12/01/2011

Under Siege - Primeiro encontro

Filipe Pina (argumento)
Filipe Andrade (desenho, baseado nas personagens criadas por Bruno Ribeiro e na arte original de André Mealha)
Seed Studios (Portugal, Dezembro 2010)
115 x 185 mm, 24 p., cor, brochado

1. Ligado à banda desenhada – de forma activa – há quase 30 anos – tenho tido muitas gratas surpresas, entre contactos, disponibilidades, encontros, ofertas, convites, reconhecimentos…
2. A BD na base deste post, é mais um desses casos, nascido de um mail do Filipe Pina a dizer que tinha um exemplar de Under Siege para mim.
3. (Fosse outro o país - e a sua realidade aos quadradinhos – e os curtos 150 exemplares existentes deste livrinho, começariam já a ser disputados a preço de ouro, antecipando um potencial sucesso de Filipe Andrade na Marvel… e mais além)
4. Sabia da existência desta BD – o próprio Pina já me tinha mostrado reproduções de algumas das suas pranchas – mas desconhecia a edição.
5. Uma edição limitada, disponível em português e em inglês, de carácter promocional.
6. Porque Under Siege, a banda desenhada, é apenas – “apenas” – a apresentação, uma porta de entrada, para um projecto de maior dimensão, o jogo homónimo para PlayStation 3, de que falo mais abaixo.
7. Mas, se à partida, é só - “só” - isso, Under Siege, a banda desenhada, tem vida própria, respira só por si, chama e cativa o leitor, apesar das suas curtas 22 pranchas.
8. (Para as quais não está excluída nova vida – em versão digital ou comercial ou até uma sequela; tudo depende do sucesso do jogo.)
9. 22 Pranchas de extrema qualidade – algumas delas foram redesenhadas e pintadas várias vezes, até ficarem “perfeitas”- que deslumbram, do desenho à cor, da planificação ao dinamismo.
10. Também por isso – e porque a redução feita aos A3 originais para esta edição é muito penalizadora – aguarda com redobrado interesse a possibilidade de ver as pranchas originais – juntamente com a arte que serviu de base ao jogo – no Amadora BD 2011, depois de passarem pelo Miedzynarodowy - Festival Internacional de BD e de Jogos de Lodz, em Outubro.
11. Pelo que atrás fica escrito, olhando para estas 22 parcas pranchas, percebo perfeitamente a razão porque uma editora francófona, ao vê-las – e lê-las - propôs de imediato aos autores um contrato para três álbuns. Recusado…
12. Porque sendo um simples prelúdio de um jogo, Under Siege, a BD, é também um belo prelúdio de uma aventura (que devia ser) maior, com imenso potencial – gráfico e narrativo - em que as personagens surgem já com apreciável definição, num mundo fantástico a descobrir, onde – não custa imaginar – acção, mistério, magia e maravilhoso se vão combinar.
13. Porque o que é narrado nestas 22 pranchas, é já forte e impactante, deixa muitas pistas soltas – a começar pelo destino dos heróis que a protagonizam – e, em aberto, uma história com muito para dar.
14. E que possivelmente nunca passará disto, é verdade, deixando a perder todos aqueles que são leitores de banda desenhada. O que transforma uma das principais qualidades desta banda desenhada, também no seu maior problema.

