14/08/2012

Joe Kubert (1926-2012)














Desenhador de traço personalizado, duro e agreste, e professor de quadradinhos, Joe Kubert faleceu no passado domingo à noite.
Natural de Yzeran, na Polónia, ainda bebé foi levado pelos pais para os Estados Unidos, onde viria a desenvolver uma notável carreira nos quadradinhos, iniciada logo aos 12 anos, quando apagava o lápis e passava a tinta as pranchas de outros autores.
Após frequentar o High School of Music and Art de Nova Iorque, com 16 anos regressou aos quadradinhos, trabalhando como assistente de Jack Kirby, entre outros.
Numa carreira longa e diversificada, na qual se contam passagens por super-heróis como Flash, Hawkman, Blue Beetle ou Punisher, uma experiência em BD 3D com Mighty Mouse, tiras diárias de Big Ben Bolt ou mesmo um Tex Gigante para a editora italiana Sergio Bonelli, a sua criação mais conhecida será, possivelmente, “Sargento Rock” (1959), um conjunto de histórias bélicas com um certo tom humano, ambientadas na II Guerra Mundial.
Outro dos seus projectos foi “Tales of the Green Berets” (1965) (“Boinas verdes” na versão publicada em Portugal pelo Mundo de Aventuras), uma tira diária sobre as façanhas dos comandos norte-americanos na Guerra do Vietname, mas que teve pouco sucesso por ter sido lançada na época de maior contestação àquele conflito.
Redimiu-se nos anos 1970 com uma das mais duras e selvagens versões conhecidas de Tarzan (igualmente divulgada no Mundo de Aventuras), fundando de seguida a Joe Kubert School of Cartoon and Graphic Art, em Nova Jersey, por onde passaram alguns dos maiores desenhadores da actualidade.
“Abraham Stone” (1991), com o seu filho Andy Kubert, “Fax from Sarajevo” (1995), sobre o inferno vivido pelo seu agente nos Balcãs, durante a guerra civil que se seguiu ao desmembramento da ex-Jugoslávia, ou “Yossel” (2004), ficção sobre o que teria sido a sua vida no gueto de Varsóvia, se os seus pais não tivessem emigrado para os EUA, foram algumas obras de cariz mais pessoal, que o afirmaram como um dos maiores desenhadores de comics de sempre.

(Versão revista do texto publicado no Jornal de Notícias de 14 de Agosto de 2012)


13/08/2012

Tintin e Donald juntos










 

A propósito da recente edição brasileira da revista “Pato Donald” #2409 (Editora Abril), que inclui a história “Bom-Bom Sorriso e o Artista Liberado”, recordo o texto que escrevi no Jornal de Notícias de 7 de Novembro de 2003 intitulado “As aventuras de Donald e… Tintin!?”, a propósito da versão original italiana dessa história.
Imagine leitor que, após comprar uma revista do Pato Donald, ao folheá-la, deparava no seu interior com uma história com... Tintin!
Se isto lhe soa mais a história aos quadradinhos do que a uma hipotética realidade, saiba que está enganado, pois é isso que vai acontecer a muitos milhares de italianos na revista “Topolino” (Mickey) nº 2501, datada de 4 de Novembro de 2003. Ao chegarem à página 159, encontrarão a história “Bum Bum e l’Artista Liberato” e, meia dúzia de páginas de leitura volvidas, depararão com a surpreendente situação atrás descrita.
Esta história, que totaliza 30 páginas, começa quando Donald, o Prof. Pardal e Bum-Bum descobrem um pedido de ajuda... em francês, nas costas de um quadro que cai de uma parede. A consequente investigação acaba por conduzi-los a França, em busca do autor da pintura, um tal Jean Escargot. Lá chegados, os primeiros autóctones que encontram são um jovem de poupa com o seu cão, de seus nomes, Denden e Piciou, em quem, qualquer leitor de BD minimamente atento, reconhece Tintin e Milu, caricaturados ao estilo Disney.
Na continuação da trama, aparecem os gémeos Dipent e Dipend, a bordo de um incontornável Citroen dois cavalos, e conhecem um certo Capitano Hadciuk, que, não por acaso, tem um barco de nome... “Hergé”! Nele está o Professor Doposole, um pato antropomorfizado, à boa maneira Disney. A ajuda oferecida por Denden e pelos seus amigos termina 10 páginas mais à frente quando este é detido pelos gémeos Dipent(d).
A história prossegue apenas com as personagens Disney, para desembocar num final em que se descobre que o pedido de socorro tinha origem na atitude tirana da mulher do pintor.
Por estes motivos, este “Topolino Special Paper Sport”, promete ficar na história das edições Disney em Itália (e não só). Resta saber como reagirá a Foundation Moulinsart, detentora dos direitos da obra e das personagens criadas por Hergé, pouca apreciadora de “brincadeiras” deste género.
O autor da história, como se lê no rodapé da página de abertura da história, num saudável hábito da Disney italiana, é Corrado Mastantuono um desenhador extremamente versátil nascido em Roma. A sua obra tem duas facetas. Por um lado, tem trabalhado nos comics Disney, em especial em histórias de Mickey e nos “Duck Tales”. Por outro lado, usando um surpreendente estilo realista, tem assinado diversas histórias de “Nick Raider” para a famosa editora Bonelli, responsável pela edição, em Itália, de heróis extremamente populares, cujas revistas vendem milhares de exemplares, como “Tex”, “Dylan Dog” ou “Mister No”.

