Frank Bourgeron
(argumento e desenho, a partir do romance de François Sureau)
Futuropolis (Novembro de 2009)
217 x 296 mm, 80 p., cor, cartonado
Resumo
Em plena Primeira Guerra Mundial, o governo belga solicita ao seu homónimo francês o empréstimo de uma guilhotina e de um carrasco para executar um condenado à morte, Préfaille, preso numa zona ocupada pelos alemães. A razão do pedido ? Há mais de 80 anos que não há execuções na Bélgica, pelo que também não existem profissionais – carrascos – habilitados para o efeito...
A França aceita o pedido e envia Deibler, o executor, com a sua preciosa máquina de matar devidamente desmontada e encaixotada, sob a escolta de um pequeno grupo comandado pelo tenente Verbruge, após conseguir os necessários salvo-condutos da parte dos diversos exércitos envolvidos (francês, belga, alemão, inglês).
Desenvolvimento
Embora soe a anedota de mau gosto, esta adaptação do romance homónimo de François Sureau (Gallimard, 2006), tem por base uma história verídica, que mostra como os governos envolvidos numa guerra fratricida, embora incapazes de chegar a um consenso para promover a paz, conseguem facilmente acordos para ceifarem uma vida a mais (mesmo que isso coloque em risco diversas outros seres humanos).
De qualquer forma, o cerne da história gira em torno da obediência cega que o exército impõe – e que tantos dos seus homens cultivam – de tal forma que Verbruge, que perdeu um braço na guerra, ao receber as suas ordens, nem sequer questiona porque foi condenado à morte Préfaille. E, dias depois não admite sequer questionar se elas se mantêm, quando alterações profundas na frente de batalha o aconselhavam.
O seu grupo, composto por voluntários, é heterogéneo e singular e é pena que não tenham sido aprofundadas as suas diferenças e motivações: Deibler, que só sai de Paris obrigado e que passa os dias a relatar ao pormenor em pequenos cadernos as suas execuções; o seu ajudante, Desfourneaux, que ama a lâmina da guilhotina mais do que a própria vida; o interesseiro Faucon, que não hesita em seduzir e possuir a esposa do carrasco mesmo antes da partida… Um grupo cujos pensamentos – que servem de fio condutor à narrativa - vamos conhecendo, embora por vezes seja complicado compreender quem “pensa” naquele momento, o que retira fluidez à banda desenhada que também é afectada por algum excesso de texto.
Juntos, mas não unânimes, com algumas tensões latentes mas contidas pela necessidade de obedecer, embrenham-se no campo de batalha, sofrem bombardeamentos – de oponentes e aliados - por duas vezes, cruzam as linhas inimigas e acabam por chegar a Fresnes, onde Préfaille, que denota algum atraso mental, aguarda numa cela, acusado de um crime (relativamente) menor e inexplicável e cuja única vontade é pôr rapidamente um fim aquela situação.
Este relato que seria burlesco, se não fosse tão trágico e pesado, é feito por Bourgeron com um traço grosso, não rude como aparenta mas elegante, que no entanto se revela pouco indicado para o tratamento da figura humana, em especial ao nível dos rostos que, por vezes, se torna difícil distinguir. Mas que se torna bem mais interessante quando aplicado de forma depurada aos cenários – urbanos ou não – como nas páginas 37, 38 ou 45, em que é realçado pela ausência de texto.
A utilização exclusiva de tons – escuros - verdes e cinzentos e a opção pela pintura das personagens com uma só cor, acentua o tom sombrio desta história interessante mas cujas limitações apontadas não deixam entusiasmar, sobre uma missão absurda criada para satisfazer caprichos de políticos que tomam decisões sentados nos seus gabinetes, longe da realidade.
A reter
- A elegância do traço de Bourgeron.
- O travo amargo que o absurdo da ideia base deixa.
- A forma subtil como o relato expõe temas incómodos, sempre recorrentes, como a obediência cega, a pena de morte ou o patriotismo.
Menos conseguido
- A dificuldade de distinguir as personagens e os seus pensamentos.
- A forma como isso obriga a parar e a voltar atrás na leitura, comprometendo a fluidez da leitura.
21/01/2010
BD e Literatura - L’Obéissance
Leituras relacionadas
BD e literatura,
Bourgeron,
Futuropolis
20/01/2010
Portugal aos quadradinhos (II) – MKM, Mega-krav-maga #1
Lewis Trondheim (ideia)
Mathieu Sapin e Frantico (argumento e desenho)
Delcourt (França, Janeiro de 2010)
120 x 180, 190 p., pb, brochado com sobrecapa com badanas
Resumo
Convidados para participarem no (fictício) Blogadores Festival de Lisboa, Frantico e Sapin acabam por se ver envolvidos numa mega-tramóia em torno do Mega-krav-maga, uma versão muito aperfeiçoada da arte de combate pessoal criada pelo exército israelita.
Desenvolvimento
A primeira meia centena de pranchas desta banda desenhada dizem respeito à presença dos dois autores no (fictício) festival português e apresentam, nos seus estilos peculiares, relativamente próximos, baseado num traço rápido, quase só esquemático, expressivo e legível, apesar de maioritariamente passadas em interiores (do hotel e de restaurantes) algumas paisagens da capital portuguesa que, possivelmente, não seriam reconhecíveis se não soubéssemos que ela servia de cenário à história. A isso, Sapin e Frantico, juntam alguns clichés e preconceitos pouco abonatórios dos portugueses, num inexplicável auto-convencimento de superioridade, postura também cultivada habitualmente por Lewis Trondheim em relação aos locais que a sua profissão obriga (!?) a visitar.
Este, é o mentor do projecto, publicado no formato Tankobon próprio dos mangas, agora adoptado para a colecção Shampooing que dirige na Delcourt e inicialmente publicado num blog criado para o efeito (http://www.megakravmaga.com/index.php?id=2009-12-16).
Se esta BD tem um início (aparentemente) autobiográfico (pois os dois autores vão intercalando pranchas desenhadas por um ou por outro com o relato da sua presença no festival português), transforma-se rapidamente num delírio ficcional em torno da eventual existência de uma versão melhorada do Krav-maga, a técnica de combate desenvolvida pelo exército israelita.
Mas tudo vai precipitar-se quando Sapin e Frantico são abordados numa rua lisboeta por um ucraniano (!) que num anterior contacto lhes propusera droga próximo de uma esquadra de polícia. Neste segundo encontro propõe-se revelar-lhes os segredos do Mega-Krav-Maga, uma técnica de combate pessoal até hoje desconhecida por ser mantido em grande segredo pelos que o praticam, para atraírem maior atenção para o seu blog.
Seduzidos pela demonstração do ucraniano, os autores exemplificam-na nas suas pranchas, divulgadas na net, ficando assim sob ameaça de morte por revelarem os segredos daquela arte, tão ciosamente mantidos até então.
Começa então um périplo rocambolesco (quase) planetário, pontuado por segredos, confrontos, fugas e mortes, que leva os dois autores por percursos separados, cada um mantido cativo por uma das sociedades rivais que defende o MKM, que em tom leve e descontraído, apresenta alguns momentos divertidos mas peca pela extensão do relato, que só se concluirá num segundo tomo, a publicar já em Fevereiro.
A reter
- A maneira como os autores conseguem subverter o espírito do Krav-Maga, exagerando no uso da capacidade de antecipação como sua principal arma.
- Alguns momentos bem conseguidos, como a sequência em que Frantico simula a fuga por diversas vezes, sem nunca a concretizar.
- As divertidas “cartas” MKM que ilustram a contracapa e o interior das badanas.
Menos conseguido
- A extensão do relato.
- Alguma confusão inicial na identificação das personagens, devido às diferenças entre o traço dos dois desenhadores que, no entanto, se atenua com o decorrer do relato.