O jogo
1. Quanto a Under Siege, o jogo, estará disponível já em Fevereiro em exclusivo através da PlayStation Network, a loja online da PlayStation 3, única consola onde poderá ser jogado.
2. A grande novidade é que se trata de um jogo totalmente criado em Portugal, pelo Seed Studios – o primeiro feito no nosso país para a PS3 - desde a fase da concepção do jogo, criação das personagens e dos cenários, animação, etc., até à sua comercialização final.
3. Outra novidade é o facto de ser o primeiro jogo de estratégia em tempo real desenvolvido de raiz para a PS 3.
4. Com nome e logótipo registados a nível mundial, pode ser jogado a solo ou online com outros jogadores e tem como principal atractivo, a par da arte cuidada e atraente e de ser fácil de aprender e de jogar, o facto de ter um editor que permite criar novos níveis e personagens que ficam de imediato disponíveis para todos os compradores do jogo.
5. O facto de ter apenas existência online tem como grande vantagem a eliminação de uma série de intermediários e custos (impressão de caixas, manufactura dos CDs, transporte desde a China, etc.), logo não existe uma tiragem finita nem necessidade de reimpressões, o que permitiu um maior controle do produto e a sua disponibilização junto do cliente final a um preço muito mais acessível: 14,99 €.
6. Embora o Seed Studios, fundado em 2006, tivesse já alguma experiência na área dos videojogos – nomeadamente a criação do “Sudoku for kids” e do Toyshop para a Nintendo DS – nunca encetara um projecto desta envergadura, iniciado em 2008, que implicou um investimento total de cerca de 1,2 milhões de euros, repartidos em partes iguais pelos sócios, financiamento bancário e por um subsídio do IAPMEI.
7. Foi um longo processo, em que no pico traba-lharam cerca de 20 pessoas, que obrigou a responder a um questionário inicial da Sony com 80 páginas, a diversas sub-contratações (música, traduções, vídeo, autores de BD), e, na fase final a quase três meses de testes por uma empresa especializada britânica para ajuste de pormenores.
8. Um processo longo, árduo e trabalhoso, que nunca antes tivera lugar em Portugal e que deu à empresa um know-how inexistente no nosso país.
9. E que, apesar de ainda não estar co-mercia-lizado, está já nomeado para duas das categorias dos prémios Prémio ZON Criatividade em Multimédia 2010.
9. Agora, à espera que o jogo fique finalmente disponível, as previsões de vendas são de 100 mil exemplares (apenas 0,15 % da população actual da PS3). O futuro de Under Siege está dependente da resposta dos jogadores e do sucesso que atinja, não sendo de excluir sequelas ou expansões.



(Versão revista, aumentada e remontada do texto publicado no Jornal de Notícias de 11 de Janeiro de 2011)

11/01/2011

Saltar do papel

Se em termos temáticos o suporte físico nunca foi uma prisão para os heróis dos quadradinhos, a verdade é que ocasionalmente, ao longo de décadas, eles tentaram fugir aos limites das duas dimensões do papel.

Não me refiro à passagem a outros meios, que tem acontecido recorrentemente, desde os primórdios da própria BD enquanto género popular – em filmes e séries televisiva ou mesmo em espectáculos musicais ou teatrais – mas sim a histórias aos quadradinhos publicadas em 3D. Que, tal como acontece com os filmes hoje em voga, em especial no que à animação diz respeito, estão longe de ser novidade.
A exemplo do cinema, para que o leitor possa desfrutar do efeito tridimensional pretendido, necessita de um par de óculos especiais, neste caso com uma lente vermelha e outra azul. E, tal como no grande ecrã, a sua não utilização transmite a sensação de que as imagens estão desfocadas.
Ao contrário do que se possa pensar, na maior parte dos casos, as obras não são criadas de origem para serem impressas em 3D. Este efeito é obtido, imprimindo em duplicado cada imagem, em duas cores diferentes, com um ligeiro desfasamento. Na prática, isto potencia o chamado efeito de paralaxe já existente na visão humana, fazendo o uso dos óculos com que cada um dos olhos veja uma das imagens, recebendo o cérebro a sensação de profundidade.
As primeiras experiências de quadradinhos a três dimensões, datam dos anos 50, quando as imagens em 3D tinham grande popularidade. Como não podia deixar de ser, um dos primeiros heróis escolhidos foi Superman, mas os resultados não foram famosos, quer porque parte das legendas foi também submetida ao mesmo tratamento, o que as tornou ilegíveis, quer porque ao fim de pouco tempo os óculos provocavam dores de cabeça.
Igualmente da mesma época é uma revista 3D do Mighty Mouse, que causou como que uma “experiência religiosa” em Ray Zone, então com seis anos, como ele revela no seu site (http://www.ray3dzone.com/), tendo decidido dedicar a sua vida ao 3D.


Por isso, Zone, desde os anos 80, para além de ter participado na produção de diversos filmes de animação e com actores, é o responsável por quase todas as edições de BD do género publicadas nos Estados Unidos, algumas mesmo de sua autoria.


O que na prática representa quase centena e meia de títulos de dezenas de editoras, alguns obscuros, outros protagonizados por heróis bem conhecidos como Spirit, Steve Ropper, Krazy Kat, Phantom, Simpsons, Superman, Batman, Donald, Mickey, Patinhas, Roger Rabbit, Transformers, X-Men, Hulk ou Flash Gordon, aplicando Zone a sua técnica à arte “plana” de alguns dos maiores nomes da banda desenhada, em edições quase sempre de número único, destinadas a assinalar alguma data marcante ou utilizadas como truque de marketing.