Nota 1: A banda desenhada em causa, também foi editada em Portugal, no "Pato Donald" #107, de Março de 2004, sob o título "O Artista Liberto".


 

12/08/2012

As Figuras do Pedro (XXIII)

Daredevil




Colecção: Figuras Marvel de Colecção
Figura: Daredevil (Demolidor)
Fabricante/Distribuidor: Eaglemoss (colecção original inglesa); Altaya/Planeta DeAgostini (Portugal) e Panini Comics (Brasil)
Número de figuras: 195 na colecção original inglesa (em curso); 60 em Portugal; indefenido no Brasil
Material da figura: Chumbo pintado à mão
Altura: cerca de 8,5 cm
Preço: 12,11 € / R$ 37,95 (inclui um fascículo colorido de 20 páginas com a origem, a história e factos curiosos sobre a personagem retratada) 

Nota: Mais do que mostrar esta figura – de um dos meus super-heróis preferidos, alvo recente de uma das minhas leituras – este texto serve para (re)lembrar  que esta colecção está disponível actualmente em Portugal e no Brasil.

11/08/2012

Selos & Quadradinhos (83)

Stamps & Comics / Timbres & BD (83)


Tema/subject/sujet: Anime Hero & Heroine Series 1 – Pokémon
País/country/pays: Japão/Japan
Data de Emissão/Date of issue/date d'émission: 2005

10/08/2012

Franco Caprioli em Viseu















O GICAV [– Grupo de Intervenção e Criatividade Artística de Viseu] convida para uma visita à exposição de banda desenhada “Franco Caprioli: no centenário dodesenhador-poeta do mar”, entre os dias 10 e 26 de Agosto de 2012, na Feira de S. Mateus [, em Viseu].
No dia 11 de Agosto, pelas 17 horas será feita uma visita guiada e apresentado um fanzine, com texto de Jorge Magalhães, em formato digital, dedicado à obra do desenhista italiano.

(Texto da responsabilidade da organização)


08/08/2012

Daredevil, el hombre sin miedo #1

La sonrisa del diablo







Colecção Marvel 100 %
Mark Waid (argumento)
Paolo Rivera e Marcos Martín (desenho)
Joe Rivera (arte-final)
Muntsa Vicente e Jaime Rodríguez (cor)
Panini (Espanha , Julho de 2012)
250 x 170 mm, 144 p., cor, capa brochada com badanas
12,00 €




