25/04/2010

Adolfo Simões Müller, um homem dos (setenta e) sete instrumentos

Lisboeta, nascido a 18 de Agosto de 1909 – o centenário passou de forma discreta há menos de um ano… - Adolfo Simões Müller, depois de ter frequentado o curso de medicina, foi jornalista, pedagogo, dramaturgo, produtor de programas radiofónicos e director do gabinete de estudos da Emissora Nacional. E também tradutor, adaptador, poeta e prosador, autor de mais de sete dezenas de obras infanto-juvenis (como Caixinha de Brinquedos e O Feiticeiro da Cabana Azul, galardoadas com o Prémio Nacional de Literatura Infantil em 1937 e 1942, respectivamente), folhetins radiofónicos, inúmeras adaptações de clássicos da literatura, romanceador de biografias de figuras de referência da nossa História, assim como de vultos da Humanidade. Para além disso, foi também argumentista de BD, colaborando com muitos dos autores que passaram pelas revistas que dirigiu, merecendo lugar de destaque as suas parcerias com Fernando Bento. Também por isso, é um dos nomes fundamentais do jornalismo infanto-juvenil em Portugal das décadas de 1930 a 1970, onde deixou marcas profundas como director de O Papagaio (1935), onde estreou Tintin, Diabrete (1941), Cavaleiro Andante (1952), Falcão (1958), Foguetão (1961), onde publicou Tintin au Tibet na versão original francesa, com a tradução em rodapé (!) e apresentou Astérix pela primeira vez (a preto e branco) aos leitores portugueses, ou Zorro (1962).
Recebeu o Grande Prémio da Literatura Infantil da Fundação Calouste Gulbenkian pelo conjunto da sua obra, em 1982 e viria a falecer a 17 de Abril de 1989 tendo, um ano depois, a Editorial Verbo instituído um prémio com o seu nome, para homenagear a sua memória e estimular a revelação de novos autores.

(Texto publicado no dia 17 de Abril de 2010 na revista NS, distribuída ao sábado com o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias)

