08/09/2009
11/9 - Le 11e jour
Delcourt (França, Julho de 2002)
240 x 240 mm, 48 p., cor, cartonado
9 de Setembro de 2001. Sandrine Revel, jovem francesa, nascida a 3 Outubro de 1969, autora da série infantil de BD “Un drole d’ange gardien”, está no topo de uma das Torres Gémeas. De férias em Nova Iorque com um casal amigo, fá-lo pelo fascínio que sobre si exercia a cidade e também como concretização tardia de um desejo do irmão, falecido alguns meses antes. Dois dias depois, na manhã da tragédia que abalou o mundo, Sandrine acorda após sonhar com o irmão desaparecido. É isto que nos narram as primeiras pranchas de “Le 11e jour”, mais um exemplo de como a banda desenhada pode ser “um instrumento formidável para realização de reportagens ou documentários”, como afirma o também autor Étienne Davodeau. “O acaso colocou Sandrine no centro de um acontecimento histórico e, onde os media nos encheram de imagens espectaculares e de declarações tonitruantes, Sandrine conta-nos de forma íntima e ínfima o seu 11 de Setembro em Nova Iorque”.
E este é o grande trunfo de “Le 11e jour”, é uma obra muito pessoal: nele não encontramos qualquer análise político-social, qualquer reflexão sobre os motivos que terão levado aos atentados do 11 de Setembro, nem sequer foi escrito na óptica da homenagem à vítimas ou às equipas de socorro; ele conta-nos, apenas, a angústia que Sandrine viveu durante dias numa cidade estranha: “Falo muito mal o inglês, e o americano menos ainda! Quando tudo aconteceu, era verdadeiramente uma estrangeira em todos os sentidos do termo: na língua, em relação a tudo o que se estava a passar. Apercebi-me de alguma coisa, mas não compreendia”. Ou não queria compreender “de tal forma eram fortes as imagens que se viam por toda a parte”. E é este sentimento subjectivo de incompreensão que domina o álbum, servido por belíssimas cores da autora, que utiliza de forma exemplar a planificação para pontuar o ritmo da história – do exercício quase terapêutico de partilha – que nos conta. As páginas, servidas por um desenho agradável, podem ir do mais tradicional, à dispersão de desenhos sobre um mapa do metro nova-iorquino, assistir à multiplicação de pequenas vinhetas que adaptam a leitura ao seu ritmo cardíaco, ou assumir um registo quase fotográfico, que se transforma para nos transmitir a sensação de solidão, isolamento, quase delírio que a autora viveu.
“Le 11e jour” foi algo muito difícil de concretizar “porque não tenho o hábito de falar de mim, das minhas emoções, foi muito duro...” Como duro foi viver a tragédia que não vai esquecer – que não quer que seja esquecida – daí o “ter feito o álbum de BD, algo que me acompanhará, que me ajudará a construir-me, a ajustar algumas contas comigo”. Embora outras fiquem ainda por regular, como o seu medo (pavor?) de andar de avião, exemplarmente ilustrado nas últimas pranchas do álbum que marcam o regresso a casa.
Da experiência, “do grande prazer que senti a concretizar este álbum”, fica a vontade de voltar a entrar “pela porta que agora se abriu”, de voltar a experimentar o registo autobiográfico para adultos. “Achei muito excitante falar de mim, pôr-me em cena, remexer no que me toca. Transmitir emoções que podem ser muito fortes porque fui eu que as vivi...”. Que quis partilhar com os outros, como forma de terapia, porque “foi um dia muito traumatizante para todo o mundo, não apenas para mim”.