Por isso, se um dia destes, abrir uma revista de BD e uma bala do Fantasma lhe assobiar aos ouvidos, o Super-Homem passar a voar ou receber, escapar por pouco a um murro do Hulk ou receber em cheio uma fisgada de Bart Simpson, não se assuste. É apenas uma BD a três dimensões!

Entretanto, a ser verdade o que a Image Comics anuncia há já algumas semanas, o one-shot “Captain Wonder”, a lançar em Fevereiro, apresentará o mais avançado 3D alguma vez utilizado em quadradinhos que, no entanto não dispensará os tradicionais óculos, como habitualmente oferecidos com a revista.
Escrito e desenhado por Brian Haberlin e Philip Tan, com experiência em séris como Witchblade, Spawn, Green Lantern ou X-Men, narra a história do Captain Wonders, desaparecido após 24 anos de generosos serviços em prol dos seres humanos, estando agora todas as esperanças depositadas em Billy Gordon, um menino de 10 anos, que é o único a saber do seu paradeiro. Até agora a editora apenas disponbibilizou a capa, onde o efeito tridimensional está bem patente, e três páginas anteriores à aplicação do 3D.
A Image Comics, que foi criada em 1992 por sete autores saídos da Marvel, entre os quais Todd MacFarlane e Jim Lee, descontentes por não terem a posse e o controle criativo sobre o seu trabalho, já tinha feito uma forte aposta na banda desenhada 3D em 1997 e 1998, publicando dessa forma WildC.A.T.S., Gen 13 ou Astro City, alguns dos seus principais títulos.

(Texto publicado no Jornal de Notícias de 8 de Janeiro de 2011)

10/01/2011

Selos & Quadradinhos (18)

Stamps & Comics / Timbres & BD (18)

Tema/subject/sujet:
Tintin à l’écran
País/country/pays: Bélgica/Belgium/Belgique
Data de Emissão/Date of issue/date d'émission: Agosto de 2011/August 2011/Août 2011

Nota: a primeira prancha de Tintin foi publicada há 82 anos, a 10 de Janeiro de 1929, nas páginas do Le Petit Vingtième.

Note: The first page of Tintin was published 82 years ago, the January 10, 1929, in the pages of Le Petit Vingtième.

Note: La première planche de Tintin a été publié il ya 82 ans, le 10 Janvier 1929, dans les pages du Petit Vingtième.

Tinta nos Nervos. Banda Desenhada Portuguesa

Data: 10 de Janeiro a 27 de Março
Local: Museu Colecção Berardo, Praça do Império, Lisboa
Horário: Domingo a sexta, das 10h às 19h; Sábado, das 10h às 22h. Entrada gratuita.


A abrir o ano, possivelmente aquele que será o grande evento relacionado com a banda desenhada em Portugal em 2011. Uma mostra com cerca de 600 originais de 41 autores nacionais, modernos e contemporâneos, que terá lugar durante dois meses no Museu Colecção Berardo. Uma óptima oportunidade para (re)descobrir alguns dos nomes mais importantes dos quadradinhos nacionais a par de criadores promissores ou mais experimentais.
Para saber mais sobre a mostra, veja o texto de Pedro Moura, comissário da exposição, no seu blog Ler BD.

09/01/2011

Selos & Quadradinhos (17)

Stamps & Comics / Timbres & BD (17)


Tema/subject/sujet: Send a Hello - Pixar characters
País/country/pays: Estados Unidos da América/United States/États-Unis
Data de Emissão/Date of issue/date d'émission: 19 de Agosto de 2011/19th August 2011/19 août 2011

A temática destes selos não está relacionada com quadradinhos, eu sei, mas sim com animação. Tal como acontecia, por exemplo, com a série australiana dedicada aos Simpsons. Não sendo o caso actual, no que aos selos diz respeito por vezes a fronteira entre os dois meios é algo ténue e difícil de estabelecer, pelo que fica aqui a referência a uma das primeiras emissões filatélicas com esta temática, prevista para o corrente ano.

The theme of these stamps is not related to comics, I know, but with animation. As, for example, the Australian stamps series dedicated to the Simpsons. Isn’t the case today, but in stamps sometimes the border between the two media is somewhat tenuous and difficult to establish, so this reference to one of the first philatelic issues with this topic, scheduled for this year.