Há 75 anos voava O Papagaio

No passado domingo, passaram 75 anos sobre o lançamento de O Papagaio, revista que, juntamente com o Mosquito, Mundo de Aventuras, Diabrete, ou Cavaleiro Andante, formou e fez sonhar muitas gerações portuguesas ao longo de décadas.
Foi a 18 de Abril de 1935 que O Papagaio abriu pela primeira vez, se não as suas asas, pelo menos as suas páginas às mãos e olhos ávidos dos miúdos a quem a revista se destinava, como se lia por baixo do seu cabeçalho, ao lado do qual também estava o preço – elevado para a época - de 1$00. No interior desse número inaugural – como durante o resto da sua vida, onde nunca ocupou mais de um terço das páginas - a banda desenhada – então chamada histórias aos quadradinhos pois o francesismo só entraria em uso décadas depois – era pouca, limitada a uma prancha de Tom (Thomaz de Melo, um dos responsáveis pela capa e pelo grafismo atraente da novel publicação), intitulada “Sabichão em calças pardas”, e meia prancha de Stuart Carvalhais, com os seus Quim e Manecas. Nas suas páginas, a preto e branco, uma ou várias cores, a prioridade era dada a contos, curiosidades, passatempos e concursos, tudo com um forte pendor didáctico e formativo, algo perfeitamente normal na época.
Publicação católica, semanal, com saída às quintas-feiras, propriedade da Renascença, tinha como director um dos maiores nomes que o jornalismo infanto-juvenil português conheceu, Adolfo Simões Müller.
A revista viria a durar 722 números, com altos e baixos, como é incontornável, e dela ficou como principal imagem de marca ter servido de modelo a muitos dos títulos infanto-juvenis lançados nos anos seguintes e o ter publicado – como estreia fora da francofonia e pela primeira vez a cores em todo o mundo – as aventuras de um certo Tintin. Hergé, o seu autor, no entanto, seria um dos poucos autores estrangeiros publicados em O Papagaio, juntamente com Jacobsson, Urátegui, Gordillo, Walter Booth e poucos mais, uma vez que a aposta principal de Müller foi sempre para os autores nacionais, alguns dos quais começaram ainda adolescentes nas suas páginas. Foi o caso de José Ruy, hoje um veterano, especialista em temas históricos, e o autor português com mais álbuns editados, que lá publicou as suas primeiras histórias aos quadradinhos quando contava apenas 14 anos, curiosamente todas no domínio da ficção.
Outros nomes nacionais que desempenharam um papel significativo no sucesso de O Papagaio, para além do já citado Tom, foram José de Lemos (responsável por toda a parte gráfica, após a saída daquele), Arcindo Moreira, Meco ou Rodrigues Neves. Mas, afirmam João Paiva Boléo e Carlos Bandeiras Pinheiro em “A Banda Desenhada Portuguesa 1914-1945” (Fundação Calouste Gulbenkian, 1997), deve-se aos irmãos Sérgio Luiz e Guy Manuel, precocemente desaparecidos, “a mais imorredoira criação de O Papagaio”, o Boneco Rebelde, protagonista de quatro aventuras.
Como casos peculiares há que citar ainda José Viana, o actor e humorista, autor de diversas bandas desenhadas de crítica de costumes, e Júlio Resende, hoje pintor de renome, então animador das festas e das emissões radiofónicas e criador do “emblemático Fagundes Arrepiado” que, escrevem Boléo e Pinheiro, revelava “um humor subtil e desconcertante, inteligente e invulgar, com uma originalidade que lhe vem de uma ironia natural”, e que também engrossaram, com engenho e mérito, o número de colaboradores da publicação. Por ela passariam ainda, embora de forma breve, nomes depois consagrados da 9ª arte nacional como Artur Correia, Vítor Péon ou José Garcês.
Com o modelo consolidado, apoiado também em separatas com banda desenhada ou construções de armar, concursos variados, no incentivo à correspondência por parte dos leitores e num programa radiofónico que alcançou grande sucesso, Simões Müller sairia no número 302, para dirigir o novo “concorrente” Diabrete, sendo o cargo de director assumido sucessivamente por Artur Bivar, José Rosa Ferreira e Laurinda Borges Magalhães.
Se, consensualmente, os primeiros cinco anos foram os melhores, os últimos foram de natural declínio, provocado também pelo aparecimento de novas propostas de uma concorrência forte (Mosquito e Diabrete), tendo O Papagaio, enquanto publicação autónoma, calado a sua voz a 10 de Fevereiro de 1949, 14 anos mais tarde, no nº 722. Teria ainda uma segunda vida, como secção da revista Flama, durante 96 números, até 9 de Fevereiro de 1951, mas já sem grande relevância.
“No período final”, escreve António Dias de Deus em “Os Comics em Portugal – uma história da banda desenhada” (Livros Cotovia, 1997) O Papagaio “era um semanário que (…) chegava pontualmente a casa dos paizinhos assinantes, que pretendiam uma sólida formação moral para os seus rebentos. Às escondidas os miúdos iam ler “O Mosquito” emprestado…”
Eram sinais d(e nov)os tempos que O Papagaio tinha ajudado a preparar.

(Texto publicado no dia 17 de Abril de 2010 na revista NS, distribuída ao sábado com o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias)

24/04/2010

BD para Ver - Fernando Bento em Moura



Hoje, sábado, às 18h, é inaugurada em Moura uma Exposição Comemorativa do Centenário de Fernando Bento, um dos maiores nomes dos quadradinhos portugueses.
A mostra, patente até 2 de Maio no Cine-Teatro Caridade, está integrada na XXX Feira do Livro da cidade e é organizada pela Câmara local, pelo GBS - Grupo Bedéfilo Sobredense e pelo GICAV - Grupo de Intervenção e Criatividade Artística de Viseu, devendo, por isso, ser apresentada depois no Solar dos Zagallos, na Sobreda, de 25 a 27 de Junho, e em Viseu, na Casa das Artes, na primeira quinzena de Outubro.
Na ocasião será apresentado um número especial dos Cadernos de Moura, com a reedição de “Moby Dick”, na versão aos quadradinhos que Fernando Bento fez do clássico de Herman Melville, originalmente publicada no Cavaleiro Andante, entre Fevereiro e Julho de 1960.
Fernando Bento, que nasceu a 26 de Outubro de 1910, começou a sua carreira aos quadradinhos em 1938, na secção infantil do jornal República, tendo depois passado por inúmeras outras publicações, com destaque para as revistas Diabrete e Cavaleiro Andante, de que foi um dos pilares. Com um traço personalizado, ágil e dinâmico, ficaram famosas as adaptações que fez, a solo ou a partir de argumentos de Adolfo Simões Müller, de episódios da História nacional ou de clássicos da literatura, destacando-se obras como “A Ilha do Tesouro” (1947), “As Mil e Uma Noites” (1948), “As Minas de Salomão”, “Serpa Pinto” (ambos de 1951), “Beau Geste” (152) ou “Quintino Durward” (1955).
Viria a falecer a 14 de Setembro de 1996, em Lisboa, cidade que deu o seu nome a uma das suas ruas, em 1999. Em Novembro desse ano, a revista “Selecções BD” (2ª série) iniciou a publicação da sua última banda desenhada, “Regresso à Ilha do Tesouro”, a partir de um argumento de Jorge Magalhães, de que não chegou a desenhar as últimas pranchas e que deixou apenas semi-colorida.