Curiosidade
- O Krav Maga ("combate próximo, fechado" em hebraico) é um sistema de defesa pessoal criado na década de 1940 para capacitar os grupos que lutavam pela independência do Estado de Israel. Não é considerado um desporto porque não tem uma vertente competitiva uma vez que não existem regras que limitem esta arte de combate. Todos os golpes são permitidos e treinados de forma a ultrapassar todo e qualquer tipo de situação de violência do modo mais rápido e eficaz possível.
19/01/2010
Nas bancas – Janeiro
Segundo o Blog do Tex, durante este mês estarão nas bancas portuguesas, para além de títulos de qualidade garantida, como J. Kendall ou Mágico Vento, a conclusão de “El Muerto”, uma das melhores histórias de Tex e também “Oklahoma!”, outra emblemática aventura do ranger, bem como a centésima edição de Zagor, integralmente a cores.
Eis a rlação completa das edições da Mythos Editora:
- TEX 451 - Fuga na Neve (Mauro Boselli e Miguel Angel Repetto)
- TEX COLEÇÃO 243 - A Colina dos Pés Juntos (Continuação da aventura El Muerto, Guido Nolitta e Aurelio Galleppini)
- TEX OURO 35 - Oklahoma! (Giancarlo Berardi e Guglielmo Lettèri)
- ZAGOR 100 - Magia Indígena (Moreno Burattini e Gallieno Ferri)
- ZAGOR EXTRA 64 - Caça ao Lobo (Capone e Polese)
- J. KENDALL - AVENTURAS DE UMA CRIMINÓLOGA 57 - Os Guerreiros (Giancarlo Berardi, Maurizio Mantero e Enio Legisamón)
- MÁGICO VENTO 86 - O Filho de Nuvem Vermelha (Gianfranco Manfredi, Giovanni Talami e Stefano Biglia)
Entretanto, as edições da Panini também já começaram a chegar às bancas, sendo de assinalar que a Turma da Mónica Jovem entra no seu segundo ano de publicação, a revista do Homem-Aranha traz o arco completo de A primeira Caçada do Kraven, com este último numa versão feminina, e que a saga Batman - RIP está no seu prólogo na revista do Homem-Morcego.
Segundo o site da editora, eis a data de chegada às bancas dos vários títulos distribuídos este mês:
- 14/01/2010 - Mónica nº 31, Cebolinha nº 31, Cascão nº 31, Homem-Aranha nº 90;
- 15/01/2010 - Magali nº 31, Chico Bento nº 31, Saiba Mais Turma Mónica nº 23, X-Men nº 90;
- 18/01/2010 - Almanaque Mónica nº 16, Almanaque Cebolinha nº 16, Almanaque Cascão nº 16, Novos Vingadores nº 65;
- 19/01/2010 - Ronaldinho Gaúcho nº 31, Turma da Mónica Parque nº 31, Almanaque Temático Cebolinha nº 11, Superman & Batman nº 47, Avante Vingadores nº 29;
- 20/01/2010 – Turma da Mónica Jovem nº 13, Mauricio Apresenta nº 7, Batman nº 79, Superman nº 79, Wolverine nº 54;
- 21/01/2010 – Colecção Histórica Mónica nº 12, Almanaque Astronauta nº 5, Almanaque Tina nº 6, Universo Marvel nº 47, Contagem Regressiva nº 13, Liga da Justiça nº 78.
Eis a rlação completa das edições da Mythos Editora:
- TEX 451 - Fuga na Neve (Mauro Boselli e Miguel Angel Repetto)
- TEX COLEÇÃO 243 - A Colina dos Pés Juntos (Continuação da aventura El Muerto, Guido Nolitta e Aurelio Galleppini)
- TEX OURO 35 - Oklahoma! (Giancarlo Berardi e Guglielmo Lettèri)
- ZAGOR 100 - Magia Indígena (Moreno Burattini e Gallieno Ferri)
- ZAGOR EXTRA 64 - Caça ao Lobo (Capone e Polese)
- J. KENDALL - AVENTURAS DE UMA CRIMINÓLOGA 57 - Os Guerreiros (Giancarlo Berardi, Maurizio Mantero e Enio Legisamón)
- MÁGICO VENTO 86 - O Filho de Nuvem Vermelha (Gianfranco Manfredi, Giovanni Talami e Stefano Biglia)
Entretanto, as edições da Panini também já começaram a chegar às bancas, sendo de assinalar que a Turma da Mónica Jovem entra no seu segundo ano de publicação, a revista do Homem-Aranha traz o arco completo de A primeira Caçada do Kraven, com este último numa versão feminina, e que a saga Batman - RIP está no seu prólogo na revista do Homem-Morcego.
Segundo o site da editora, eis a data de chegada às bancas dos vários títulos distribuídos este mês:
- 14/01/2010 - Mónica nº 31, Cebolinha nº 31, Cascão nº 31, Homem-Aranha nº 90;
- 15/01/2010 - Magali nº 31, Chico Bento nº 31, Saiba Mais Turma Mónica nº 23, X-Men nº 90;
- 18/01/2010 - Almanaque Mónica nº 16, Almanaque Cebolinha nº 16, Almanaque Cascão nº 16, Novos Vingadores nº 65;
- 19/01/2010 - Ronaldinho Gaúcho nº 31, Turma da Mónica Parque nº 31, Almanaque Temático Cebolinha nº 11, Superman & Batman nº 47, Avante Vingadores nº 29;
- 20/01/2010 – Turma da Mónica Jovem nº 13, Mauricio Apresenta nº 7, Batman nº 79, Superman nº 79, Wolverine nº 54;
- 21/01/2010 – Colecção Histórica Mónica nº 12, Almanaque Astronauta nº 5, Almanaque Tina nº 6, Universo Marvel nº 47, Contagem Regressiva nº 13, Liga da Justiça nº 78.
Leituras relacionadas
Bancas,
Maurício de Sousa,
Mythos,
Panini
The Squirrel Mother
Megan Kelso
Fantagraphics Books (Estados Unidos, Junho de 2006)
165 x 216 mm, 136 p., cor, cartonado
"The Squirrel Mother" é uma compilação de histórias criadas por Megan Kelso entre 2000 e 2005, de que a Fantagraphics Books, fiel à sua tradição, fez um belo objecto, que delicia os olhos antes da mente. Porque este é um daqueles livros que dá prazer só pelo ver e sentir, desde a textura levemente rugosa da capa às cores suaves e aconchegantes utilizadas, complemento ideal do traço fino, pormenorizado e expressivo da autora. Que contrasta, depois, com a crueza - o realismo… - de algumas histórias.
Porque o que Megan Kelso nos conta são vidas. Melhor, pedaços, pedacinhos de vidas. Dela ou de outras com quem se cruzou ou que a sua imaginação criou. Uma mãe (esquilo?) que trocou os filhos pelos seus sonhos - ilusões? Umas férias - sonhadas e de sonho - mostrados como que em slides (ainda alguém os usa?). Ou outras férias que, embora mais sonhadas - não é a adolescência a idade de todos os sonhos? - foram bem menos felizes. Adolescência que é tema recorrente, com as dificuldades, erros e dúvidas próprias da idade.
Pedacinhos de vida que mostram também a crueldade inocente (?) das crianças, a magia da dança, o valor de certos objectos. Pedacinhos de vida a que Megan Kelso faz uma abordagem simples e delicada, quase só expositiva, sem (falsas) morais nem (pretensiosas) lições, em histórias curtas que se lêem num ápice mas que, às vezes, nos deixam a pensar.
(Texto publicado originalmente no Jornal de Notícias de 27 de Agosto de 2006 )
Fantagraphics Books (Estados Unidos, Junho de 2006)
165 x 216 mm, 136 p., cor, cartonado
"The Squirrel Mother" é uma compilação de histórias criadas por Megan Kelso entre 2000 e 2005, de que a Fantagraphics Books, fiel à sua tradição, fez um belo objecto, que delicia os olhos antes da mente. Porque este é um daqueles livros que dá prazer só pelo ver e sentir, desde a textura levemente rugosa da capa às cores suaves e aconchegantes utilizadas, complemento ideal do traço fino, pormenorizado e expressivo da autora. Que contrasta, depois, com a crueza - o realismo… - de algumas histórias.
