08/11/2021

João Miguel Lameiras: “Penso que Camilo gostaria que a sua obra chegasse a um público diferente”




Depois de uma pré-venda no Amadora BD 2021, a versão em banda desenhada de Amor de Perdição, o derradeiro volume da colecção Clássicos da Literatura em BD, já analisado aqui n’As Leituras do Pedro, está à venda em quiosques, bancas e livrarias desde o passado dia 2.
Foi este o pretexto para uma conversa com os autores, João Miguel Lameiras, o argumentista (hoje), e Miguel Jorge, o desenhador(amanhã).


As Leituras do Pedro - Como surgiu esta oportunidade de adaptar Amor de Perdição para BD?

João Miguel Lameiras - Como sabes, costumo colaborar com a Levoir e, por isso, acompanhei de perto todo o processo da colecção dos Clássicos da Literatura em BD que a Levoir estava a lançar com a RTP. Quando surgiu a oportunidade de fazer o Amor de Perdição, ofereci-me para adaptar o livro.

A escolha do Miguel Jorge, que foi um dos três nomes que sugeri à Levoir como ilustrador, para além da qualidade óbvia do seu traço, foi ditada pela sua capacidade de cumprir prazos apertados, sem abdicar da qualidade.


As Leituras do Pedro - Se tivesses podido escolher, teria sido esta a tua escolha? Porquê?

João Miguel Lameiras - Se tivesse podido escolher, talvez optasse pos Os Maias, por ser grande fã do Eça de Queirós. Mas qualquer destes dois títulos apresentava desafios diferentes e interessantes.


As Leituras do Pedro - Conhecias os outros livros da colecção? Esse facto condicionou de alguma forma a tua adaptação?

João Miguel Lameiras - Sim, já tinha lido alguns. O que condicionou mais a minha adaptação foi o formato fixo desta colecção, com um limite de 57 páginas por volume, incluindo o dossier final, o que deixava apenas para a BD 44 páginas. Esse foi o principal condicionamento.


As Leituras do Pedro - Já conhecias o romance original? De que forma esta adaptação contribuiu para aprofundar o teu conhecimento da obra de Camilo?

João Miguel Lameiras - Tinha lido há muitos anos no liceu, mas lembrava-me vagamente que era uma tragédia romântica, na linha do Romeu e Julieta. Graças ao trabalho de adaptação fiquei a conhecer bastante melhor o livro e a própria vida e obra do Camilo.


As Leituras do Pedro - Achas que este tipo de obras pode contribuir para tornar mais conhecido o romance original de Camilo Castelo Branco?

João Miguel Lameiras - Acho que sim, sobretudo junto de um público mais jovem, que poderá não ter paciência para ler o romance e que poderá ser mais facilmente atraído pela versão em BD.


As Leituras do Pedro - Como se desenvolveu a sua colaboração com o Miguel Jorge? Que método de trabalho utilizaram?

João Miguel Lameiras - A colaboração correu muito bem, de tal maneira que, se surgir uma oportunidade, queremos voltar a trabalhar juntos!

O método de trabalho foi muito orgânico e bastante colaborativo. O Miguel pediu-me para ser ele a fazer a planificação das páginas e no geral, respeitei isso, mas houve algumas cenas em que eu tinha ideias bem definidas e não resisti a propor a planificação que já tinha imaginado.

Fui-lhe mandando o argumento em blocos de 10 ou 12 páginas, com os diálogos e algumas indicações cenográficas, ele enviava-me os layouts das páginas, discutíamos esses layouts e alterávamos o que havia a alterar e depois, à medida que me mandava as páginas desenhadas, víamos se havia alterações a fazer.


As Leituras do Pedro - Obrigando uma adaptação em BD a condensar a obra original, o que consideraste essencial manter do romance original do Camilo?

João Miguel Lameiras - Além da intriga principal, achei importante manter alguns dos aspectos que achei mais interessantes no livro, como a forma como o Camilo quebra a quarta parede, dirigindo-se directamente ao leitor (algo que o Cervantes já tinha feito no Dom Quixote), o uso das cartas, pois a relação entre o Simão e a Teresa desenvolve-se maioritariamente através das cartas e, finalmente, o humor e a crítica social, evidente na cena do convento, que tive pena de não termos mais páginas para desenvolver…


As Leituras do Pedro - Quais as maiores dificuldades que surgiram na adaptação?

João Miguel Lameiras - A minha principal dificuldade foi mesmo encaixar em 48 páginas de BD uma história de mais de 200 páginas onde acontecem montes de coisas. Depois de ler o livro, fiz uma segunda leitura onde listei o que acontecia em cada capítulo, para perceber o que podia tirar e o que era importante manter. Depois veio a parte mais complicada, que foi encaixar toda essa história nas páginas que tínhamos, de uma forma narrativamente interessante e graficamente atractiva.


As Leituras do Pedro - Que tipo de documentação foi utilizado?

João Miguel Lameiras - Graças ao Google, o trabalho de pesquisa está muito facilitado, a nível das roupas, armas e arquitectura, além de que o próprio Miguel está habituado a fazer esse tipo de pesquisas. Como o Camilo, ao contrário do Eça, não se alonga nas descrições e, tirando a Cadeia da Relação e o Convento de Monchique, mais nenhum sítio era identificado, estávamos relativamente à vontade para “inventar”.

Usei também vários exemplos de banda desenhada, para explicar mais facilmente ao Miguel aquilo que eu tinha em mente e para fazer algumas homenagens.


As Leituras do Pedro - Achas que o Camilo Castelo Branco ficaria satisfeito com o resultado final? Porquê?

João Miguel Lameiras - Ele já cá não está para responder, mas espero que sim. Tendo em conta que foi um escritor que sempre escreveu para ser lido, penso que gostaria que a sua obra chegasse a um público diferente, sobretudo se recebesse royalties por isso, pois sempre viveu da escrita.

(versão integral da entrevista que serviu de base ao texto publicado no Jornal de Notícias de 5 de Novembro de2021; imagens disponibilizadas pela Levoir, por João Miguel Lameiras e por Miguel Jorge; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

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