1.       Daredevil (possivelmente a ausência mais marcante da colecção Heróis Marvel, da Levoir/Público ) constitui, com o Homem-Aranha e Batman, o meu triunvirato preferido no que aos super-heróis diz respeito.
2.      Talvez porque – tal como os outros dois – embora “super” mantém uma forte componente humana…
3.      Talvez porque a sua incapacidade física o torna narrativamente mais interessante…
4.      Talvez porque o descobri na sua melhor fase, quando foi escrito – de forma brilhante e genial – por Frank Miller.
5.      E se nessa altura teve a sua primeira descida aos abismos – quando ocorreu a sua primeira queda…
6.      A verdade é que – como bem destaca Julián M. Clemente na interessante introdução deste livro, mais um magnífico objecto da colecção Marvel 100 % da Panini espanhola – os sucessivos autores que assumiram o seu controlo sentiram a necessidade de o tornar cada vez mais negro, de o fazer cair cada vez mais e mais, numa descida aos infernos que parecia não ter fim…
7.      Por isso, também, este tomo recompilatório do início de um novo período da vida do super-herói cego – na qual Matt Murdock tem que assumir a sua profissão de advogado quando todos sabem que ele é também Daredevil e o utilizam em tribunal contra ele – surpreende pelo seu tom mais luminoso, menos intimista e menos desesperado.
8.     E se uma boa quota-parte da responsabilidade por isso tem que ser assacada a Mark Waid (re)conhecido pela capacidade de mostrar o lado melhor e mais positivo de cada um dos super-heróis com que tem trabalhado (embora no caso presente isso implique por uma pedra sobre (quase todo) o passado e aceitar um reinício quase do zero) …
9.      … seria injusto deixar de fora o belo trabalho gráfico de Paolo Rivera  e Marcos Martín, dois desenhadores soberbos…
10.  Quer do ponto de vista anatómico e de cenários, onde cada objecto parece o que realmente é, graças ao seu traço realista, límpido, praticamente linha clara…
11.   Quer enquanto narradores de histórias aos quadradinhos, com pranchas de grande legibilidade – mesmo quando nelas existe algum experimentalismo e o ultrapassar aqui e ali de convenções geralmente “tabus” no género de super-heróis – onde cada elemento (tira, vinheta, a sua desconstrução, balão, onomatopeia…) tem um papel fundamental para a constituição do todo.
12.  Mas também pelo trabalho de cor de Vicente e Rodríguez, baseado em cores planas, vivas e (muitas vezes) luminosas, que contrastam em grande medida com o colorido (e o tom) negro seguido ao longo dos últimos anos.
13.  Porque, se bem que esteja presente a narrativa de super-heróis mais “pura e dura”, se assim posso escrever, que passa por um confronto entre Daredevil e o Capitão América ou pela destruição do bando de Klaw, a verdade é que são os aspectos mais humanos dos relatos, nomeadamente quando o advogado Murdock utiliza os seus conhecimentos legais para ajudar os seus clientes a defenderem-se “sozinhos”, que mais me atraem neste novo ciclo de Daredevil…
14.  … e que – também em meu entender – justificam os três prémios com que foi distinguida na mais recente entrega dos Eisner.


07/08/2012

Tex Edição de Ouro #58

O homem sem passado











Claudio Nizzi (argumento)
Claudio Villa (desenho)
Mythos Editora (Brasil, Janeiro de 2012)
135 x 175 mm, pb, 268 p., brochado
R$ 18,40 / 9,00 €




Resumo
Durante um confronto com um bando de traficantes de armas, Kit é ferido na cabeça e desaparece nas águas de um rio. A partir daí, enquanto Kit Carson e Jack Tigre tentam encontra-lo – ou pelo menos ao seu cadáver – Tex Willer persegue o chefe do bando com o firme propósito de fazer justiça pelas suas próprias mãos.

Desenvolvimento
Esta história, originalmente publicada em Itália no início de 1997, apresenta algumas curiosidades. Desde logo – como raramente aconteceu em Tex – porque o seu ponto de partida foi uma ideia base do desenhador, depois desenvolvida pelo competente argumentista Claudio Nizzi, um dos mais prolíferos escritores do ranger da Bonelli.
Depois, porque o desenhador tem por nome Claudio Villa, ou seja é o habitual capista da série – o que se reflecte no seu trabalho gráfico nesta banda desenhada. Por isso, plasticamente existem em “O homem sem passado” belíssimas vinhetas (acima da média) e algumas soluções gráficas invulgares na série – embora também seja evidente um menor cuidado nas páginas finais, possivelmente devido ao apertar dos prazos - o que leva a pensar se para ganhar um (renomado) ilustrador não se perdeu um bom autor de quadradinhos porque, de um modo geral, a sequência narrativa e as cenas de acção são bastante ágeis e dinâmicas, com um grande recurso a pontos de vista diferenciados e a grandes planos.
Finalmente, o aspecto mais interessante – tanto para o leitor comum, quanto para os fãs do ranger – é que a história assenta num pressuposto bastante original, o que desde logo a diferencia da longa lista de aventuras do ranger: a perda de memória de Kit Willer, o que – para além funcionar como elemento central, a vários níveis, para o adensar da tensão - lhe vai proporcionar uma vivência diferente – muito marcante - durante dezenas de pranchas (semanas) e conduzirá a história ao (invulgar) momento que a capa de alguma forma antecipa, constituindo-se como o melhor chamariz para o leitor.
É verdade que esse momento chave – no qual a história atinge o seu clímax – acaba por ser algo breve – como tantas vezes acontece em Tex, embora seja legítimo questionar se desta vez poderia ser de outra forma.
No entanto, para além dele, esta longa aventura – como qualquer western que se preza - tem diversas cenas marcantes e o inevitável lote de investigações, confrontos físicos, perseguições e tiroteios que a dotam de um alto ritmo narrativo – o que em combinação com o suspense criado pela sua ideia central e o consequente envolvimento romântico de Kit - lhe conferem as características necessárias para fazer as delícias dos fãs do género e mesmo de alguns mais.