Porque o que Megan Kelso nos conta são vidas. Melhor, pedaços, pedacinhos de vidas. Dela ou de outras com quem se cruzou ou que a sua imaginação criou. Uma mãe (esquilo?) que trocou os filhos pelos seus sonhos - ilusões? Umas férias - sonhadas e de sonho - mostrados como que em slides (ainda alguém os usa?). Ou outras férias que, embora mais sonhadas - não é a adolescência a idade de todos os sonhos? - foram bem menos felizes. Adolescência que é tema recorrente, com as dificuldades, erros e dúvidas próprias da idade.
Pedacinhos de vida que mostram também a crueldade inocente (?) das crianças, a magia da dança, o valor de certos objectos. Pedacinhos de vida a que Megan Kelso faz uma abordagem simples e delicada, quase só expositiva, sem (falsas) morais nem (pretensiosas) lições, em histórias curtas que se lêem num ápice mas que, às vezes, nos deixam a pensar.
(Texto publicado originalmente no Jornal de Notícias de 27 de Agosto de 2006 )
Fora das Livrarias - Surdos, 100 piadas!
Marc Renard (argumento)
Yves Lapalu (argumento e desenho)
Surd’Universo (Portugal, Outubro de 2009)
163 x 236 mm, 112 p., cor e pb, brochado
Depois da edição de “Leo, o puto surdo”, em 2006, a Surd’Universo (www.surduniverso.pt/) volta a apostar na BD e no cartoon para chamar a atenção para as dificuldades que os surdos vivem no seu dia-a-dia, num mundo feito para ouvintes.
Lapalu – também ele surdo - com um traço humorístico, vivo, dinâmico e agradável, típico da BD humorística franco-belga, quase sempre a preto e branco, mas que ganha quando utiliza cor, revisita anedotas conhecidas, casos reais ou histórias divertidas, em que os surdos e aquilo que lhes diz especificamente respeito (aparelhos auditivos, linguagem gestual, etc.) são os protagonistas.
O todo, de leitura agradável, mas que obriga a (re)pensar como é importante ouvir, está recheado de situações bem humoradas, provocadas pela falta de audição que implica, muitas vezes, desfechos inesperados para situações vulgares, como um intercomunicador avariado ou um simples jogo de futebol.
E concluída a leitura, o trocadilho com o título do livro é inevitável: não são surdos sem piadas, são até bem divertidos.
(Versão revista do texto publicado originalmente a 14 de Novembro de 2009, na página de Livros do suplemento In’ da revista NS, distribuída aos sábados com o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias)
Yves Lapalu (argumento e desenho)
Surd’Universo (Portugal, Outubro de 2009)
163 x 236 mm, 112 p., cor e pb, brochado
Depois da edição de “Leo, o puto surdo”, em 2006, a Surd’Universo (www.surduniverso.pt/) volta a apostar na BD e no cartoon para chamar a atenção para as dificuldades que os surdos vivem no seu dia-a-dia, num mundo feito para ouvintes.
Lapalu – também ele surdo - com um traço humorístico, vivo, dinâmico e agradável, típico da BD humorística franco-belga, quase sempre a preto e branco, mas que ganha quando utiliza cor, revisita anedotas conhecidas, casos reais ou histórias divertidas, em que os surdos e aquilo que lhes diz especificamente respeito (aparelhos auditivos, linguagem gestual, etc.) são os protagonistas.
O todo, de leitura agradável, mas que obriga a (re)pensar como é importante ouvir, está recheado de situações bem humoradas, provocadas pela falta de audição que implica, muitas vezes, desfechos inesperados para situações vulgares, como um intercomunicador avariado ou um simples jogo de futebol.
E concluída a leitura, o trocadilho com o título do livro é inevitável: não são surdos sem piadas, são até bem divertidos.
(Versão revista do texto publicado originalmente a 14 de Novembro de 2009, na página de Livros do suplemento In’ da revista NS, distribuída aos sábados com o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias)
Leituras relacionadas
Lapalu,
Renard,
Surd'Universo
15/01/2010
L’Ancien temps – I. Le roi n’embrasse pas
Joann Sfar (argumento e desenho)
Gallimard Jeunesse (França, Novembro de 2009)
230 x 310 mm, 144 p., cor, cartonado
Leituras relacionadas
Gallimard,
Joann Sfar,
opinião
BD para ver – The Last Match
É inaugurada amanhã, dia 16, em Lisboa, a exposição de banda desenhada e ilustração “The Last Match” (“O Último Fósforo”), que reúne cerca de duas centenas de autores de todo o mundo e tem a particularidade de caber em sete caixas de fósforos!
Originária da Letónia, numa iniciativa da revista “Kuš!" e do Latvian Center for Contemporary Art, bem pode ser considerada a “maior pequena exposição de ilustração e banda desenhada” de sempre, pois os autores tiveram que trabalhar em pranchas medindo apenas 3 x 5 centímetros, tendo como ideia base o fósforo e/ou o fogo. As pranchas são depois “montadas” num fósforo e assim expostas.
Embora a maior parte dos participantes – das mais variadas origens - esteja ligado a projectos alternativos, entre eles contam-se alguns nomes de maior nomeada, como o israelita Rutu Modan, cujo álbum “Exit Wounds” foi considerado em dos Essenciais de 2008 pelo Festival de Angoulême, o sérvio Aleksandar Zograf, os norte-americanos Tom Gauld e Roberta Gregory, o japonês Daisuke Ichiba ou a italiana Gabriella Giandelli. Esta é a primeira etapa de 2010 desta exposição itinerante, que em cada país acrescentará ao seu espólio trabalhos de autores locais, no caso português André Lemos, Filipe Abranches, João Chambel, Jucifer, Ricardo Martins ou Luís Henriques.
Patente na nova galeria Artside, na Rua S.João da Mata, 53 em Santos-o-Velho, até 8 de Fevereiro, a exposição é inaugurada às 16h30, com um Porto de Honra oferecido pela Embaixada da Letónia.
Na ocasião, a editora Chili com Carne, que participa na organização do evento, apresentará “Massive”, o oitavo volume da “Colecção CCC”, dirigida por Margarida Borges, Marcos Farrajota, Jucifer e Ricardo Martins, que reúne pouco mais de uma centena de pranchas de diversos autores nacionais e estrangeiros, alguns deles representados em The Last Match.
Originária da Letónia, numa iniciativa da revista “Kuš!" e do Latvian Center for Contemporary Art, bem pode ser considerada a “maior pequena exposição de ilustração e banda desenhada” de sempre, pois os autores tiveram que trabalhar em pranchas medindo apenas 3 x 5 centímetros, tendo como ideia base o fósforo e/ou o fogo. As pranchas são depois “montadas” num fósforo e assim expostas.
Embora a maior parte dos participantes – das mais variadas origens - esteja ligado a projectos alternativos, entre eles contam-se alguns nomes de maior nomeada, como o israelita Rutu Modan, cujo álbum “Exit Wounds” foi considerado em dos Essenciais de 2008 pelo Festival de Angoulême, o sérvio Aleksandar Zograf, os norte-americanos Tom Gauld e Roberta Gregory, o japonês Daisuke Ichiba ou a italiana Gabriella Giandelli. Esta é a primeira etapa de 2010 desta exposição itinerante, que em cada país acrescentará ao seu espólio trabalhos de autores locais, no caso português André Lemos, Filipe Abranches, João Chambel, Jucifer, Ricardo Martins ou Luís Henriques.
Patente na nova galeria Artside, na Rua S.João da Mata, 53 em Santos-o-Velho, até 8 de Fevereiro, a exposição é inaugurada às 16h30, com um Porto de Honra oferecido pela Embaixada da Letónia.
