmente a casa dos paizinhos assinantes, que pretendiam uma sólida formação moral para os seus rebentos. Às escondidas os miúdos iam ler “O Mosquito” emprestado…”
Eram sinais d(e nov)os tempos que O Papagaio tinha ajudado a preparar.

(Texto publicado no dia 17 de Abril de 2010 na revista NS, distribuída ao sábado com o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias)

24/04/2010

BD para Ver - Fernando Bento em Moura



Hoje, sábado, às 18h, é inaugurada em Moura uma Exposição Comemorativa do Centenário de Fernando Bento, um dos maiores nomes dos quadradinhos portugueses.
A mostra, patente até 2 de Maio no Cine-Teatro Caridade, está integrada na XXX Feira do Livro da cidade e é organizada pela Câmara local, pelo GBS - Grupo Bedéfilo Sobredense e pelo GICAV - Grupo de Intervenção e Criatividade Artística de Viseu, devendo, por isso, ser apresentada depois no Solar dos Zagallos, na Sobreda, de 25 a 27 de Junho, e em Viseu, na Casa das Artes, na primeira quinzena de Outubro.
Na ocasião será apresentado um número especial dos Cadernos de Moura, com a reedição de “Moby Dick”, na versão aos quadradinhos que Fernando Bento fez do clássico de Herman Melville, originalmente publicada no Cavaleiro Andante, entre Fevereiro e Julho de 1960.
Fernando Bento, que nasceu a 26 de Outubro de 1910, começou a sua carreira aos quadradinhos em 1938, na secção infantil do jornal República, tendo depois passado por inúmeras outras publicações, com destaque para as revistas Diabrete e Cavaleiro Andante, de que foi um dos pilares. Com um traço personalizado, ágil e dinâmico, ficaram famosas as adaptações que fez, a solo ou a partir de argumentos de Adolfo Simões Müller, de episódios da História nacional ou de clássicos da literatura, destacando-se obras como “A Ilha do Tesouro” (1947), “As Mil e Uma Noites” (1948), “As Minas de Salomão”, “Serpa Pinto” (ambos de 1951), “Beau Geste” (152) ou “Quintino Durward” (1955).
Viria a falecer a 14 de Setembro de 1996, em Lisboa, cidade que deu o seu nome a uma das suas ruas, em 1999. Em Novembro desse ano, a revista “Selecções BD” (2ª série) iniciou a publicação da sua última banda desenhada, “Regresso à Ilha do Tesouro”, a partir de um argumento de Jorge Magalhães, de que não chegou a desenhar as últimas pranchas e que deixou apenas semi-colorida.

(Versão revista e alargada do texto publicado no Jornal de Notícias de 24 de Abril de 2010)

23/04/2010

Alix – Garra Negra

Jacques Martin (argumento e desenho)
ASA + Público (Portugal, Abril de 2010)
294 x 220 mm, 64 p., cor, brochado com badanas


Resumo

O aparecimento sucessivo de vários nobres romanos paralisados, sem conseguirem falar e vítimas de estranhas feridas, leva Alix, de passagem por Pompeia, a investigar o caso, convencido de que existe mão humana por detrás dos estranhos casos.

Desenvolvimento
Penso que é pacífico afirmar que este álbum marca um ponto de viragem nas aventuras de Alix, após quatro histórias que parecem ter sido escritas ao mesmo tempo que eram desenhadas (embora o álbum anterior, A Tiara de Oribal, já tenha um argumento mais consistente), recheadas de incoerências e situações pouco credíveis. A começar logo na forma como Alix passa rapidamente de escravo a protegido de César. Ou no modo como se desloca velozmente por todo o império romano, encontrando-se sempre face a face com Arbacés, que surge na série como “um inimigo de estimação”, “à la Olrik”.
Em Garra Negra, Martin começa a revelar-se o argumentista exigente que fez a sua fama – a par da sua proverbial minúcia e fidelidade ao contexto histórico que o seu herói frequenta – introduzindo na narrativa uma dimensão trágica, até aí quase ausente.
Que começa por se revelar nos acontecimentos que a despoletam, e que depois surge em pleno, primeiro, na forma como Ícara foi destruída, com base em mal-entendidos – que no entanto mostram como tantas vezes os interesses económicos ou políticos se sobrepõem ao bom senso e à razão – e, depois, no desfecho final com Alix (quase completamente) derrotado e impotente face aos acontecimentos. Como aliás já acontecera na fase inicial do álbum. O que contribuiu para o dotar de uma faceta mais humana até aí pouco visível na série.
Mas nada disto invalida que esta seja mais uma aventura que decorre em bom ritmo, apesar de Martin nunca ter sido poupado nos textos...), recheada de situações inesperadas e complicadas para Alix, em que defronta um adversário à sua altura e até condimentada com um toque de sobrenatural que surpreende no contexto histórico rigoroso.