(Versão revista e alargada do texto publicado no Jornal de Notícias de 24 de Abril de 2010)

23/04/2010

Alix – Garra Negra

Jacques Martin (argumento e desenho)
ASA + Público (Portugal, Abril de 2010)
294 x 220 mm, 64 p., cor, brochado com badanas


Resumo

O aparecimento sucessivo de vários nobres romanos paralisados, sem conseguirem falar e vítimas de estranhas feridas, leva Alix, de passagem por Pompeia, a investigar o caso, convencido de que existe mão humana por detrás dos estranhos casos.

Desenvolvimento
Penso que é pacífico afirmar que este álbum marca um ponto de viragem nas aventuras de Alix, após quatro histórias que parecem ter sido escritas ao mesmo tempo que eram desenhadas (embora o álbum anterior, A Tiara de Oribal, já tenha um argumento mais consistente), recheadas de incoerências e situações pouco credíveis. A começar logo na forma como Alix passa rapidamente de escravo a protegido de César. Ou no modo como se desloca velozmente por todo o império romano, encontrando-se sempre face a face com Arbacés, que surge na série como “um inimigo de estimação”, “à la Olrik”.
Em Garra Negra, Martin começa a revelar-se o argumentista exigente que fez a sua fama – a par da sua proverbial minúcia e fidelidade ao contexto histórico que o seu herói frequenta – introduzindo na narrativa uma dimensão trágica, até aí quase ausente.
Que começa por se revelar nos acontecimentos que a despoletam, e que depois surge em pleno, primeiro, na forma como Ícara foi destruída, com base em mal-entendidos – que no entanto mostram como tantas vezes os interesses económicos ou políticos se sobrepõem ao bom senso e à razão – e, depois, no desfecho final com Alix (quase completamente) derrotado e impotente face aos acontecimentos. Como aliás já acontecera na fase inicial do álbum. O que contribuiu para o dotar de uma faceta mais humana até aí pouco visível na série.
Mas nada disto invalida que esta seja mais uma aventura que decorre em bom ritmo, apesar de Martin nunca ter sido poupado nos textos...), recheada de situações inesperadas e complicadas para Alix, em que defronta um adversário à sua altura e até condimentada com um toque de sobrenatural que surpreende no contexto histórico rigoroso.

É verdade que algumas das inconsistências referidas voltam a surgir na parte do relato que decorre na selva, onde os factores aventura e acção voltam a tomar as rédeas, com alguns excessos, mas que são desculpáveis face à dimensão trágica de que se reveste o episódio, sem dúvida um clássico a (re)ler.

A reter
- A edição, que mais uma vez permite levar aos leitores bons livros (considerando a obra e o objecto) a preços acessíveis. O que torna incompreensível porque se levantam tantas vozes contra estas parcerias. O que não invalida que, tendo sido seguido o modelo habitual nestas edições entre o Público e a ASA, desta vez não pudesse ter sido contemplada a capa dura, sem numeração, que permitiria “combinar” melhor os actuais 16 volumes com os outros já editados a solo pela ASA.

- O facto de quer Alix, quer o seu adversário (pelo menos na sua boa-fé) terem razões válidas para as acções que levam a cabo.

Menos conseguido
- Alguém acredita, mesmo nos anos 1950…, que uma canoa com apenas 3 ocupantes consegue remar contra a correnteza provocada pela imensa queda de água da página 40?