Le thème de ces timbres n’est pas lié à la BD, je sais, mais avec l’animation. Comme c'était le cas, par exemple, de la série australienne dédié à les Simpsons. Ce n’est pas le cas aujourd'hui mais, en ce qui concerne les timbres, parfois la frontière entre les deux médias est un peu fragile et difficile à établir; voici donc une référence à l'une des premières émissions philatéliques sur ce sujet, prévue pour cette année.

08/01/2011

Selos & Quadradinhos (16)

Stamps & Comics / Timbres & BD (16)

Tema/subject/sujet: Kinderzegels
País/country/pays: Holanda/Netherlands/Pays-Bas
Autor/author/auteur: Joost Swarte
Data de Emissão/Date of issue/date d'émission: 1984

07/01/2011

Bruno Brazil #9

Quitte ou Double pour Alak 6 Greg (argumento) Vance (desenho) Petra (cor) Le Lombard (França, Junho de 2001) 224 x 297 mm, 48 p., cor, cartonado 1. Iniciadas com este álbum, as minhas leituras do corrente ano tiveram, por isso, um pendor fortemente nostálgico. 2. Lido originalmente (no final da década de 70…?) na revista Tintin portuguesa, emprestada por algum amigo – é verdade, eu não coleccionei aquela revista – esta foi uma das histórias que mais marcaram o meu percurso de leitor de BD. 3. Uma história que pertence a uma lista curta, da qual fazem parte também Rip Kirby – O envelope trocado, Simon du Fleuve – Maílis, Lanterna Verde & Arqueiro Verde – Os “Pássaros da Neve” não voam ou Silêncio. 4. Histórias às quais devo o facto de ainda hoje ter os quadradinhos como minha leitura de eleição. 5. Porque, lidas na altura certa, permitiram-me descobrir em banda desenhada temáticas e abordagens diferentes e mais adultas, que correspondiam às minhas exigências crescentes do momento. 6. Há muitos anos na minha lista de “álbuns a comprar”, este relato segue – de forma não especialmente brilhante, confesso – o modelo tradicional dentro da banda desenhada de aventuras franco-belga. 7. Os seus protagonistas são a Brigada Caimão, um grupo de operações especiais de elite, comandado por Bruno Brazil que, na sequência de alguns atentados, recebe a missão de resgatar em Madagáscar o último possuidor do segredo de um novo míssil estratégico experimental (implantado cirurgicamente no cérebro do homem em questão…). 8. Graficamente, é um trabalho pouco inspirado de Vance, com um traço demasiado estático, uma planificação mais rígida do que era habitual e a utilização de legendagem mecânica nos tamanhos maiores o que não torna o conjunto especialmente atraente. 9. Datado de 1975, inspirado no clima de guerra fria que então se vivia, o argumento é uma história de espionagem e acção, com debilidades, narrativas e temporais, e que se destaca – quase só - pelo falhanço quase total do comando de Brazil… 10. A diferença, que me marcou então sobremaneira, surge nas páginas finais, mais exactamente nas pranchas 40 a 44, onde um então adolescente descobriu, com surpresa e choque, que os heróis de papel, geralmente perfeitos e invencíveis, também podiam ficar estropiados ou até morrer… 11. E nas quais (re)lembrei uma frase que, tantos anos depois, ainda estava gravada na minha memória: “Gaucho Morales, que a morte não quisera, chorava convulsivamente…”

06/01/2011

Coeur de Glace

Marie Pommepuy (argumento)
Patrick Pion (desenho)
Dargaud (França, 14 de Janeiro de 2011)
Colecção Long Courier
240 x 320 mm, 72 p., cor, cartonado

Resumo
Quando Kay é levado pela Rainha das Neves, a sua amiga Gerda decide partir à sua procura, iniciando um longo périplo, recheado de perigos e criaturas fantásticas, como ogres, uma velha que a obriga a comer restos de outras crianças e um corvo falante.