Na ocasião, a editora Chili com Carne, que participa na organização do evento, apresentará “Massive”, o oitavo volume da “Colecção CCC”, dirigida por Margarida Borges, Marcos Farrajota, Jucifer e Ricardo Martins, que reúne pouco mais de uma centena de pranchas de diversos autores nacionais e estrangeiros, alguns deles representados em The Last Match.
14/01/2010
Tex Colecção #242 e #243
El Muerto
Guido Nolitta (argumento)
Aurelio Galleppini (desenho)
Mythos (Brasil, Março e Abril de 2007)
133 x 177 mm, 100 p., pb, brochado, mensal
Resumo
Esta aventura começa quando Jack Tigre e outro navajo regressam de uma viagem com cobertores e provisões para a tribo. Aproximam-se de um pequeno acampamento onde aparentemente são recebidos com hospitalidade mas rapidamente o grupo mata o indígena e espanca violentamente Tigre. No final, o chefe, uma personagem com a cara toda retalhada, que se intitula El Muerto, diz-lhe para transmitir um recado a Tex: se quer saber a razão do ataque, terá que se encontrar com ele no cemitério de Pueblo Feliz, daí a uma semana. Dias depois, uma diligência que transporta Kit Willer para se encontrar com o pai, é assaltada e o jovem baleado para transmitir o mesmo recado.
Tex não tem qualquer lembrança de se ter cruzado com a estranha personagem, mas dispõe-se a comparecer ao encontro.
Desenvolvimento
Considerada uma das melhores histórias de Tex, “El Muerto”, originalmente datada de Agosto/Setembro de 1976, faz jus à sua fama.
Como quase sempre acontece nestes casos, apresenta um Tex menos infalível – por isso mais humano – que tem que correr atrás dos acontecimentos, desconhecendo quem orquestra tudo e porque o faz. E dando a ideia que chega sempre um pouco tarde ou que não consegue virar o rumo aos acontecimentos, mesmo quando consegue antecipar os movimentos do seu misterioso adversário, como na chegada a Sunsetville. Nessa “falibilidade”, Tex vê os seus amigos serem feridos espancados ou mesmo mortos, sem conseguir inverter as situações, algo raro nas suas histórias.
Mesmo a forma como, a caminho do lugar do encontro final, consegue derrotar os capangas de El Muerto – apenas cinco… -, após a emboscada que eles lhe prepararam, precisando para isso da ajuda providencial de Tigre, apenas reforça esse (estranho e incomum) lado humano do ranger e cria mais expectativa para o duelo final, aumentando a estranha aura de El Muerto.
Este, é uma personagem bem delineada, um dos mais marcantes vilões que Tex enfrentou, não tanto pelos seus actos, mas pela forma como se impõe ao ranger quase até final. Um vilão movido por um insano (?) desejo de vingança, que nem as explicações do ranger, no cemitério, conseguem demover. O que só contribui para acentuar o seu lado trágico e, surpreendentemente, para lhe dar consistência e credibilidade.
A tensão acumulada ao longo das pranchas, aumenta ainda mais quando Tex e El Muerto finalmente se encontram cara a cara no cemitério que este escolheu para se desvendar e ao segredo que há anos carrega. De uma forma (invulgarmente) leal e correcta, posicionando-se no capítulo moral no patamar que (apenas) Tex costuma ocupar, o que reforça ainda mais o seu impacto. Só dessa forma, aliás, seria possível o longo flash-back, em que um e outro vão completando a história – e em que finalmente são desvendadas as razões que motivam o bandido.
E se a explicação é longa, que dizer do duelo final que ocupa três (demoradas) pranchas e finalmente possibilita o aliviar da tensão acumulada. Pelo menos para o leitor, porque Tex, se obtém o esperado resultado final, ainda precisa de se libertar dela contra o relógio que testemunhou o dramático confronto…
Guido Nolitta, construiu com mestria a trama, que prima em conduzir num crescendo, sem pontas soltas nem incongruências, encaixando nela perfeitamente a narrativa “antiga”, afastando quase completamente o Tex heróico e infalível que tantas vezes custa a “engolir”.
A seu lado, esteve um Galep na posse de todas as suas (muitas) qualidades, com um traço vibrante e dinâmico como sempre, especialmente detalhado e completamente à vontade cenários interiores ou nas paisagens do velho oeste, no retrato de homens ou animais, de cenas calmas ou de acção intensa.
A reter
- A manutenção do mistério da identidade de El Muerto ao longo de 130 das quase 200 páginas da narrativa.
- A forma como Tex é desta vez um peão na história, seguindo o curso dos acontecimentos, não o impondo como é habitual.
- A consistência e a credibilidade de El Muerto.
Menos conseguido
- A história ganharia ainda mais se a presença de Paço Ordoñez na fatídica cabana fosse revelada apenas no final da narrativa em flashback.
Curiosidade
- O Tex Colecção #242 (ainda) está disponível nas bancas portuguesas, devendo a edição seguinte chegar ainda durante este mês.
- Existe uma versão semi-animada desta banda desenhada que pode ser vista aqui (http://texwillerblog.com/wordpress/?p=7366).
- Guido Nolitta é pseudónimo de Sergio Bonelli.
- Tex Colecção republica, por ordem cronológica, todas as histórias de Tex.
Guido Nolitta (argumento)
Aurelio Galleppini (desenho)
Mythos (Brasil, Março e Abril de 2007)
133 x 177 mm, 100 p., pb, brochado, mensal
Resumo
Esta aventura começa quando Jack Tigre e outro navajo regressam de uma viagem com cobertores e provisões para a tribo. Aproximam-se de um pequeno acampamento onde aparentemente são recebidos com hospitalidade mas rapidamente o grupo mata o indígena e espanca violentamente Tigre. No final, o chefe, uma personagem com a cara toda retalhada, que se intitula El Muerto, diz-lhe para transmitir um recado a Tex: se quer saber a razão do ataque, terá que se encontrar com ele no cemitério de Pueblo Feliz, daí a uma semana. Dias depois, uma diligência que transporta Kit Willer para se encontrar com o pai, é assaltada e o jovem baleado para transmitir o mesmo recado.
Tex não tem qualquer lembrança de se ter cruzado com a estranha personagem, mas dispõe-se a comparecer ao encontro.
Desenvolvimento
Considerada uma das melhores histórias de Tex, “El Muerto”, originalmente datada de Agosto/Setembro de 1976, faz jus à sua fama.
Como quase sempre acontece nestes casos, apresenta um Tex menos infalível – por isso mais humano – que tem que correr atrás dos acontecimentos, desconhecendo quem orquestra tudo e porque o faz. E dando a ideia que chega sempre um pouco tarde ou que não consegue virar o rumo aos acontecimentos, mesmo quando consegue antecipar os movimentos do seu misterioso adversário, como na chegada a Sunsetville. Nessa “falibilidade”, Tex vê os seus amigos serem feridos espancados ou mesmo mortos, sem conseguir inverter as situações, algo raro nas suas histórias.
Mesmo a forma como, a caminho do lugar do encontro final, consegue derrotar os capangas de El Muerto – apenas cinco… -, após a emboscada que eles lhe prepararam, precisando para isso da ajuda providencial de Tigre, apenas reforça esse (estranho e incomum) lado humano do ranger e cria mais expectativa para o duelo final, aumentando a estranha aura de El Muerto.
Este, é uma personagem bem delineada, um dos mais marcantes vilões que Tex enfrentou, não tanto pelos seus actos, mas pela forma como se impõe ao ranger quase até final. Um vilão movido por um insano (?) desejo de vingança, que nem as explicações do ranger, no cemitério, conseguem demover. O que só contribui para acentuar o seu lado trágico e, surpreendentemente, para lhe dar consistência e credibilidade.
A tensão acumulada ao longo das pranchas, aumenta ainda mais quando Tex e El Muerto finalmente se encontram cara a cara no cemitério que este escolheu para se desvendar e ao segredo que há anos carrega. De uma forma (invulgarmente) leal e correcta, posicionando-se no capítulo moral no patamar que (apenas) Tex costuma ocupar, o que reforça ainda mais o seu impacto. Só dessa forma, aliás, seria possível o longo flash-back, em que um e outro vão completando a história – e em que finalmente são desvendadas as razões que motivam o bandido.