(Texto originalmente publicado no Tex Willer Blog)




06/08/2012

Ouro da Casa


















No princípio foi o sucesso – justificado pelo tema e pelo tratamento que lhe foi dado – da trilogia “MSP50” (Maurício de Sousa por 50 artistas), “MSP + 50 – Mauricio de Sousa por Mais 50 Artistas” e “MSP Novos 50 – Mauricio de Sousa por 50 Novos Artistas”, que na sua génese assinalou os 50 anos de carreira do criador da Turma da Mônica, na qual autores brasileiros – novos e consagrados – adaptaram ao seu estilo gráfico e temáticas habituais as personagens e o universo desenvolvido por Maurício de Sousa ao longo de décadas.

Agora, durante a 22ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, que decorre entre 9 e 19 de Agosto de 2012, será lançado “Ouro da casa”, que segue a mesma ideia base, com uma variante: os autores publicados, quase oito dezenas, foram seleccionados no interior da própria Mauricio de Sousa Produções.

A todos, foi dada liberdade para – no espaço de uma ilustração ou uma BD curta – deixarem o traço tradicional de personagens como Mônica, Cebolinha, Cascão, Magali, Astronauta, Piteco, Penadinho ou Horácio que utilizam diariamente, para as mostrarem na sua interpretação pessoal.

E isso é o mínimo que se pode dizer das páginas que nas últimas semanas têm sido divulgadas, pois elas revelam talento, criatividade, estilo próprio e uma imensa capacidade  de reinventar de forma conseguida um universo único e (re)conhecido, que acompanha leitores de “quadrinhos” há muitas gerações.

Como cereja no topo do bolo, “Ouro da casa” – uma edição da Panini com 200 páginas, disponível em capa dura ou cartonada - inclui uma história original, escrita e desenhada pelo próprio Maurício de Soisa que, assim regressou – por momentos – à prática da arte que tão bem soube desenvolver e na qual se tornou um marco.




05/08/2012

Andy Capp: 55 anos a beber e a dormir















O texto que se segue serviu de base à apresentação de dois álbuns de Andy Capp – aliás Zé do Boné – que fiz em 2007, a convite do jornal O Primeiro de Janeiro, na sessão comemorativa dos 140 anos daquele jornal.


Quero começar por agradecer ao Primeiro de Janeiro e à Fólio Edições este convite para vir aqui falar do Zé do Boné.
Um convite que me levou num duplo regresso ao passado.

Primeiro, por que me fez relembrar os anos em que colaborei com o Primeiro de Janeiro, onde comecei a escrever a sério sobre BD.
Depois, porque foi a oportunidade de recordar uma das bandas desenhadas da minha infância e juventude.
Conheço Andy Capp, ou melhor, o nosso Zé do Boné, desde pequenino, das páginas do Primeiro de Janeiro, que o meu avô materno comprava diariamente.
Nesse jornal, descobri, também as bandas desenhadas do Caderno Dominical - que foi uma referência para todos os que gostam de BD em Portugal. Relembro em especial as aventuras do Príncipe Valente e as peripécias mudas do Reizinho.
Mas, falando do Zé do Boné, para começar, deixem-me dizer que é preciso uma grande dose de coragem para publicar as suas tiras nos nossos dias.

