Sei
que tenho lacunas nas minhas leituras de banda desenhada - bem mais
do que gostaria, muitas mais do que serei capaz de suprir até ao dia
em que definitivamente vou deixar de ler. Entre
as mais gravosas - sabia-o teoricamente, sei-o agora com
conhecimento prático - estava Li’l
Abner, de Al Capp, uma das mais deliciosas tiras diárias/pranchas
dominicais clássicas norte-americanas.
Em
2010, a banda desenhada portuguesa era surpreendida com o lançamento
de As Incríveis Aventuras de Dog Mendonça e Pizzaboy, que viriam a
demonstrar - mais três livros e quatro anos depois - que os
quadradinhos nacionais eram capazes de chegar a leitores fora do
habitual nicho de consumidores do género e podiam ter como
protagonistas heróis recorrentes e marcantes.
Não
é a primeira vez que destaco
aqui o importante serviço prestado à banda desenhada portuguesa
pelos Cadernos
Moura BD,
ao recuperarem (anualmente)obras
originalmente publicadas há
décadas em
revista, que de outra forma não estariam disponíveis. Obviamente
sei que, mesmo assim, esta edição, curta de tiragem (250
exemplares) e
sem (qualquer)
distribuição (comercial),
tem a consequente divulgação restrita
e
poderá
não chegar
a todos os que se poderiam interessar por ela.
Depois
de Indeh: Uma história das guerras apaches,
o actor, realizador e também argumentista de BD Ethan Hawke
regressou a esta arte - e agora ao catálogo português da G. Floy -
com Meadowlark. E se as semelhanças terminam na renovada parceria com Greg Ruth, a
verdade é que mais uma vez deparamos com uma obra intensa e
desafiadora, quase apenas diálogo, directo ou intuído, entre um pai
e um filho, num romance gráfico que se desenrola num único dia,
aliás quase só do nascer ao pôr-do-sol.
Não coloco em causa a genialidade da escrita de
Al Capp, nem os seus dotes artísticos, magnificamente expressos emLi’l Abner: Tiras diarias y planchas dominicales 1934-1936 (Diábolo Ediciones, Espanha, 2022)mas,
mesmo sendo verdade que as vinhetas de banda desenhada podem ser
vistas como o palco de um teatro em que as personagens se movimentam
e que entre elas existe um espaço branco que o leitor tem de
interpretar, é difícil entender como Li’l Abner e aqueles que com
ele contracenam mudam tantas vezes de lugar, quando sentados à mesa
ou num sofá...
É
da história dos quadradinhos que Maurício de Sousa começou o seu
império escrevendo e desenhando tiras diárias
de
jornal, antes de passar para as revistas, o audiovisual e tudo (o
muito) mais que hoje conhecemos. E
foi
nesse
início que ele melhor exprimiu a sua genialidade
e fez o
melhor
uso do seu
sentido de humor.
(informação disponibilizada pela editora; clicar nela para a aproveitar em toda a sua extensão; As Leituras do Pedro já leram algumas das obras referidas: After e Ariol)