Desenvolvimento
Apesar de livremente inspirado na Rainha das Neve, um conto escrito no século XIX por Hans Christian Andersen, esta é uma história que está longe de ser indicada para crianças e, muito menos, para ler à hora de dormir. Porque, se nela estão presentes muitos dos protagonistas e das temáticas habituais naquele género, ela é, antes de mais, uma história adulta de contrastes, entre o maravilhoso do mundo da infância e o realismo cruel da idade adulta, o bem e o mal, a poesia e a crueldade, o horror e a beleza, a amizade e a maldade, que a espaços roça mesmo o registo de terror.
Por isso, em cada momento do relato, aquilo que vemos raramente corresponde ao que realmente é e mesmo os momentos mais agradáveis têm sempre um reverso assustador. Veja-se, por exemplo, a estadia de Gerda em casa da senhora que cultiva o seu jardim ou – exemplo supremo – o desfecho do álbum.
Na sua origem, este é um relato de busca iniciática, em que Gerda é movida pela sua amizade por Kay, o vizinho da casa em frente com quem sempre brincou até ao dia em que a Rainha das Neves (a Morte…) decidiu reclamá-lo. Embalada pelas crenças doces da infância, Gerda decide ir à sua procura, para recuperar o seu amigo e restabelecer o equilíbrio que desapareceu do seu mundo.
A história, que começa pela captura de Gerda por um bando de ogres, com o propósito de a comer, vai sendo narrada pela protagonista à ogre mais jovem (e a nós, leitores), em sucessivos flash-backs que ajudam a ritmar a narrativa e a equilibrar momentos de tensão com outros mais descontraídos.
Ao longo dela, há um sentimento dominante, a amizade que Gerda vai encontrando e cultivando nos sucessivos encontros: a jovem ogre, o corvo falante, o mendigo, o rapaz-árvore… A mesma amizade, intensa e motivadora, que a empurra na sua busca, pelos mais estranhos e aterradores cenários - a floresta, a planície gelada, o jardim da velha senhora, o palácio encantado - todos transformados em obstáculos que aquele sentimento sempre ajuda a vencer. Até ao encontro final com Kay que, menos que o happy-end habitual em histórias de encantar, leva a uma (amarga) reflexão sobre quanto o amor (adulto…) – ao contrário da amizade (infantil…)? – pode ser egoísta e castrador.
O traço de Pion, de alguma forma mimetizando o estilo dos grandes ilustradores do século XIX, mostra-se perfeitamente adequado ao actual registo, apesar de uma planificação relativamente tradicional, confere o ritmo adequado ao relato, interligando os diversos episódios (soltos…) que o compõem e transmitindo em cada momento o efeito pretendido, seja o lado doce e agradável de cada um, sejam – de forma mais marcante – os momentos de pesadelo, mais assustadores.

A reter
- A forma como cada momento, aparentemente doce e feliz, apresenta sempre um reverso, que muitas vezes choca e arrepia. Como a fuga do jardim aparentemente idílico, só conseguida através do esfolamento do rapaz-árvore.
- O traço de Pion que, sem mudar de registo, consegue mostrar as duas faces contrastantes de cada momento.

05/01/2011

Jornalistas nos quadradinhos

No passado dia 2, foi publicada a derradeira tira diária de Brenda Starr. Estreada nos jornais norte-americanos a 30 de Junho de 1940, a heroína criada por Dale Messick foi uma das primeiras da extensa linhagem de jornalistas dos quadradinhos.

Curiosa-mente – ou talvez não – os heróis de papel raramente são reconhecidos pelo que fazem na sua profissão. Tintin, o mais antigo (?) e o mais famoso jornalista europeu da BD, é conhecido como “o repórter que nunca escreveu uma linha”; o que não deixa de ser falso, pois o herói criado por Hergé em 1929, produziu uma – única mas - volumosa reportagem nas páginas iniciais da sua primeira aventura “No país dos Sovietes”, embora os seus eventuais escritos sobre a estadia em África tenham sido avidamente disputados. Do outro lado do oceano, dois dos mais famosos, o repórter Clark Kent e o fotógrafo Peter Parker, usam-na apenas como fachada para esconder a sua identidade de super-herói, respectivamente, Super-Homem e Homem-Aranha. O que não impede que parte da acção das suas histórias decorra na redacção dos respectivos jornais – Daily Planet e Daily Bugle - e que, no primeiro caso, Jimmy Olsen e Lois Lane, vivam mesmo aventuras a solo. Esta última, receberia mesmo um prémio Pulitzer no filme Superman Returns (2006). Tal como aconteceu em 1992, na vida real, com “Maus”, de Art Spigelman, uma obra biográfica sobre a vida do seu pai no campo de concentração de Auschewitz. Mas esta temática – a BD reportagem, ficará para outra vez, pois levar-nos-ia para longe do tema actual.