Curiosidades
- Se não subscrevo, longe disso, algumas leituras – apressadas, forçadas e interesseiras – sobre (eventuais contornos d)a relação de Alix e Enak, é fácil constatar que este último, embora algumas vezes funcione como “coadjuvante” do protagonista principal (ao estilo de Pancho em Jerry Spring, Chico em Zagor, Obélix em Astérix ou Lotário em Mandrake – e os exemplos podiam multiplicar-se…), a verdade é que na maioria dos casos ocupa o papel que, nos clássicos norte-americanos, era geralmente desempenhado pelas noivas (eternas) dos heróis: vitima de ameaças e raptos que visam condicionar a acção de Alix.
- Fossem os heróis de papel sujeitos às mesmas leis temporais que os seres de carne e osso e seria interessante ver quantos anos Alix envelheceria em cada álbum, numa época em que o tempo passava (bem) mais devagar e qualquer viagem durava semanas ou mesmo meses… O que de qualquer forma não impede que os protagonistas andem sempre impecavelmente barbeados ou com as indumentárias como que acabadas de passar a ferro! Vantagens de se ser herói dos quadradinhos!

- Não é exclusivo de Alix, nem sequer da banda desenhada, mas alguém terá feito as contas a quantas vidas foram perdidas, entre marinheiros, soldados e negros, amigos e adversários, para que Alix pudesse, no final, salvar apenas uma...?

22/04/2010

J. Kendall Almanaque Mistério 2009

Giancarlo Berardi (argumento e guião) 
Maurizio Mantero (guião) 
Steve Boraley (arte) 
Mythos Editora (Brasil, Novembro de 2009)
135 x 178 mm, 132 p., pb, brochado, anual 

 Resumo Publicação anual, estes Almanaques Mistério narram as aventuras da jovem Júlia Kendall, quando ainda era aluna da universidade, embora já trabalhasse como assistente de um dos seus professores, Cross, que então era consultor da Procuradoria de Garden City. Neste (mini-)álbum, originalmente publicado em Itália, no Almanacco del Giallo 2009 e de momento disponível nas bancas nacionais, investiga o caso de um corpo encontrado dentro de um poço, que a polícia consegue identificar através de uma curiosa tatuagem num braço. No desenvolvimento da investigação, Júlia terá ao seu lado Eldred Herron, amigo da vítima, jovem escritor de sucesso de um único romance, com quem vai estabelecer uma relação de grande proximidade. 

Desenvolvimento O primeiro mérito de Berardi é a forma como traça o retrato da jovem Júlia, com o distanciamento necessário da versão adulta, com as contradições e hesitações próprias da idade mas já com todas as suas características futuras: a queda para se apaixonar pelo(s) homem(ns) errado(s); a insegurança, embora condimentada com mais ilusões e alguma impetuosidade, próprias da sua juventude; a inteligência e capacidade dedutiva que lhe garantirão o sucesso profissional futuro, embora atenuadas pela sua inexperiência. O criador de Júlia, mais uma vez, desenvolve uma bela história, na qual a investigação criminal e a exploração dos sentimentos dos protagonistas andam a par. No que diz respeito à primeira, diverte-se a avançar com diferentes pistas para a resolução do assassínio – um eventual serial killer, apostas clandestinas, ligação a uma organização nazi, crime passional… - sendo que a solução não estará em nenhuma delas, o que acaba por dar mais interesse e uma grande credibilidade ao argumento, pois deve ser isso que muitas vezes acontece na vida real. Mas, mais uma vez, são as relações humanas – e o que tantas vezes está por trás do seu (in)sucesso - que constitui o ponto forte de mais uma narrativa pautada por um tom intimista, desenvolvida em ritmo pausado, para permitir ao leitor digerir cada informação, cada avanço, cada recuo. Veja-se a forma como o interesse inicial de Júlia pelo jovem escritor se vai modificando, progressivamente, até se transformar (quase?) em paixão – que assenta também na forma como o desenhador retrata olhares, pequenos gestos, pormenores aparentemente sem importância - colocando em segundo plano a resolução do crime. 