(Versão revista e actualizada do texto publicado no Jornal de Notícias de 12 de Setembro de 2002)
07/09/2009
11/9 - Homem-Aranha
Marvel Comics (EUA, Dezembro 2001)
168 x 250 mm, 32 p., cor, mensal
Peter Parker Homem-Aranha #27
Devir (Portugal, Abril de 2002)
168 x 255 (mm), 48 p., cor, mensal
J. Michael Straczynski (argumento)
John Romita Jr. (desenho)
Scott Hanna (arte-final)
Dan Kemp (cor)
(Versão revista e actualizada do texto publicado originalmente no Jornal de Notícias de 11 de Abril de 2002)
04/09/2009
Zits #13 - Pierced
Gradiva (Portugal, Junho de 2009)
210 x 220 mmm, 128 p., pb e cor, capa brochada
Menosprezados por alguns que as consideram “leitura menor”, as tiras humorísticas contam entre elas verdadeiras obras-primas como “The Peanuts”, “Calvin e Hobbes” e “Mutts”… Ou “Zits” (que o Jornal de Notícias publica diariamente, bem como outros 1600 jornais em todo o mundo) literalmente “borbulhas”, ou não seja ela sobre a adolescência e a sempre complicada convivência com o acne e com (as) outras gerações, no caso Jeremy, o adolescente que a protagoniza, e os seus pais, pertencentes a um outro (e mui distante) tempo, sem computadores nem telemóveis, mas com músicas estranhas e rituais (levantar cedo, arrumar o quarto, chegar cedo a casa…) incompreensíveis.
Mas é com eles – e com os seus amigos, com destaque para Sara, Hector e Pierce – que Jeremy tem que (con)viver, embora no caso destes últimos, namorada e companheiros inseparáveis de escola, de banda e dos maravilhosos sonhos (quase sempre inatingíveis…) da juventude, tudo funcione bem melhor. O que não impede que também originem razões para o leitor sorrir ou mesmo gargalhar abertamente, recordando (ou esquecendo…) as situações idênticas por que passou/está a passar…
Para isso contribui a forma como Scott explana as situações quotidianas – aparentemente banais - por vezes em diálogos brilhantes, bem como o traço de Borgman, solto e bem trabalhado, pormenorizado quanto baste, com corpos e rostos hiper-expressivos e capaz de traduzir graficamente (e de forma literal) as emoções e experiências das personagens, seja uma cabeça que explode ou alguém que trepa pelas paredes, a invisibilidade dos progenitores, a deformação voluntária das medidas anatómicas ou a incompreensibilidade de algumas conversas. Se tudo isto está em “Pierced”, 13º álbum da série, este distingue-se por ser uma colectânea dedicada a Pierce, tão valioso como amigo… quanto se vendido a peso no ferro-velho, devido aos inúmeros piercings, brincos e acessórios metálicos que ostenta! Idealista convicto de causas nem sempre defensáveis, nesta compilação de tiras, vê-se a coerência e consistência da personagem, dando razão a Maurice Tillieux (1921-1978), um dos grandes nomes da BD franco-belga, que um dia afirmou: “o herói é uma personagem que dificilmente animamos. São as personagens secundárias que fazem uma série”.
Curiosidade
“Zits” tem uma versão semi-animada, os "Zits Motion Comics", disponíveis gratuitamente em http://www.comicskingdom.com/index.php/zits-motion-comics.
(Versão revista do texto publicado a 8 de Agosto de 2009 no suplemento In’ da revista NS, distribuída aos sábados com o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias)
03/09/2009
Lançamento – Zona Negra
Depois do inicial “Zona Zero”, esta é a segunda edição do projecto independente Zona, que publica ilustrações e bandas desenhadas de jovens autores portugueses, desta vez dedicado ao terror aos quadradinhos, ou não esteja o seu lançamento integrado na programação do festival de cinema MOTELx 2009, que até ao próximo domingo divulga a mais recente produção internacional de cinema de terror.
BD para ver – David Rubin na Mundo Fantasma
Passem por lá e aproveitem para trazer (pelo menos) um livro do autor porque se a BD se pode ver é, antes de tudo, para ler.
02/09/2009
As Melhores Leituras de Agosto
Dilbert – Os incompetentes incomodam muita gente (Editorial Noticias), de Scott Adams
Romance da Raposa (Bertrand Editores), de Artur Correia
Superman & Batman #42 (Panini Comics Brasil), vários autores
11/08/2009
Le sauveteur
Casterman (França, Abril de 2007)
150 x 210 mm, 336 p., pb, capa brochada com jaqueta
Resumo
Guarda de um refúgio nos Alpes japoneses, Shiga responde a um pedido de ajuda da mulher do seu velho amigo Sakamoto, que antes de falecer, 13 anos antes, o fez prometer que velaria pela sua esposa e filha. Deixa assim o seu “habitat”, para se embrenhar em Tóquio à procura de Megumi, a menor desaparecida.