A constatação atrás expressa só vem reforçar que a escolha da profissão de jornalista pelos autores serve, antes de tudo, como fácil mas credível justificação às constantes deslocações dos protagonistas para os locais onde tudo acontece e também para acederem à informação com maior facilidade. É o que se passa com outra personagem de topo da escola franco-belga, o jornalista-detective Ric Hochet, criado em 1955 por Duchateu e Tibet, que entre perse-guições emotivas, a descoberta de intrincados mistérios e o espatifar do seu chamativo Porsche amarelo tem ainda tempo para escrever no jornal La Rafale. Igualmente membro de uma redacção, Fantásio, alterna o seu quotidiano entre as grandes reportagens e a vida na redacção da revista que tem o nome do seu companheiro Spirou, onde sofre e se exaspera com as partidas e disparates de Gaston Lagaffe, a incontornável criação de Franquin.
Entre aqueles cuja relação com a profissão é mais forte, conta-se Ernie Pike, correspondente de guerra da autoria de Oesterheld e Hugo Pratt, em 1957, que percorreu as principais frentes da II Guerra Mundial, testemunhando de forma crua e realista os seus dramas, horrores e feitos heróicos. Muito importante, embora não seja o protagonista, é o papel do jornalista Willy Richards (vulgo Poe dada à sua semelhança física com o célebre escritor), no western Bonelli Mágico Vento (mensalmente distribuído nos quiosques nacionais), pela forma como se move nos meios governamentais onde obtém informações cruciais para as narrativas e pela contextualização histórica que o seu criador, Manfredi, assim lhes imprime.

Steve Roper, Jeff Cobb, Frank Cappa, Guy Lefranc ou Jill Bioskop são alguns outros nomes de heróis jornalistas, capazes de evocar recordações nos que estão mais familiarizados com os quadradinhos, mas a geração que leu a BD Disney nos anos 70 e 80, com certeza recorda, divertida, as muitas confusões criadas pelos repórteres Donald e Peninha do jornal A Patada. Quanto á geração jovem actual, vibra com as reportagens e peripécias de Geronimo Stilton, director do Diário dos Roedores, principal quotidiano da Ilha dos Ratos, que embora nascido em romances juvenis, também já protagoniza aventuras aos quadradinhos.
E se muitos deles têm evoluído da imprensa escrita para a online – como é o caso de Peter Parker ou Ric Hochet, em histórias mais recentes – a perda de audiência dos jornais impressos poderá ser uma das explicações para o fim da carreira de Brenda Starr, quase 70 anos após o seu primeiro quadradinho, numa altura em que se destacava por ser mulher, tal como a sua criadora, num mundo em que imperavam os homens. Aliás, foram sempre mulheres que estiveram aos comandos do destino desta jornalista de investigação, elegante, inteligente e sensual, como o seu modelo, a actriz Rita Hayworth, em casos policiais com muita acção e romance.

Se a banda desenhada portuguesa nunca foi pródiga em heróis (entenda-se o termo como referindo-se a personagens recorrentes), não surpreende que seja difícil encontrar nela protagonistas ligados à comunicação social.
Um dos casos mais curiosos é o de Maria Jornalista, heroína de uma dezena de histórias de duas pranchas que os leitores da Notícias Magazine descobriram durante 1994, mas que nunca foram compiladas em livro.
Passados em diversos locais de Portugal (Viana, Porto, Aveiro, Sintra, Lisboa, …), nalguns casos com referência a personagens reais (Rosa Mota, Jorge Sampaio, Manuela Moura Guedes), cada episódio teve um autor diferente (José Abrantes, Crisóstomo Alberto, Fernando Bento, Luís Diferr, José Garcês, Catherine Labey/Jorge Magalhães, Luís Louro, Baptista Mendes, José Ruy e Ana Costa/Augusto Trigo), que lhe imprimiu o seu próprio estilo gráfico e temático, em narrativas que variaram do humor ao policial, do turístico ao onírico, da denúncia social ao fantástico.

(Versão alargada do texto publicado no Jornal de Notícias de 4 de Janeiro de 2011)

04/01/2011

Tex #487 – A Grande Sede e #488 - Jogos de Poder

Manfredi (argumento)
Civitelli (desenho)
Mythos Editora (Brasil, Maio e Junho de 2010)
135x175 mm, 114 p., pb, brochado, mensal
A principal nota deste Tex, é o facto de ter juntado um bom argumentista, um bom desenhador e um herói clássico. O que à partida não é – nunca foi, nunca será - garantia de uma boa BD.
Por um lado, temos o argumentista, Gianfranco Manfredi, criador da saga de Mágico Vento, que usou para esta narrativa protagonizada por Tex uma sólida base histórica, invulgar nas histórias do ranger.