É verdade que algumas das inconsistências referidas voltam a surgir na parte do relato que decorre na selva, onde os factores aventura e acção voltam a tomar as rédeas, com alguns excessos, mas que são desculpáveis face à dimensão trágica de que se reveste o episódio, sem dúvida um clássico a (re)ler.

A reter
- A edição, que mais uma vez permite levar aos leitores bons livros (considerando a obra e o objecto) a preços acessíveis. O que torna incompreensível porque se levantam tantas vozes contra estas parcerias. O que não invalida que, tendo sido seguido o modelo habitual nestas edições entre o Público e a ASA, desta vez não pudesse ter sido contemplada a capa dura, sem numeração, que permitiria “combinar” melhor os actuais 16 volumes com os outros já editados a solo pela ASA.

- O facto de quer Alix, quer o seu adversário (pelo menos na sua boa-fé) terem razões válidas para as acções que levam a cabo.

Menos conseguido
- Alguém acredita, mesmo nos anos 1950…, que uma canoa com apenas 3 ocupantes consegue remar contra a correnteza provocada pela imensa queda de água da página 40?

Curiosidades
- Se não subscrevo, longe disso, algumas leituras – apressadas, forçadas e interesseiras – sobre (eventuais contornos d)a relação de Alix e Enak, é fácil constatar que este último, embora algumas vezes funcione como “coadjuvante” do protagonista principal (ao estilo de Pancho em Jerry Spring, Chico em Zagor, Obélix em Astérix ou Lotário em Mandrake – e os exemplos podiam multiplicar-se…), a verdade é que na maioria dos casos ocupa o papel que, nos clássicos norte-americanos, era geralmente desempenhado pelas noivas (eternas) dos heróis: vitima de ameaças e raptos que visam condicionar a acção de Alix.
- Fossem os heróis de papel sujeitos às mesmas leis temporais que os seres de carne e osso e seria interessante ver quantos anos Alix envelheceria em cada álbum, numa época em que o tempo passava (bem) mais devagar e qualquer viagem durava semanas ou mesmo meses… O que de qualquer forma não impede que os protagonistas andem sempre impecavelmente barbeados ou com as indumentárias como que acabadas de passar a ferro! Vantagens de se ser herói dos quadradinhos!

- Não é exclusivo de Alix, nem sequer da banda desenhada, mas alguém terá feito as contas a quantas vidas foram perdidas, entre marinheiros, soldados e negros, amigos e adversários, para que Alix pudesse, no final, salvar apenas uma...?

22/04/2010

J. Kendall Almanaque Mistério 2009

Giancarlo Berardi (argumento e guião) 
Maurizio Mantero (guião) 
Steve Boraley (arte) 
Mythos Editora (Brasil, Novembro de 2009)
135 x 178 mm, 132 p., pb, brochado, anual 

 Resumo Publicação anual, estes Almanaques Mistério narram as aventuras da jovem Júlia Kendall, quando ainda era aluna da universidade, embora já trabalhasse como assistente de um dos seus professores, Cross, que então era consultor da Procuradoria de Garden City. Neste (mini-)álbum, originalmente publicado em Itália, no Almanacco del Giallo 2009 e de momento disponível nas bancas nacionais, investiga o caso de um corpo encontrado dentro de um poço, que a polícia consegue identificar através de uma curiosa tatuagem num braço. No desenvolvimento da investigação, Júlia terá ao seu lado Eldred Herron, amigo da vítima, jovem escritor de sucesso de um único romance, com quem vai estabelecer uma relação de grande proximidade. 