Curiosidade Como é habitual nestes números especiais, é incluído um dossier que aborda os principais filmes e séries policiais que marcaram 2009 e também o escritor norte-americano James Ellroy. (Texto publicado também no Tex Willer Blog)

21/04/2010

Les Rabbit #3 – Show Lapin

Sti (argumento e desenho)
Paquet (Suiça, Janeiro de 2010)
220 x 302 mm, 48 p., cor, cartonado


Introdução
Género com pouca visibilidade em Portugal, apesar de aparentemente ter todas as condições para ser popular – mais uma peça para a (in)compreensão daquilo a que se convencionou chamar “mercado português de BD” – o humor aos quadradinhos entre nós surge quase reduzido aos (excelentes e globalmente) recomendáveis clássicos Astérix e Lucky Luke. E claro a esse nicho à parte das tiras diárias de imprensa.
Mesmo grandes êxitos francófonos, como os Túnicas Azuis, Pequeno Spirou ou Titeuf, tiveram vida efémera no nosso país, caindo rapidamente no esquecimento. Longe vão os tempos, por isso, em que heróis como Cubitus, Modeste e Ponpom, Robin da Mata ou o Incrível Desirée (citados de cor e de cabeça, sem qualquer hierarquia ou indicação de preferência) preenchiam bom número de páginas da revista Tintin.
Aliás, é nas revistas – especialmente na Spirou – que este tipo de séries continua a fazer carreira (e sucesso) nos países francófonos.

Resumo
Sem esse suporte, Les Rabbit é mais uma das (muitas) séries cómicas disponíveis por lá, no formato de pranchas auto-conclusivas, que, como tantas vezes acontece, tem por base o quotidiano de uma família, composta por pai, mãe, filho adolescente, filha criança e filha bebé. Com a particularidade de (obviamente, em função do título) se tratar de coelhos, antropomórficos, embora praticamente nus, já que as roupas se limitam quase essencialmente à gravata do pai, ao boné do filho e aos laço de mãe e filha, que servem essencialmente para melhor os distinguir.

Desenvolvimento
Sem deslumbrar, Les Rabbit é suficientemente divertida para provocar bastantes sorrisos até porque, apesar dos protagonistas “animais”, o seu quotidiano é em tudo igual ao nosso, inclusive no que diz respeito às referências. Porque, neste tempo de globalização qualquer habitante de Portugal, Estados Unidos, Brasil, Japão ou da “rabbitlândia” (re)conhece um sabre Star Wars, videojogos, ninjas, relações profissionais, incompatibilidades entre homens e compras, apelos ao consumo desenfreado, pulsão sexual, birras de bebés ou choques geracionais.
A esta temática directa e facilmente assimilável, aqui e ali trabalhada com assinalável eficácia, Sti alia um traço simples mas eficaz, expressivo, vivo, dinâmico (graças também ao facto de muitas vezes os enquadramentos estarem ausentes ou se limitarem às manchas de cor das vinhetas) e um bom uso da cor que torna as pranchas apelativas e agradáveis.

Curiosidade
- Definida como uma colecção “dois álbuns em um”, Les Rabbit tem a particularidade de ter duas capas, uma protagonizada pelo filho Tony, a outra (uma vez virado o álbum) pelo pai Ronan, sendo os gags de cada “metade”, preferencialmente protagonizados por eles. Eis a razão para aparecerem duas capas diferentes no inicio deste texto.

20/04/2010

Espectacular Homem-Aranha #1

Ferg Handley (argumento)
Andie Tong (desenho)
James Offredi (cor)
Panini (Portugal, Abril de 2010)
208 x 298 mm, 48 p., cor, capa mole


Depois da (bela, apesar de alguns senãos…) aventura da Devir, esta revista marca o regresso de edições Marvel em português de Portugal.
O seu objectivo é claramente um público a sair da infância e a entrar na adolescência, daí que apenas 23 das suas páginas sejam preenchidas com bandas desenhadas, mais concretamente duas histórias – “Um Dia verde” e “Noite Esmeralda” -, protagonizadas pelo Homem-Aranha e pelo Hulk.
As restantes são ocupadas com fichas informativas sobre alguns dos protagonistas (Hulk, o general Ross, o Líder), posters e passatempos.
A isto acresce ainda a inclusão de dois brinquedos Marvel (uma câmara fotográfica ao estilo do velhinho Viewmaster e uma ”mão pegajosa”), incluídos na embalagem plástica opaca em que a revista é vendida.
Com uma boa visibilidade nas bancas (bem melhor do que a concedida às edições brasileiras distribuídas mensalmente), a revista (que não traz qualquer indicação de periodicidade), segue um modelo lançado pela Panini UK, também disponível em Espanha, país onde existe igualmente um outro título de características semelhantes: Marvel Héroes.