Por isso, como trama central desta aventura surge a disputa da água na zona de Phoenix, entre uma companhia gerida pelo pouco escrupuloso Lansdale e os agricultores locais, brancos, índios e mexicanos (ou seja, o inevitável choque entre a tradição e o progresso fomentado pela cupidez, com algum racismo e preconceito à mistura). E, para além disso, humaniza de alguma forma o protagonista, que surge aqui mais astuto (veja-se, o estratagema final para devolver a água aos agricultores) e menos dependente dos seus punhos e da sua capacidade de atirador, tornando mais credível a história, sem no entanto descaracterizar o herói.
Por outro lado, o artista escolhido, Fabio Civitelli, sem dúvida o “grande desenhador” de Tex dos últimos anos, apresenta mais uma história trabalhada de forma superior, com o seu traço fino e detalhado, o recurso a sombras, tramas e pontilhados, uma planificação diversificada, com a utilização de diferentes pontos de vista, rostos expressivos e a soberba representação dos cavalos, o que origina algumas cenas antológicas, com destaque para a emboscada organizada por Lansdale (Tex #488, pp. 54-80).
No caso presente, no final da leitura de mais um western bem delineado e definido, se não estamos face a uma obra-prima e se ambos os autores – e também Tex – já foram mais felizes, a verdade é que o saldo é positivo e o leitor tem motivos suficientes para se sentir satisfeito. Embora seja verdade que as premissas iniciais permitiam aspirar a mais.


(Texto publicado originalmente a no Tex Willer Blog)

03/01/2011

BD Portuguesa: o que vamos poder ler em 2011

Se em anos recentes, têm sido recorrentes as notícias sobre bandas desenhadas de desenhadores nacionais publicadas no estrangeiro, que suplantam e abafam as que dizem respeito às edições em Portugal, 2011 promete uma diferença: alguns desses projectos terão uma dimensão e uma visibilidade até agora nunca atingidas, embora por motivos diferentes.