E se a explicação é longa, que dizer do duelo final que ocupa três (demoradas) pranchas e finalmente possibilita o aliviar da tensão acumulada. Pelo menos para o leitor, porque Tex, se obtém o esperado resultado final, ainda precisa de se libertar dela contra o relógio que testemunhou o dramático confronto…
Guido Nolitta, construiu com mestria a trama, que prima em conduzir num crescendo, sem pontas soltas nem incongruências, encaixando nela perfeitamente a narrativa “antiga”, afastando quase completamente o Tex heróico e infalível que tantas vezes custa a “engolir”.
A seu lado, esteve um Galep na posse de todas as suas (muitas) qualidades, com um traço vibrante e dinâmico como sempre, especialmente detalhado e completamente à vontade cenários interiores ou nas paisagens do velho oeste, no retrato de homens ou animais, de cenas calmas ou de acção intensa.
A reter
- A manutenção do mistério da identidade de El Muerto ao longo de 130 das quase 200 páginas da narrativa.
- A forma como Tex é desta vez um peão na história, seguindo o curso dos acontecimentos, não o impondo como é habitual.
- A consistência e a credibilidade de El Muerto.
Menos conseguido
- A história ganharia ainda mais se a presença de Paço Ordoñez na fatídica cabana fosse revelada apenas no final da narrativa em flashback.
Curiosidade
- O Tex Colecção #242 (ainda) está disponível nas bancas portuguesas, devendo a edição seguinte chegar ainda durante este mês.
- Existe uma versão semi-animada desta banda desenhada que pode ser vista aqui (http://texwillerblog.com/wordpress/?p=7366).
- Guido Nolitta é pseudónimo de Sergio Bonelli.
- Tex Colecção republica, por ordem cronológica, todas as histórias de Tex.
(Texto publicado originalmente no Blog do Tex, a 13 de Janeiro de 2010)
Leituras relacionadas
Bonelli,
Galleppini,
Mythos,
Nolitta,
Tex
13/01/2010
Efeméride - Mickey Mouse, 80 anos aos quadradinhos
Há 80 anos, fazia a sua estreia na banda desenhada, em tiras diárias de carácter humorístico publicadas nos jornais, aquele que possivelmente é o rato mais famoso e conhecido de todos os tempos, Mickey Mouse.
Tudo começara cerca de um ano antes, com o filme animado “Steamboat Willie”, estreado a 28 de Novembro de 1928. Desde então, Mickey já protagonizara uma quinzena de desenhos animados, cujo sucesso comercial levaram a King Features Syndicate a sondar Walt Disney quanto à possibilidade de o transpor para tiras diárias.
Uma vez o acordo alcançado, Ub Iwerks, que participara na criação gráfica do rato e animara a curta-metragem inicial, foi encarregado de desenhar os quadradinhos, passados a tinta por Win Smith, a partir de argumentos do próprio Walt Disney. A primeira tira, publicada a 13 de Janeiro de 1930, intitulada “He’s going to learn to fly like Lindy.”, mostrava Mickey deitado num monte de feno a sonhar com viagens de avião, numa alusão a Charles Lindbergh, que fizera o primeiro voo transatlântico sem escalas três anos antes. Era a primeira de uma série de tiras que adaptavam livremente “Plane Crazy”, um filme da “pré-história” de Mickey.
De início auto-conclusivas, embora com sequência, e de carácter puramente humorístico, as histórias aos quadradinhos bebiam na animação muito do seu dinamismo e do seu espírito.
Mas poucas semanas decorridas, Iwerks, não sentindo reconhecimento por uma colaboração com mais de uma década, abandonaria os estúdios Disney. Floyd Gottfredson assumiria a BD em Abril desse ano e ficaria na história como “o desenhador” de Mickey por excelência, após desenhar mais de 15 mil tiras e pranchas dominicais, até se reformar, em 1975. Nelas, dotou Mickey com um espírito mais decidido, empreendedor e aventureiro e introduziu muitos dos heróis secundários que com ele geralmente contracenam , criando outros como Morty e Ferdie (Chiquinho e Francisquinho) ou Phantom Blot (Mancha Negra).
Mantendo algum paralelo em relação à animação, em que manteve o tom mais divertido, na BD Mickey evoluiu graficamente aproximando-se mais da figura humana, cresceu e desenvolveu-se, em histórias policiais, de mistério, aventura e ficção-científica, participou no esforço de guerra contra os nazis, encarnou personagens clássicas e históricas, reviveu filmes célebres, experimentou um sem-número de profissões, prolongando o sucesso dos anos 1930, considerados a sua idade de ouro nos comics. Para isso contribuiriam, entre muitos outros, grandes artistas como Al Taliaferro, Ted Osborne, Paul Murry, Romano Scarpa ou Giorgio Cavazzano.
Hoje, 80 anos depois, a banda desenhada Disney, cancelada em diversos países, há muito que deixou os seus tempos áureos, surgindo como raras excepções a Itália ou os países nórdicos (Finlândia, Dinamarca, Suécia). Talvez por isso, em Dezembro de 2008, a companhia anunciou a sua entrada na BD digital, com meia centena de histórias produzidas em Itália, para iPhone, iPod e PSP. Possivelmente a melhor forma de transmitir o humor, a aventura e a magia que Mickey levou a tantos leitores, a uma nova geração com hábitos diferentes mas a mesma necessidade de sonhar.
Curiosidade
Em 2008, a tira de 29 de Janeiro de 1930, autografada por Walt Disney, foi leiloada por quase 55 mil dólares (cerca de 38 000 €).
(Versão revista e aumentada do artigo publicado no Jornal de Notícias de 13 de Janeiro de 2010)
Uma vez o acordo alcançado, Ub Iwerks, que participara na criação gráfica do rato e animara a curta-metragem inicial, foi encarregado de desenhar os quadradinhos, passados a tinta por Win Smith, a partir de argumentos do próprio Walt Disney. A primeira tira, publicada a 13 de Janeiro de 1930, intitulada “He’s going to learn to fly like Lindy.”, mostrava Mickey deitado num monte de feno a sonhar com viagens de avião, numa alusão a Charles Lindbergh, que fizera o primeiro voo transatlântico sem escalas três anos antes. Era a primeira de uma série de tiras que adaptavam livremente “Plane Crazy”, um filme da “pré-história” de Mickey.
De início auto-conclusivas, embora com sequência, e de carácter puramente humorístico, as histórias aos quadradinhos bebiam na animação muito do seu dinamismo e do seu espírito.
Mas poucas semanas decorridas, Iwerks, não sentindo reconhecimento por uma colaboração com mais de uma década, abandonaria os estúdios Disney. Floyd Gottfredson assumiria a BD em Abril desse ano e ficaria na história como “o desenhador” de Mickey por excelência, após desenhar mais de 15 mil tiras e pranchas dominicais, até se reformar, em 1975. Nelas, dotou Mickey com um espírito mais decidido, empreendedor e aventureiro e introduziu muitos dos heróis secundários que com ele geralmente contracenam , criando outros como Morty e Ferdie (Chiquinho e Francisquinho) ou Phantom Blot (Mancha Negra).
Mantendo algum paralelo em relação à animação, em que manteve o tom mais divertido, na BD Mickey evoluiu graficamente aproximando-se mais da figura humana, cresceu e desenvolveu-se, em histórias policiais, de mistério, aventura e ficção-científica, participou no esforço de guerra contra os nazis, encarnou personagens clássicas e históricas, reviveu filmes célebres, experimentou um sem-número de profissões, prolongando o sucesso dos anos 1930, considerados a sua idade de ouro nos comics. Para isso contribuiriam, entre muitos outros, grandes artistas como Al Taliaferro, Ted Osborne, Paul Murry, Romano Scarpa ou Giorgio Cavazzano.