Desde logo porque é precisa coragem para publicar livros em Portugal, mais a mais de BD.
Depois, porque é precisa muita coragem para publicar uma personagem tão politicamente incorrecto como o Zé do Boné.
Num tempo em que o lobo mau já não come porquinhos nem se pode atirar o pau ao gato, é preciso coragem para promover um herói preguiçoso, desempregado por opção, que bebe até cair para o lado, fumou até aos anos 80, é machista, bate na mulher, namorisca todas as raparigas que vê, faz apostas, pratica a violência no desporto, é implicativo e conflituoso. 
Foi a 5 de Agosto de 1957 que o Zé do Boné apareceu pela primeira vez. Há 50 anos, portanto. Não ainda como tira diária mas como cartoon. E ao contrário do que é normal neste género de banda desenhada, não teve origem norte-americana, mas sim britânica, pois foi publicado pela primeira vez nas páginas da edição regional do "Daily Mirror".
Na origem, recuperava um estereótipo habitualmente associado aos habitantes de Hartlepool, uma cidade operária do nordeste da Inglaterra, onde o seu autor residia. Mas, apesar dos seus muitos defeitos e do retrato negativo transmitido, foi rapidamente adoptado pelos seus concidadãos.
Em cerca de seis meses passou a tira diária e prancha dominical, e trocou a distribuição regional pela circulação nacional.
Aos Estados Unidos, país pai das tiras diárias de imprensa, chegaria em 1963, com igual sucesso. No seu auge chegou a ser publicado diariamente em 13 línguas, 50 países e 1400 jornais. Entre os quais o Primeiro de Janeiro, onde há quase meio século é uma referência

Na sua primeira aparição, o seu aspecto era substancialmente diferente, o traço era menos estilizado, mais pormenorizado e trabalhado, era mais alto e a sua mulher mais baixa, menos imponente. Mas já considerava o trabalho sagrado, não lhe tocando por isso.
Com o tempo o Zé assumiu o aspecto que lhe conhecemos hoje. Nariz e orelhas grandes, quase sempre encostado ao balcão do pub ou a dormir no sofá da sala, sempre com o seu velho chapéu aos quadrados, amarrotado, enterrado até aos olhos, e o cachecol ao pescoço. Muitas vezes de costas porque o autor, no início não tinha muito jeito para desenhar rostos, como admitiu numa entrevista.
O seu criador foi o britânico Reginald ou Reg Smythe, nascido a  10 de Julho de 1917.
Com uma infância e adolescência sem história, Smythe chegou tarde à banda desenhada, já com 30 anos, após mais de uma década no exército e nos correios.