A reter
- Esta é uma aposta – louvável - na conquista de leitores jovens para a banda desenhada. Da Marvel ou outra qualquer, o importante é que leiam!

Menos conseguido
- Uma legenda completamente em espanhol e algumas incorrecções no uso do português. Menos, no entanto, do que eu esperava de uma revista inteiramente produzida em Espanha…

19/04/2010

Quadradinhos que valem milhares

Se em Portugal não há edições que atinjam o milhão e meio de dólares pagos há dias pela Action Comics #1 onde nasceu o Super-Homem, colecções de títulos marcantes como o Papagaio, o Mosquito, ou o Cavaleiro Andante podem render alguns milhares de euros.
Para fazer uma estimativa desses valores, o Jornal de Notícias contactou alguns dos principais livreiros do sector, que desde logo salvaguardam as devidas (e enormes) distâncias existentes entre o meio nacional e o norte-americano, a todos os níveis. O que não quer dizer que alguns títulos não façam alguns perder a cabeça em negócios que podem chegar às dezenas de milhares de euros. Por isso um coleccionador, para além de ter sempre disponíveis “uns trocos no bolso”, o que é complicado em tempos de crise, tem de ser dotado de grande paciência num negócio em que não há cotações fixas, pois estão dependentes do estado de conservação das peças, da oferta e da procura.
Assim, por exemplo, uma colecção completa do Papagaio (722 números), bastante difícil de se encontrar, pode valer uns 5 mil euros, revelou José Manuel Vilela, da Livraria do Duque, em Lisboa. No entanto, como esta revista, dirigida por Adolfo Simões Müller, foi a primeira a publicar em todo o mundo as aventuras de Tintin a cores, os números em que o repórter aparece na capa, muitas vezes desenhado por autores nacionais, ou com o colorido criado em Portugal e nunca mais utilizado, têm grande procura por parte de belgas e franceses de Hergé (uma procura potenciada por uma referência feita à revista por Durão Barroso numa entrevista a uma estação de televisão belga), podendo ser transaccionados por 20 ou 30 euros cada um, acrescenta Alberto Gonçalves da Timtimportimtim, no Porto. Nos últimos anos, são também bastante valorizados, por pessoas que vêm de fora da BD, de áreas como o design ou a pintura, as revistas que incluem histórias aos quadradinhos criadas por artistas agora conceituados como Júlio Resende, Stuart Carvalhais ou Júlio Gil. Aliás, geralmente, vendem-se mais números soltos para completar colecções ou substituir edições em pior estado, do que colecções completas, cada vez mais difíceis de aparecer, como refere a livraria Chaminé da Mota, no Porto, tornando mais difícil satisfazer as listas de pedidos em espera dos seus clientes. Por isso um coleccionador, para alem de ter “uns trocos no bolso”, o que é mais complicado em tempos de crise, tem de ser dotado de grande paciência. E, claro está, neste tipo de negócio não há cotações fixas, pois estão dependentes do estado de conservação das peças, da oferta e da procura.
Outras revistas das décadas de 30, 40 e 50 do século passado, a Época de Ouro das publicações infanto-juvenis em Portugal, atingem também valores considerados interessantes: é o caso do Diabrete (887 números) e do Cavaleiro Andante (556), transaccionados por cerca de 3000 €, ou do Camarada (194) por metade daquele valor. O Mundo de Aventuras, espalhado por quase quatro décadas, cinco séries e mais de 2 mil números é, por isso, difícil de cotar. Mais valorizada, é a mítica revista Mosquito (1412 edições), que fez as delícias dos miúdos nas décadas de 30 e 40, cujas cerca de 50 colecções existentes no país, na estimativa de José Vilela, podem valer até 7500 euros. Mas, segundo José Oliveira, do site BDPortugal, que tem listados cerca de metade dos 60 mil títulos de BD editados desde sempre no nosso país, estas colecções têm vindo a perder valor. Isto acontece porque grande parte dos coleccionadores procura os títulos que leu na sua infância e juventude e a geração do Mosquito, por exemplo, tem hoje para cima de 70 anos…
Por isso, compreende-se quando a livraria Paraíso dos Livros revela que as colecções mais procuradas actualmente são as do Tintin (728 números, cujo valor pode chegar aos 1500 €) e do Jornal do Cuto (174 números, 500 €), datadas dos anos 70; ou seja, correspondentes à geração que conta hoje 40 anos.
Claro que, quando se fala de colecções que por vezes duraram mais de uma dezena de anos e atingiram centenas de números, há exemplares mais raros do que outros, normalmente, os primeiros números, mais antigos, e os últimos, correspondentes à fase de declínio, de tiragem menor.
Mas há excepções como, por exemplo, o número de Natal de 1938 do Papagaio, devido à separata com uma BD completa de Júlio Resende, os Mundos de Aventuras #1 a #44, da 1ª série, devido ao seu formato tablóide de difícil conservação, ou o quinto volume da Colecção Audácia que, por razões desconhecidas, triplica os 500 € dos quatro tomos iniciais.
Mas para além destes, há dois casos paradigmáticos citados por todos. O mais antigo corresponde às edições #73 e #74 do Gafanhoto, dos anos 40, que foram impressos mas não distribuídos, por terem sido alvos de um auto de apreensão (cujas causas são desconhecidas) executado pela Polícia Judiciária e de que se conhecem pouquíssimos exemplares que, por esse motivo, não têm cotação. Outro exemplo é o da Fagulha #391, que deveria ter seguido para os quiosques logo após o dia 25 de Abril de 1974. Como era uma publicação da Mocidade Portuguesa, foi destruída juntamente com muitas outras edições, existindo apenas os exemplares que já tinham seguido por correio para os assinantes. Desta forma, se os números #1 a 390# são cotados em cerca de 1000 €, a colecção completa já foi vendida por 1500 euros. Valores semelhantes a estes podem ser encontrados na Internet, quer em sites especializados, quer nos de leilões, onde com alguma regularidade surgem números soltos destas e de outras revistas.
Numa época em que as revistas praticamente desapareceram, os valores atingidos pelos álbuns hoje tão em voga estão longe de ser tão atractivos. Mesmo assim, há alguns da Meribérica (Blueberry, Valérian), dos anos 80, que já ultrapassam os 100 euros, e as poucas edições do Camarada (anos 60) estão cotadas próximas dos 300 euros, pertencendo a uma desses álbuns – Clorofila e os Quebra Ossos – o recorde de venda de um livro de BD em Portugal: 575 euros.