Hoje, 80 anos depois, a banda desenhada Disney, cancelada em diversos países, há muito que deixou os seus tempos áureos, surgindo como raras excepções a Itália ou os países nórdicos (Finlândia, Dinamarca, Suécia). Talvez por isso, em Dezembro de 2008, a companhia anunciou a sua entrada na BD digital, com meia centena de histórias produzidas em Itália, para iPhone, iPod e PSP. Possivelmente a melhor forma de transmitir o humor, a aventura e a magia que Mickey levou a tantos leitores, a uma nova geração com hábitos diferentes mas a mesma necessidade de sonhar.
Curiosidade
Em 2008, a tira de 29 de Janeiro de 1930, autografada por Walt Disney, foi leiloada por quase 55 mil dólares (cerca de 38 000 €).
(Versão revista e aumentada do artigo publicado no Jornal de Notícias de 13 de Janeiro de 2010)
Leituras relacionadas
Disney,
Efeméride,
Mickey Mouse
Lançamentos ASA 2010
A ASA prevê lançar no nosso país durante 2010 os primeiros tomos de “Dragon Ball”, de Akira Toryiama (ainda no primeiro semestre), “Yu-Gi-Oh”, de Kazuki , e “AstroBoy” e “A Princesa e o Cavaleiro”, ambos criações de Osamu Tezuka, o “pai” do manga (BD japonesa) moderno.
Até agora a editora apenas lançara manga de origem norte-americana - como "Warcraft Legends", cujo segundo tomo fica disponível ainda este mês -, dada a grande dificuldade em negociar com as editoras nipónicas tiragens tão pequenas como são as portuguesas. Conforme revelou ao Jornal de Notícias a Drª Maria José Pereira, responsável pelo departamento de BD da ASA, estas edições seguirão o formato original “Tankobon”, a preto e branco, com cerca de 200 páginas por volume e sentido de leitura japonês, ou seja, do fim para o princípio e da direita para a esquerda, e permitirão finalmente descobrir em português títulos relevantes de um género que chegou ao Ocidente há cerca de 20 anos e que detém quotas de mercado na ordem dos 40 % na França, Espanha, Alemanha ou Estados Unidos.
Mas não só de manga viverá o catálogo de BD da editora, que já este mês, com “Mú”, acolherá uma nova colecção de "Corto Maltese", a grande criação de Hugo Pratt, a cores, com novas introduções e num formato ligeiramente inferior ao habitual. Ainda sem data definida continua o início da edição integral das aventuras de Tintin, de Hergé, com nova tradução.
Contrariando uma das principais críticas desde sempre feitas à edição de BD em Portugal, a ASA propõe-se concluir - ou pelo menos continuar - este ano quatro das séries que tem em curso: “Passageiros do Vento”, de Bourgeon (com a chegada às livrarias, ainda em Janeiro, do sétimo volume “A menina de Bois-Caiman #2”), “Bórgia”, de Jodorowsky e Manara (com dois tomos em 2010), “A Teoria do Grão de Areia – vol. 2”, de Schuiten e Peeters, e “Murena”, de Dufaux e Delaby, e continuar com algumas séries do seu catálogo como Lucky Luke ou Dilbert.
(Versão revista e aumentada do texto publicado originalmente no Jornal de Notícias de 12 de Janeiro de 2010)
Mas não só de manga viverá o catálogo de BD da editora, que já este mês, com “Mú”, acolherá uma nova colecção de "Corto Maltese", a grande criação de Hugo Pratt, a cores, com novas introduções e num formato ligeiramente inferior ao habitual. Ainda sem data definida continua o início da edição integral das aventuras de Tintin, de Hergé, com nova tradução.
Contrariando uma das principais críticas desde sempre feitas à edição de BD em Portugal, a ASA propõe-se concluir - ou pelo menos continuar - este ano quatro das séries que tem em curso: “Passageiros do Vento”, de Bourgeon (com a chegada às livrarias, ainda em Janeiro, do sétimo volume “A menina de Bois-Caiman #2”), “Bórgia”, de Jodorowsky e Manara (com dois tomos em 2010), “A Teoria do Grão de Areia – vol. 2”, de Schuiten e Peeters, e “Murena”, de Dufaux e Delaby, e continuar com algumas séries do seu catálogo como Lucky Luke ou Dilbert.
(Versão revista e aumentada do texto publicado originalmente no Jornal de Notícias de 12 de Janeiro de 2010)
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12/01/2010
Le Fils
Colecção écritures
Ren Zheng-Hua
Casterman (França, Maio de 2007)
174 x 240 mm, 126 p., pb, brochado com badanas
E pronto, depois dos manga (BD japonesa) e dos manhwa (bd coreana), marcam também já presença no mercado franco-belga os manhua (BD chinesa). Ou, no caso presente, quase, porque a autora de "Le Fils", Ren Zheng-Hua, nasceu em Taiwan, que em termos políticos não é exactamente China, embora para a questão da designação isso não seja relevante.
Graficamente esta obra segue as linhas mestras das bandas desenhadas asiáticas, com um traço realista, fino e expressivo, representando parte das personagens mais próximos do modelo ocidental do que da imagem de marca dos manga, embora estas também existam e a autora utilize também o recurso a traço caricatural para representar estados de espírito mais exaltados.
"Le Fils" tem por fundo a eterna questão do triângulo amoroso, em dose dupla pois, de certa forma, são dois os triângulos amorosos que estão na origem de tudo o que se passa nesta banda desenhada pausada, de ritmo lento, em que vamos descobrindo o íntimo dos protagonistas à medida que a narração avança e vamos percebendo o que os condiciona - e há tantas condicionantes nesta história!
Como cenário da acção, a China dos anos 30, mesmo antes de começar a guerra que iria travar com o Japão. Uma China tradicionalista e apegada às convenções sociais - que impunham casamentos combinados e davam importância suprema ao facto de o primeiro filho ser varão (o contrário era motivo suficiente para divórcio!) - que parecem estranhas aos nossos olhos ocidentais, mas que têm princípios que também fizeram lei nesta nossa Europa, embora as épocas fossem outras.
São essas convenções sociais que vão interferir na relação de Yuan Qin, um jovem estudante, de férias (contra sua vontade) na sua cidade natal, onde reencontra a sua amiga de infância Xiao Yu, que sempre foi (ou quis ser) mais do que isso, o que Yuan só agora vai percebendo, descobrindo sentimentos recíprocos em si próprio. Só que Yuan tem na cidade onde estuda uma amante, Linda, a filha do director da sua escola, cujo nível social e de educação é bem mais aproximado do de Yuan. Perdido entre razões sociais, morais e de coração, Yuan apercebe-se aos poucos que está a viver uma situação semelhante à dos pais que despreza (porque até agora não compreendia), sem que isso, no entanto, o ajude na tomada de decisão que tem de fazer, sendo o desfecho o menos importante deste drama familiar, com uma forte componente psicológica, de contornos universais, mesmo nos dias de hoje.
(Versão revista e actualizada do texto originalmente publicado no BDJornal #19 de Junho/Julho de 2007)
Ren Zheng-Hua
Casterman (França, Maio de 2007)
174 x 240 mm, 126 p., pb, brochado com badanas
E pronto, depois dos manga (BD japonesa) e dos manhwa (bd coreana), marcam também já presença no mercado franco-belga os manhua (BD chinesa). Ou, no caso presente, quase, porque a autora de "Le Fils", Ren Zheng-Hua, nasceu em Taiwan, que em termos políticos não é exactamente China, embora para a questão da designação isso não seja relevante.
Graficamente esta obra segue as linhas mestras das bandas desenhadas asiáticas, com um traço realista, fino e expressivo, representando parte das personagens mais próximos do modelo ocidental do que da imagem de marca dos manga, embora estas também existam e a autora utilize também o recurso a traço caricatural para representar estados de espírito mais exaltados.