Desenvolvimento
E embora Shiga não hesite em corresponder ao chamado que lhe é feito, é evidente o seu desconforto no meio citadino, de onde há muito voluntariamente se afastou. Este é um dos pontos de interesse deste manga, cujo tom – e tensão - se vai desenvolvendo num crescendo, à medida que o protagonista se aproxima do seu objectivo, sendo curiosa a comparação estabelecida entre o seu percurso e os passos necessários a uma escalada. Que, numa (longa) cena bem conseguida, acabará mesmo por acontecer, já na ponta final do livro.
Assim, em “Le sauveteur”, mais uma vez uma criação de Taniguchi confronta-se com a cidade, embora aqui o tom seja completamente díspar do de outras narrativas, nomeadamente “L’Homme qui marche”, com a contemplação a dar lugar à acção.
Apesar disso, esta é uma narrativa em que os diálogos têm um lugar preponderante, já que a busca de Megumi, mais do que em lugares, faz-se do questionar pessoas da sua área de conhecimentos ou das zonas (pouco recomendáveis, diga-se) que frequentava. A comunicação de Shiga, maioritariamente com desconhecidos, a maior parte das vezes pouco amigáveis ou pouco dispostos a ajudar, mas também com a mãe e o avô da desaparecida ou com os seus amigos alpinistas, é feita sempre com diálogos no tom justo, credíveis, convincentes, que fazem a história avançar, num ritmo propositadamente lento, sem saltos bruscos ou incoerências, e que permitem ao leitor estar sempre a par do ponto em que está a procura em que o protagonista se empenha.
Ao mesmo tempo, a par desta busca profundamente humana, Taniguchi traça um retrato (desencantado) de uma certa realidade japonesa que, apesar de chocante, não se questiona pela forma quase documental como é apresentada e que contrasta com a imagem sóbria que geralmente passa daquele país. E que faz com que o final, à primeira vista feliz, numa segunda leitura deixe muitas dúvidas quanto às marcas que os acontecimentos daqueles dias deixaram nos seus protagonistas.
A reter
- Os diálogos.
Menos conseguido
- A história ganhava se o leitor fosse mantido na ignorância da identidade do culpado e do destino de Megumi até mais perto do final.
- O contraste entre o ar (quase) semi-caricatural dos rostos das personagens e o traço realista (fotográfico) dos edifícios.
04/08/2009
Les Nourritures de l’âme
Kim Dong-hwa (desenho)
Casterman (França, Janeiro de 2008)
169 x 240 mm, 176 p., cor, capa brochada com jaqueta
Projecto atípico, este livro nasceu de uma proposta da revista coreana “Positive Thinking” ao autor, considerado um dos mais brilhantes autores da sua geração, para transformar em bandas desenhadas pequenos contos dos seus leitores, que tinham em comum reportarem casos verídicos, exemplares pela sua sensibilidade e valor humano.
Nasceram assim 20 curtos manhwas (banda desenhada coreana), serenos, delicados e ternos, de grafismo e planificação (e cor) mais próximos dos quadradinhos ocidentais do que do manga japonês, que podem ajudar-nos a pensar no que é/deve ser importante no nosso relacionamento com os outros. O que, convenhamos, não é pouco.