O Zé do Boné, a que se dedicou toda a vida foi a sua única criação digna de registo. O seu traço era simples, mas eficiente e expressivo, mesmo escondendo quase sempre os olhos do Zé.
Reduziu os cenários ao mínimo indispensável e utilizou-os de forma repetida e exaustiva. Isso, permitiu-lhe assegurar durante décadas a tira diária e a prancha dominical, e fizeram do Zé do Boné um exemplo a seguir para os aspirantes a cartoonistas, no que toca à simplificação de processos.
Senhor de um humor directo, cínico e irónico, Reg Smythe limitou-se a reproduzir aquilo que o rodeava, exagerando nos podres, como que reflectidos por um espelho deformador.
Distinguido em 1974 como cartoonista do ano, Reg Smythe faleceu a 13 de Junho de 1998, vítima de cancro, deixando material para quase ano e meio de publicação.
Como sempre acontece nas tiras diárias de sucesso, o Zé do Boné sobreviveu ao seu criador, sendo hoje assinado por Roger Mahoney e Roger Kettle, que têm mantido a série dentro dos parâmetros gráficos e narrativos estabelecidos por Smythe.
Ao lado do Zé do Boné está quase sempre a sua mulher, Florrie, diminutivo de Florence, ou Flora/Flo, na versão portuguesa. Trabalhadora esforçada, divide o tempo entre a lida da casa, o trabalho, os mexericos com as vizinhas ou a mãe e os constantes conflitos com o Zé. Mas arranja sempre tempo para passar pelo pub e beber o seu copito e controlar o marido.
Em torno deles gravitam ainda Chalky, o melhor amigo do Zé, igualmente um inútil; Rube White, a confidente de Flo; Jack, o fleumático dono do bar; as diversas empregadas deste; o vigário que não perde a oportunidade de dar um sermão ao protagonista, embora no fundo saiba que é tempo perdido; o senhorio, que tenta ingloriamente receber as rendas atrasadas; diversos cobradores de dívidas, igualmente mal sucedidos; a sogra do Zé, que nunca é visível nas tiras, ouvindo-se apenas em off os seus comentários mordazes sobre o genro; o conselheiro matrimonial do Zé e Flora, incapaz de dar uma sugestão útil para o casamento; os muitos desgraçados anónimos a quem o Zé crava um copo ou deixa estendidos no campo de futebol ou râguebi.
O dia a dia do Zé do Boné é pouco diversificado: dorme, bebe, joga, discute com Flo, critica tudo e todos, inventa desculpas para a hora tardia a que chega a casa e pouco mais.
Tudo isto se passa na sua sala, no pub, na rua ou no campo de jogo.
Apesar disso, é espantosa a quantidade de situações diferentes que Smythe e os seus continuadores recriaram neste microcosmos ou os múltiplos desfechos diferentes para as muitas situações recorrentes na tira, explorando ao limite o cómico das situações.
Esta aparente limitação de espaços, personagens e situações, ajuda, no entanto, a ganhar o leitor, que rapidamente se familiariza com o herói, se assim se pode chamar, e se sente como que em casa em cada um daqueles locais que vai aprendendo a conhecer. O que o leva a aguardar, com interesse crescente, de que forma vão sendo renovadas as piadas, muitas vezes desconcertantes, quase sempre mordazes.
E que nos fazem sorrir de um dia-a-dia miserável que representa muito daquilo que nenhum de nós quer para si próprio.
É esta desconstrução de um quotidiano inquietante, possivelmente, o principal segredo do sucesso de uma personagem inconveniente, que dá pelo nome do Zé de Boné. E que eu vos convido a descobrir - ou redescobrir, como aconteceu comigo - nos álbuns da Fólio Edições que prometem, para o próximo ano, mais seis títulos, entre tiras diárias e pranchas dominicais coloridas [mas que infelizmente se ficaram por dois tomos, curiosamente o I e o III].




04/08/2012

Selos & Quadradinhos (82)

Stamps & Comics / Timbres & BD (82)

Tema/subject/sujet: Anime Hero & Heroine Series 13 – Fullmetal Alchimist
País/country/pays: Japão/Japan
Data de Emissão/Date of issue/date d'émission: 2008

03/08/2012

As Aventuras de Philip e Francis #2

A Armadilha Maquiavélica










Pierre Veys (argumento)
Nicolas Barral (desenho)
ASA (Portugal, Junho de 2012)
240 x 310 mm, 56 p., cor, cartonado
13,95 €


Resumo
Apanhados numa armadilha à qual são atraídos pelo testamento (mais um) deixado pelo pérfido Miloch, Philip e Francis vão ter a uma realidade alternativa, descobrindo uma Londres caótica: os autocarros têm 3 andares, os táxis são conduzidos por cegos, a Marks & Spencer virou Spencer & Marks (!), Olrik vai casar com a rainha e os seus duplos locais nada têm de heróicos!

Desenvolvimento
Depois da divertida surpresa que constituiu “Ameaças ao Império” , Veys e Barral regressam ao universo de Edgar P. Jacobs para mais uma conseguida sátira.
E o que primeiro se destaca nesta série paralela, é a apropriação desse mesmo universo, das suas personagens e referências, de uma forma tão próxima e credível – embora bem combinadas (ou distorcidas) com os elementos satíricos – que surpreende como os detentores dos direitos de Blake & Mortimer o permitiram.
Mas em boa hora o fizeram, porque o resultado é francamente bom, com os autores a desmontarem a partir do interior (quase) tudo aquilo que identificávamos como canónico na série original de Jacobs, para lhe dar uma roupagem a um tempo reconhecível mas nova, que a transforma num belíssimo exercício de humor. Que pode assentar em gags directos e imediatos, em piadas com segunda leitura ou quanto em piscadelas de olho aos fãs de Blake e Mortimer que só estes identificarão.
E a tudo isto, acrescentam um relato criativo, divertido, que vai além da simples combinação de gags mirabolantes e cuja ideia base e algumas das soluções, de certa forma, até poderiam pertencer ao próprio Jacobs!


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