"Le Fils" tem por fundo a eterna questão do triângulo amoroso, em dose dupla pois, de certa forma, são dois os triângulos amorosos que estão na origem de tudo o que se passa nesta banda desenhada pausada, de ritmo lento, em que vamos descobrindo o íntimo dos protagonistas à medida que a narração avança e vamos percebendo o que os condiciona - e há tantas condicionantes nesta história!
Como cenário da acção, a China dos anos 30, mesmo antes de começar a guerra que iria travar com o Japão. Uma China tradicionalista e apegada às convenções sociais - que impunham casamentos combinados e davam importância suprema ao facto de o primeiro filho ser varão (o contrário era motivo suficiente para divórcio!) - que parecem estranhas aos nossos olhos ocidentais, mas que têm princípios que também fizeram lei nesta nossa Europa, embora as épocas fossem outras.
São essas convenções sociais que vão interferir na relação de Yuan Qin, um jovem estudante, de férias (contra sua vontade) na sua cidade natal, onde reencontra a sua amiga de infância Xiao Yu, que sempre foi (ou quis ser) mais do que isso, o que Yuan só agora vai percebendo, descobrindo sentimentos recíprocos em si próprio. Só que Yuan tem na cidade onde estuda uma amante, Linda, a filha do director da sua escola, cujo nível social e de educação é bem mais aproximado do de Yuan. Perdido entre razões sociais, morais e de coração, Yuan apercebe-se aos poucos que está a viver uma situação semelhante à dos pais que despreza (porque até agora não compreendia), sem que isso, no entanto, o ajude na tomada de decisão que tem de fazer, sendo o desfecho o menos importante deste drama familiar, com uma forte componente psicológica, de contornos universais, mesmo nos dias de hoje.
(Versão revista e actualizada do texto originalmente publicado no BDJornal #19 de Junho/Julho de 2007)
11/01/2010
Blake & Mortimer – A Maldição dos 30 denários T.1
Jean Van Hamme (argumento)
René Sterne e Chantal De Spiegeleer (desenho)
ASA (Portugal, Novembro de 2009)
240 x 320 mm, 56 p. cor, cartonado
Cada novo “regresso” de Blake e Mortimer – e com este já são seis, quase tantas quantas as oito aventuras que Jacobs criou – tem que obrigatoriamente passar pelo crivo da comparação com os originais. Que é medida apertada ou não fosse esta uma das séries de referência da banda desenhada realista de aventuras franco-belga e um dos grandes clássicos dos quadradinhos mundiais. Apesar de Edgar P. Jacobs, o seu (idolatrado) criador, até ter algumas limitações enquanto autor de BD, em especial no que diz respeito à dinâmica do seu traço e à interligação texto/desenho, que muitas vezes é repetitiva. Por isso, nalguns casos, histórias interessantes e bem contadas, são desvalorizadas pela comparação e outras diminuídas por não serem cem por cento fiéis ao modelo.
O mesmo se passou/vai passar com este álbum - editado em Portugal simultaneamente com a edição original francesa – que na sua origem até tem um pretexto bem interessante, alicerçado na tradição judaico-cristão: a pretensa descoberta dos 30 denários que terão sido pagos a Judas Iscariotes por ter traído Jesus Cristo. O acontecimento, leva o professor Mortimer até à Grécia, onde reencontrará o coronel Olrik, seu inimigo de sempre, na busca pelas preciosas moedas às quais parece associada uma maldição, à semelhança do que acontecia com a arca perdida de Indiana Jones… E que, patente no titulo do álbum, parece ter-se transmitido à sua génese: primeiro com Ted Bênoit, que desenhou “O caso Francis Blake” e “O Estranho Encontro” a declinar continuar associado às sucessivas ressurreições de Blake e Mortimer; depois com René Sterne, o seu sucessor, a demorar quase dois anos para desenhar as primeiras 29 pranchas devido ao seu extremo rigor e perfeccionismo; finalmente, com a sua morte súbita, em 2006, a provocar novo atraso.
Como resultado, se se nota um esforço de aproximação ao traço de Jacobs no que diz respeito às personagens principais, noutras, como o pastor das primeiras pranchas ou Eleni – mais uma mulher, secundária, na série… - têm indiscutivelmente a assinatura gráfica de Sterne. Mas é no tratamento dos fundos e cenários, mais sóbrios e menos pormenorizados, que o distanciamento em relação a Jacobs é maior, em especial na segunda metade do álbum, que foi concluído pela sua esposa, Chantal De Spiegeleer, que também denota algumas dificuldades no tratamento das cenas de acção.
Quanto à narrativa em si, Jean Van Hamme, com a mestria que se lhe reconhece, construiu-a de forma consistente e envolvente, com os diversos momentos a encadearem-se a bom ritmo, fazendo a ponte entre os diferentes locais da acção, que decorre num crescendo moderado, equilibrando cenas mais dinâmicas com outras mais paradas em que vai contextualizando o enredo. E em que, a par da colagem ao mítico “O Mistério da Grande Pirâmide”, apresenta aspectos originais como a exploração da lenda relacionada com a falha do suicídio de Judas, o envolvimento de uma organização nazi e a dialéctica razão/fé implícita na trama. Resta esperar pela conclusão no segundo tomo, que está a ser desenhada pelo desconhecido Aubin Frechon, para avaliar se Van Hamme consegue conciliar todos estes aspectos de forma satisfatória.
René Sterne e Chantal De Spiegeleer (desenho)
ASA (Portugal, Novembro de 2009)
240 x 320 mm, 56 p. cor, cartonado
Cada novo “regresso” de Blake e Mortimer – e com este já são seis, quase tantas quantas as oito aventuras que Jacobs criou – tem que obrigatoriamente passar pelo crivo da comparação com os originais. Que é medida apertada ou não fosse esta uma das séries de referência da banda desenhada realista de aventuras franco-belga e um dos grandes clássicos dos quadradinhos mundiais. Apesar de Edgar P. Jacobs, o seu (idolatrado) criador, até ter algumas limitações enquanto autor de BD, em especial no que diz respeito à dinâmica do seu traço e à interligação texto/desenho, que muitas vezes é repetitiva. Por isso, nalguns casos, histórias interessantes e bem contadas, são desvalorizadas pela comparação e outras diminuídas por não serem cem por cento fiéis ao modelo.
O mesmo se passou/vai passar com este álbum - editado em Portugal simultaneamente com a edição original francesa – que na sua origem até tem um pretexto bem interessante, alicerçado na tradição judaico-cristão: a pretensa descoberta dos 30 denários que terão sido pagos a Judas Iscariotes por ter traído Jesus Cristo. O acontecimento, leva o professor Mortimer até à Grécia, onde reencontrará o coronel Olrik, seu inimigo de sempre, na busca pelas preciosas moedas às quais parece associada uma maldição, à semelhança do que acontecia com a arca perdida de Indiana Jones… E que, patente no titulo do álbum, parece ter-se transmitido à sua génese: primeiro com Ted Bênoit, que desenhou “O caso Francis Blake” e “O Estranho Encontro” a declinar continuar associado às sucessivas ressurreições de Blake e Mortimer; depois com René Sterne, o seu sucessor, a demorar quase dois anos para desenhar as primeiras 29 pranchas devido ao seu extremo rigor e perfeccionismo; finalmente, com a sua morte súbita, em 2006, a provocar novo atraso.
Como resultado, se se nota um esforço de aproximação ao traço de Jacobs no que diz respeito às personagens principais, noutras, como o pastor das primeiras pranchas ou Eleni – mais uma mulher, secundária, na série… - têm indiscutivelmente a assinatura gráfica de Sterne. Mas é no tratamento dos fundos e cenários, mais sóbrios e menos pormenorizados, que o distanciamento em relação a Jacobs é maior, em especial na segunda metade do álbum, que foi concluído pela sua esposa, Chantal De Spiegeleer, que também denota algumas dificuldades no tratamento das cenas de acção.