03/08/2009
As Melhores Leituras de Julho
A Teoria do Grão de Areia – vol. 1 (ASA), de Schuiten e Peeters
Clássicos da revista Tintin - Bernard Prince (ASA+Publico), de Hermann e Greg
Lulu Femme Nue – premier livre (Futuropolis), de Davodeau
Sábados dos meus amores (Conrad Editora), de Maurício Quintanilha
Superman & Batman #40 e #41 (Panini Comics Brasil)
Tex Gigante #19 – Arizona em Chamas (Mythos), de Nizzi e Victor de La Fuente
Turma da Mônica Jovem #6 (Panini Comics Brasil), de Maurício de Sousa
28/07/2009
Nas bancas: Tex Edição Gigante #19 – Arizona em chamas
26/07/2009
Tex Edição Gigante #6 – A Última Fronteira
21/07/2009
Les Rues de Sable
Paco Roca (argumento e desenho)
Delcourt (França, Abril de 2009)
202 x 257 mm, 96 p., cor, capa cartonada
Resumo
Um jovem, atrasado para se encontrar no banco com a sua companheira, para assinar um contrato de empréstimo à habitação, corta caminho por um velho bairro da sua cidade, cuja saída não consegue achar. Acaba por ir ter a um hotel repleto de personagens absurdas, que vivem um quotidiano vazio e repetitivo, convencidas que nunca o poderão mudar.
Desenvolvimento
Este é um delírio (autobiográfico?) aos quadradinhos, com as sombras tutelares de Hergé e Borges, que explora o mais fundo da mente humana, convidando a que nos percamos com o autor nas armadilhas do subconsciente do protagonista, que, sem o perceber, se vai encontrando com diferentes possibilidades de si próprio, sempre incapaz de fazer (novas) escolhas e opções, sempre preso a momentos, recordações, objectos que o marcaram. Tal como na sua vida real, em que as hesitações, o medo de dar o passo em frente, parecem mais fortes do que o desejo de assumir em pleno a relação amorosa.
Para o narrar, Paco Roca explana mais uma vez o seu belo traço linha clara, combinado com uma planificação sóbria mas diversificada e labiríntica como a própria introspecção que conduz.
Após a leitura, fica a ideia de que a vida é (pode ser) como uma BD, como uma bela BD, na qual sempre pode aparecer a palavra (continua). Resta saber se o protagonista chegou – quis chegar – a tempo ao banco ou se preferiu passar (mais uma parte d)a vida preso nos seus sonhos de liberdade.
A ler, sem qualquer dúvida, apesar de um final demasiado aberto… como quase todos os sonhos. E vidas.
A reter
- Como adepto confesso da linha claro, tenho que destacar o traço de Roca.
Curiosidades
- Tintin, Popeye e o (óbvio) Corto Maltese são alguns heróis de BD que Paco Roca homenageia, expondo-os nas primeiras pranchas do relato.
18/07/2009
Maurício de Sousa, um homem deste tempo
Ao contador de “histórias em quadrinhos” hábil e de mestria inegável, pude associar um contador de histórias vibrante e caloroso, informado e bom conversador, saltando de tema para tema, evocando memórias ou mostrando um brilhozinho nos olhos quando fala dos seus “filhos desenhados” e dos (muitos) projectos que sempre tem.
Um autor que se revelou também, sempre, um homem do seu tempo - deste tempo - alerta para as inovações tecnológicas, que acompanha e utiliza, e para os interesses, sempre em constante mudança, dos seus potenciais leitores, procurando-os onde estão – na net, no orkut ou no Twitter, onde é frequente encontrá-lo, ouvindo críticas e sugestões, mostrando o que está a fazer, admitindo erros, procurando novos caminhos.
E, acima de tudo, penso que posso dizê-lo, alguém que me honrou com a sua amizade e que continuou sempre disponível, nas várias ocasiões em que depois nos cruzamos, pessoalmente ou ao alcance de um “clic”, sempre com a mesma afabilidade, o mesmo calor, o mesmo brilhozinho.
Parabéns, Maurício!
Nota: A melhor forma de homenagear Maurício de Sousa – qualquer criador –, que hoje comemora 50 anos de carreira, é ler as suas obras. Mensalmente, chegam às nossas bancas mais de uma dezena de títulos, para (quase) todos os gostos e idades, das revistas clássicas da Mônica, Cebolinha, Cascão ou Chico Bento, para os mais conservadores, às novas versões da Turma da Mônica Jovem, da Tina ou do Ronaldinho Gaúcho. Procurem-nas e leiam-nas. Vão ver que vale a pena. Pelo humor e pela simplicidade. E pelo regresso à infância…