Há 70 anos,
a antestreia no Rio de Janeiro de “Saludos Amigos”, permitia descobrir um novo
herói do universo Disney: um papagaio antropomórfico chamado Zé Carioca.
No filme,
que estrearia no ano seguinte nos Estados Unidos, o Pato Donald, de visita por
alguns países latinos, integrado no esforço dos Estados Unidos para granjear
aliados para a sua participação na II Guerra Mundial, teve como cicerones
Panchito, no México, Gauchinho Voador, na Argentina e José Carioca, no Brasil,
que o apresentou ao samba e… à cachaça!
Segundo se
sabe, foi o próprio Walt Disney que o esboçou no Copacabana Palace Hotel,
durante uma visita que fez ao Rio de Janeiro, de que gostou tanto que quis
deixar uma lembrança para os seus anfitriões.
Criou-o
como um estereótipo dos brasileiros: alérgico ao trabalho e amante de samba e futebol (que pratica com mais presunção que arte). Mais tarde, revelar-se-ia também preguiçoso,
caloteiro e capaz de desenvolver os mais estranhos
esquemas para fugir a qualquer responsabilidade. Geralmente as suas histórias decorrem
na Vila Xurupita, no Morro do Papagaio, onde mora, facilmente identificável
como uma favela do Rio de janeiro, embora paredes meias com o bairro rico onde
mora a sua namorada Rosinha.
Desenvolvido
em tira diária de jornal por Paul Murry ainda em 1942, antes portanto da
estreia do filme nos EUA, o Zé Carioca conheceu aí a sua namorada Rosinha e o
pai dela Rocha Vaz, o seu amigo Nestor e o rival Luís Carlos, que
posteriormente seria substituído por Zé Galo, em histórias centradas no Rio de
Janeiro mas que o levariam também até à Amazónia.
O papagaio
mais malandro da banda desenhada regressaria dois anos depois em novo filme,
“The Three Caballeros”, uma vez mais destinado à América Latina, no qual o
segmento brasileiro mostrava a Baía, numa combinação de animação com actores
reais, entre eles Aurora Miranda, irmã da célebre Carmen Miranda.
Com
participação limitada nas bandas desenhadas produzidas nos Estados Unidos, o Zé
Carioca, de forma compreensível, conheceu um grande sucesso nos Brasil, onde se
estreou na revista “O Globo Juvenil”, em meados da década de 1940.
Co-protagonizaria a capa do primeiro número brasileiro do Pato Donald, em 1950
– o mesmo ano em que as revistas Disney do Brasil começaram a chegar a Portugal
- e passaria a ter uma revista com o seu nome em 1961. Seria nos quadradinhos
brasileiros que a sua personalidade seria aprofundada e desenvolvida, sendo
introduzido o gosto por pratos tipicamente locais, como a feijoada e a jaca, a
praia, o samba e o futebol.
Como a
certa altura não existiam histórias suficientes para alimentar a revista do Zé
Carioca, um dos esquemas utilizados foi o decalque de histórias originalmente
protagonizadas pelo Pato Donald ou Mickey, o que o levou muitas vezes a
Patópolis, provocou mudanças constantes na sua personalidade, o fez interagir
com personagens de outros universos e à criação dos seus sobrinhos Zico e Zeca
(em substituição de Huguinho, Zezinho e Luisinho).
A partir de
1972, a editora Abril criaria um estúdio próprio para produção de histórias,
entre as quais as do Zé Carioca, que passou a ter novos amigos, entre os quais
Pedrão e Afonsinho, destacando-se Renato Canini entre os vários autores que o
fizeram viver histórias tipicamente brasileiras e o dotaram de um elevado
número de primos – também brasileiros - de nome e características definidas em
função da zona do Brasil de onde provinham: Zé Paulista, Zé Pampeiro, Zé
Queijinho, Zé Baiano, etc.
Graficamente,
o Zé Carioca foi evoluindo ao longo dos anos, passando da versão original com casaco,
chapéu de palha e charuto (vício que seria abolido mais tarde) para uma
indumentária mais tropical e moderna com camisa estampada e boné. Os seus
confrontos com a ANACOZECA (Associação Nacional dos Cobradores do Zé Carioca) e
as suas aparições como Morcego Verde, um super-herói trapalhão, foram outras
das temáticas exploradas nas suas aventuras.
A queda das
vendas das publicações Disney, nos finais da década de 1990, levaria também ao
encerramento das revistas que o papagaio protagonizava, apesar de ainda existirem
histórias inéditas da personagem nos arquivos da editora. A última história original
brasileira foi publicada em Dezembro de 2001 intitulada "Só com
Magia", do roteirista Rafles Ramos.
(Versão
revista do texto publicado no Jornal de Notícias de 24 de Agosto de 2012)