Quanto à narrativa em si, Jean Van Hamme, com a mestria que se lhe reconhece, construiu-a de forma consistente e envolvente, com os diversos momentos a encadearem-se a bom ritmo, fazendo a ponte entre os diferentes locais da acção, que decorre num crescendo moderado, equilibrando cenas mais dinâmicas com outras mais paradas em que vai contextualizando o enredo. E em que, a par da colagem ao mítico “O Mistério da Grande Pirâmide”, apresenta aspectos originais como a exploração da lenda relacionada com a falha do suicídio de Judas, o envolvimento de uma organização nazi e a dialéctica razão/fé implícita na trama. Resta esperar pela conclusão no segundo tomo, que está a ser desenhada pelo desconhecido Aubin Frechon, para avaliar se Van Hamme consegue conciliar todos estes aspectos de forma satisfatória.
Curiosidade
- A edição portuguesa encontra-se disponível em duas capas diferentes; a mostrada no início deste post, é igual à da edição original francófona; a outra, exclusiva das lojas FNAC e que foi desenhada propositadamente para o nosso mercado, pode ser vista aqui.
(Versão revista e aumentada do artigo publicado originalmente a 9 de Janeiro de 2010, na secção de Livros do suplemento In’ da revista NS, distribuída aos sábados com o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias)
(Versão revista e aumentada do artigo publicado originalmente a 9 de Janeiro de 2010, na secção de Livros do suplemento In’ da revista NS, distribuída aos sábados com o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias)
Leituras relacionadas
ASA,
Blake e Mortimer,
De Spiegeleer,
Sterne,
Van Hamme
08/01/2010
Noir Metal
Xavier Bétaucourt (argumento)
Jean-Luc Loyer (desenho)
Delcourt (França, Março de 2006)
205 x 265 p., 110 p., cor, brochado com badanas
O ponto de partida deste livro é o fecho, em Janeiro de 2003, da Metaleurop, uma grande fundição de não-ferrosos (essencialmente chumbo), no Pas-de-Calais, no Norte da França. Dois meses depois, está o conflito social no seu auge, com os operários a lutarem, impotentes, contra o facto consumado, os autores deslocam-se às instalações da fábrica para prepararem um documentário sobre o processo que levou ao encerramento. Um documentário aos quadradinhos.
E o documentário em papel funciona, com a apresentação do tema a decorrer de forma fluida, ao ritmo a que os autores/entrevistadores despoletam os diálogos que nos vão narrando como tudo se passou - como as coisas se passam tantas vezes, numa rede de silêncios, cumplicidades, subornos e corrupção - num tom cordial, mas que não apaga a imensa crueldade afecta a todo o processo. E chegam mesmo a "emprestar da TV" técnicas que já conhecemos, para manter o anonimato das fontes, como na bem conseguida sequência das páginas 62-64.
O seu prólogo - que vai traçando em paralelo como o "Dia D", aquele em que o fecho de MetalEurop foi decidido, foi vivido pelos diversos interessados - pode enganar pois tudo é narrado como se de simples fait-divers se tratasse, mas esta é afinal uma denúncia da forma como hoje em dia se fecham empresas - grandes empresas - ignorando os trabalhadores - "esmagados como se fossem formigas". Porque este não é um documentário isento - algum, alguma vez, é? - antes dá voz aos que normalmente não a têm e vão mostrando os diversos podres da administração: a forma desumana como os trabalhadores eram tratados; o roubo encenado de 1,5 milhões de euros em ouro - um subproduto do local - nas vésperas do encerramento; o abandono das práticas regulares de manutenção, para provocar o encerramento por falta de condições; a teia de subornos e corrupções estabelecida, que ia das autoridades, cúmplices surdas e mudas, conhecedoras de que a empresa reconhecidamente envenenava o ar, a terra e toda a região numa área de 45 km2 (!), mas ignorando-o pois ela garantia também a sobrevivência económica de toda aquela zona, ao veterinário e aos agricultores, para fecharem os olhos aos animais que morriam e aos legumes que não se desenvolviam, até aos operários, cuja saúde e dos seus era comprada à custa de "esmolas" como pinturas de automóveis, para manterem aquele que era o seu ganha-pão. Tudo isto perante uma realidade indesmentível: na região, a taxa de envenenamento por chumbo nas crianças rondava os 27 %. Mas, como diz uma testemunha-sombra, "era o envenenador que fazia viver a região!".
Sobram dois senãos: o simpático traço linha clara de Loyer - quão mais indicado era o utilizado na capa - que atenua o dramatismo do relato, despojando-o de parte importante da sua carga emotiva, e só ter sido publicado três anos após o fecho da Metaleurop, tempo demasiado para produção de um documentário com estas características, mesmo em BD. Numa altura em que 300 operários ainda não tinham arranjado emprego e 13 já se tinham suicidado...
(Versão revista e actualizada do texto originalmente publicado no BDJornal #14 de Agosto/Setembro de 2008)
Jean-Luc Loyer (desenho)
Delcourt (França, Março de 2006)
205 x 265 p., 110 p., cor, brochado com badanas
O ponto de partida deste livro é o fecho, em Janeiro de 2003, da Metaleurop, uma grande fundição de não-ferrosos (essencialmente chumbo), no Pas-de-Calais, no Norte da França. Dois meses depois, está o conflito social no seu auge, com os operários a lutarem, impotentes, contra o facto consumado, os autores deslocam-se às instalações da fábrica para prepararem um documentário sobre o processo que levou ao encerramento. Um documentário aos quadradinhos.
E o documentário em papel funciona, com a apresentação do tema a decorrer de forma fluida, ao ritmo a que os autores/entrevistadores despoletam os diálogos que nos vão narrando como tudo se passou - como as coisas se passam tantas vezes, numa rede de silêncios, cumplicidades, subornos e corrupção - num tom cordial, mas que não apaga a imensa crueldade afecta a todo o processo. E chegam mesmo a "emprestar da TV" técnicas que já conhecemos, para manter o anonimato das fontes, como na bem conseguida sequência das páginas 62-64.
O seu prólogo - que vai traçando em paralelo como o "Dia D", aquele em que o fecho de MetalEurop foi decidido, foi vivido pelos diversos interessados - pode enganar pois tudo é narrado como se de simples fait-divers se tratasse, mas esta é afinal uma denúncia da forma como hoje em dia se fecham empresas - grandes empresas - ignorando os trabalhadores - "esmagados como se fossem formigas". Porque este não é um documentário isento - algum, alguma vez, é? - antes dá voz aos que normalmente não a têm e vão mostrando os diversos podres da administração: a forma desumana como os trabalhadores eram tratados; o roubo encenado de 1,5 milhões de euros em ouro - um subproduto do local - nas vésperas do encerramento; o abandono das práticas regulares de manutenção, para provocar o encerramento por falta de condições; a teia de subornos e corrupções estabelecida, que ia das autoridades, cúmplices surdas e mudas, conhecedoras de que a empresa reconhecidamente envenenava o ar, a terra e toda a região numa área de 45 km2 (!), mas ignorando-o pois ela garantia também a sobrevivência económica de toda aquela zona, ao veterinário e aos agricultores, para fecharem os olhos aos animais que morriam e aos legumes que não se desenvolviam, até aos operários, cuja saúde e dos seus era comprada à custa de "esmolas" como pinturas de automóveis, para manterem aquele que era o seu ganha-pão. Tudo isto perante uma realidade indesmentível: na região, a taxa de envenenamento por chumbo nas crianças rondava os 27 %. Mas, como diz uma testemunha-sombra, "era o envenenador que fazia viver a região!".
Sobram dois senãos: o simpático traço linha clara de Loyer - quão mais indicado era o utilizado na capa - que atenua o dramatismo do relato, despojando-o de parte importante da sua carga emotiva, e só ter sido publicado três anos após o fecho da Metaleurop, tempo demasiado para produção de um documentário com estas características, mesmo em BD. Numa altura em que 300 operários ainda não tinham arranjado emprego e 13 já se tinham suicidado...
(Versão revista e actualizada do texto originalmente publicado no BDJornal #14 de Agosto/Setembro de 2008)
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