Cronologicamente, a primeira - e possivelmente a mais mediática de todas as bandas desenhadas com assinatura lusa a editar em 2011 - será “Female Force: Angelina Jolie”, a biografia da actriz desenhada por Nuno Nobre, até agora sem bibliografia aos quadradinhos. Destacando-se pelo tema, estará disponível nas livrarias especializadas em Janeiro e é mais uma edição da norte-americana Bluewater Productions especializada em biografias de personalidades da política e da cultura.
A 2 de Fevereiro será lançado o primeiro número de “Onslaught Unleashed”, a mini-série de quatro comics que Filipe Andrade está a desenhar para a Marvel a partir de um argumento de Sean McKeever. Primeiro projecto de fôlego de um português para a Casa das Ideias, narra o regresso do vilão Onslaught e como isso irá afectar o professor Xavier, líder dos X-Men, e Magneto o seu maior inimigo. As capas serão de dois “monstros” dos comics: Humberto Ramos e Rob Liefeld.
Ainda na Marvel, igualmente em Fevereiro, Nuno Plati Alves, depois de participações em Avengers Fairy Tales, X-23, Iron Man e Shanna the She Devil, desenha o seu segundo comic completo, “Marvel Girl #1”, no qual Josh Fialkov narra como a mutante Jean Grey aprendeu a controlar os seus poderes, e João Lemos, que recentemente fez o papel de argumentista numa história de Wolverine, volta ao mutante de garras retrácteis, desenhando uma história de Sarah Cross, inserida na colectânea “Wolverine: The Adamantium Diaries #1000”.
Quanto ao terceiro projecto mediático citado, verá a luz em Maio e destaca-se por estar incluído na antologia que assinala os 25 anos da editora norte-americana Dark Horse, juntamente com criadores como Frank Miller, Mike Mignola ou Dave Gibbons. Trata-se de uma BD de 24 páginas (com um arranque excelente, que tenho o privilégio de poder assegurar pessoal-mente!) que evoca o primeiro encontro de Dog Mendonça e Pizzaboy, os heróis fantásticos criados pelo pianista português Filipe Melo e pelo desenhador argentino Juan Cavia. Esta mesma dupla, que começou por salvar o mundo de uma ameaça nazi latente nas entranhas de Lisboa (que já vai na 3ª edição), deverá regressar em Março, com “Apocalipse” (Tinta-da-China), uma graphic móvel de 120 páginas, para enfrentar o fim dos tempos, tal como descrito na Bíblia.
Outros dois projectos que marcaram recentemente a BD feita em português, “BRK”, um thriller urbano com contornos políticos, de Filipe Pina e do atrás citado Filipe Andrade, e “Asteroids Fighters”, uma space-opera de Rui Lacas (distinguido no Amadora BD 2010), verão os segundos tomos editados no próximo ano pela ASA, em data a definir.
Ainda em Portugal, possivelmente após o Verão, a Kingpin Books lançará três novos livros. O primeiro, é um policial escrito por Fernando Dordio e desenhada por Osvaldo Medina, uma sequela de “C.A.O.S.” (recentemente reeditado), com as mesmas personagens da série inicial - mais velhos , mais gordos , mais carecas e mais maldispostos - envolvidos num caso policial bem sério, com rapto, assassínio e afins.
Quanto a “O baile”, diz Nuno Duarte (argumentista das Produções Fictícias e de “A Fórmula da Felicidade”) é “uma história passada em 1967 e que gira em torno de um inspector da PIDE encarregado de abafar rumores de aparições sobrenaturais numa pequena aldeia piscatória e que podem ensombrar a visita do Papa Paulo VI ao país. Entre dúvidas da carreira que escolheu e os relatos de pescadores mortos na faina que regressam para levar os vivos consigo para o mar, o Inspector deparar-se-á com uma trama de ciúmes e vingança, num ambiente funesto onde pouca coisa é o que parece”. O desenho está a cargo de Joana Afonso.
O terceiro projecto da Kingpin é “O Pequeno Deus Cego”, escrito por David Soares que o apresenta assim: “é uma história alegórica, passada na China medieval. A narrativa orbita à volta de Sem Olhos, uma personagem frágil que talvez seja mais do que aquilo que aparenta ser. Abusada pela mãe intolerante, Sem Olhos já se resignou a viver com o sofrimento, quando contacta com duas personagens misteriosas, um velhote e um panda, que lhe irão mostrar os segredos do seu passado, levando-a a um final inesperado e épico. É, em essência, uma alegoria negra, às vezes violenta, mas sempre poética e recheada de personagens fascinantes que nenhum leitor irá esquecer. O argumento e layouts são meus e o desenho é de Pedro Serpa, que me foi sugerido pelo Mário Freitas”.
Do mesmo argumentista, transita de 2010 “É de Noite Que Faço as Perguntas” (Gradiva), uma narrativa ficcional sobre a implantação da República, o mesmo acontecendo com “O Menino Triste – Punk Redux” (Qual Albatroz), de João Mascarenhas, que evoca a Londres dos anos 70, e o segundo número do colectivo “The Lisbon Studio Mag”, que será apresentado em Janeiro, no Festival de Angoulême.
Ainda e fase de definição quanto a editora, formato e data, está uma BD sobre a pesca do bacalhau, da autoria da dupla João Paulo Cotrim/Miguel Rocha, autores de “Salazar – Agora, na hora da sua morte”.
Jorge Coelho, cujo percurso em 2010 ficou marcado pela participação na mini-série “Forgetless”, da Image, não prevê editar nada em 2011 “com excepção de pequenas colaborações como a história curta de apenas 6 páginas de nome "The Wheel Turns" para a antologia Outlaw Territory Nº2, pois estarei ocupado a desenhar uma história de maior envergadura que me ocupará todo ano. Trata-se de "Submerged Mary", uma graphic novel, escrita por Eric Skillman, para a qual ainda estamos à procura de editora, portanto, no limite, pode não chegar ao prelo”.
Do lado da Zona, revela Fil, um dos seus coordenadores, para já está apenas “programada e confirmada o lançamento da Zona Monstra, no festival de animação com o mesmo nome (A Monstra), em Março. Temos algumas ideias extra, mas não sei se teremos os meios para avançar, por isso ainda não há nada de concreto”.
No seu blog, Kuentro2, Jorge Machado Dias da Pedranocharco, acrescenta a esta lista “dois BDjornal (#27 - Maio e #28 - Outubro) e mais alguma coisa que está ainda no domínio dos deuses…”

(Versão revista e aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias de 29 de Dezembro de 2010)
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