Desenvolvimento O primeiro mérito de Berardi é a forma como traça o retrato da jovem Júlia, com o distanciamento necessário da versão adulta, com as contradições e hesitações próprias da idade mas já com todas as suas características futuras: a queda para se apaixonar pelo(s) homem(ns) errado(s); a insegurança, embora condimentada com mais ilusões e alguma impetuosidade, próprias da sua juventude; a inteligência e capacidade dedutiva que lhe garantirão o sucesso profissional futuro, embora atenuadas pela sua inexperiência. O criador de Júlia, mais uma vez, desenvolve uma bela história, na qual a investigação criminal e a exploração dos sentimentos dos protagonistas andam a par. No que diz respeito à primeira, diverte-se a avançar com diferentes pistas para a resolução do assassínio – um eventual serial killer, apostas clandestinas, ligação a uma organização nazi, crime passional… - sendo que a solução não estará em nenhuma delas, o que acaba por dar mais interesse e uma grande credibilidade ao argumento, pois deve ser isso que muitas vezes acontece na vida real. Mas, mais uma vez, são as relações humanas – e o que tantas vezes está por trás do seu (in)sucesso - que constitui o ponto forte de mais uma narrativa pautada por um tom intimista, desenvolvida em ritmo pausado, para permitir ao leitor digerir cada informação, cada avanço, cada recuo. Veja-se a forma como o interesse inicial de Júlia pelo jovem escritor se vai modificando, progressivamente, até se transformar (quase?) em paixão – que assenta também na forma como o desenhador retrata olhares, pequenos gestos, pormenores aparentemente sem importância - colocando em segundo plano a resolução do crime. 

Curiosidade Como é habitual nestes números especiais, é incluído um dossier que aborda os principais filmes e séries policiais que marcaram 2009 e também o escritor norte-americano James Ellroy. (Texto publicado também no Tex Willer Blog)

21/04/2010

Les Rabbit #3 – Show Lapin

Sti (argumento e desenho)
Paquet (Suiça, Janeiro de 2010)
220 x 302 mm, 48 p., cor, cartonado


Introdução
Género com pouca visibilidade em Portugal, apesar de aparentemente ter todas as condições para ser popular – mais uma peça para a (in)compreensão daquilo a que se convencionou chamar “mercado português de BD” – o humor aos quadradinhos entre nós surge quase reduzido aos (excelentes e globalmente) recomendáveis clássicos Astérix e Lucky Luke. E claro a esse nicho à parte das tiras diárias de imprensa.
Mesmo grandes êxitos francófonos, como os Túnicas Azuis, Pequeno Spirou ou Titeuf, tiveram vida efémera no nosso país, caindo rapidamente no esquecimento. Longe vão os tempos, por isso, em que heróis como Cubitus, Modeste e Ponpom, Robin da Mata ou o Incrível Desirée (citados de cor e de cabeça, sem qualquer hierarquia ou indicação de preferência) preenchiam bom número de páginas da revista Tintin.
Aliás, é nas revistas – especialmente na Spirou – que este tipo de séries continua a fazer carreira (e sucesso) nos países francófonos.

Resumo
Sem esse suporte, Les Rabbit é mais uma das (muitas) séries cómicas disponíveis por lá, no formato de pranchas auto-conclusivas, que, como tantas vezes acontece, tem por base o quotidiano de uma família, composta por pai, mãe, filho adolescente, filha criança e filha bebé. Com a particularidade de (obviamente, em função do título) se tratar de coelhos, antropomórficos, embora praticamente nus, já que as roupas se limitam quase essencialmente à gravata do pai, ao boné do filho e aos laço de mãe e filha, que servem essencialmente para melhor os distinguir.

Desenvolvimento
Sem deslumbrar, Les Rabbit é suficientemente divertida para provocar bastantes sorrisos até porque, apesar dos protagonistas “animais”, o seu quotidiano é em tudo igual ao nosso, inclusive no que diz respeito às referências. Porque, neste tempo de globalização qualquer habitante de Portugal, Estados Unidos, Brasil, Japão ou da “rabbitlândia” (re)conhece um sabre Star Wars, videojogos, ninjas, relações profissionais, incompatibilidades entre homens e compras, apelos ao consumo desenfreado, pulsão sexual, birras de bebés ou choques geracionais.
A esta temática directa e facilmente assimilável, aqui e ali trabalhada com assinalável eficácia, Sti alia um traço simples mas eficaz, expressivo, vivo, dinâmico (graças também ao facto de muitas vezes os enquadramentos estarem ausentes ou se limitarem às manchas de cor das vinhetas) e um bom uso da cor que torna as pranchas apelativas e agradáveis.

Curiosidade
- Definida como uma colecção “dois álbuns em um”, Les Rabbit tem a particularidade de ter duas capas, uma protagonizada pelo filho Tony, a outra (uma vez virado o álbum) pelo pai Ronan, sendo os gags de cada “metade”, preferencialmente protagonizados por eles. Eis a razão para aparecerem duas capas diferentes no inicio deste texto.
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