(Versão revista e alargada do texto publicado no Jornal de Notícias de 14 de Abril de 2010)

16/04/2010

Lendas de Portugal em BD

Teresa Cardia (argumento e cor)
Rui Alves (desenho de cenários e cor)
Sara Coelho (desenho de personagens e cor)
Deu-La-Deu Martins
Sopa de Letras + Câmara Municipal de Monção (Portugal, Abril de 2009)
A Lenda do Rio Lima
Sopa de Letras + Câmara Municipal de Ponte de Lima (Portugal, Dezembro de 2009)
197 x 278 mm, 8 p., cor, sem capa


Projecto de três autores portugueses, com formação académica em áreas distintas que vão desde o ensino e a educação ao design, passando pela arquitectura, visa criar uma colecção de lendas portuguesas em banda desenhada, essencialmente vocacionada para o público infanto-juvenil.
Editadas pela Sopa de Letras, uma chancela da Principia Editora, têm o formato de cadernos de 8 páginas, e para cada lenda é procurado o apoio da edilidade do concelho a que a narrativa diz respeito, estando já concretizados dois títulos: Deu-La-Deu Martins e A Lenda do Rio Lima.
O projecto prevê a reunião em livro de conjuntos de dez lendas, assim os autores encontrem os apoios necessários para as concretizar.
O princípio narrativo é comum: a equipa de filmagens Papafilmes chega à cidade onde teve lugar a acção da lenda a contar, para fazer uma versão cinematográfica dela. Desta forma, conseguem reduzir a quantidade de texto, sem prejudicar a compreensão das lendas, transmitidas assim de forma leve e descontraída.
Para isso contribuem também alguns apontamentos de humor, a utilização de um traço semi-humorístico, servido por cores agradáveis, e uma planificação variada, com alternância de enquadramentos e planos, que tornam o projecto sem dúvida adequado para o segmento a que se destina.

15/04/2010

Ric Hochet #77 – Ici 77!












André-Paul Duchateu (argumento) Tibet (desenho) Éditions du Lombard (Bélgica, Março de 2010) 222 x 295 mm, 48 p., cor, cartonado

Nota Introdutória Apesar de ter sido leitor fiel do Mundo de Aventuras – o que diversificou e tornou mais heterogénea a minha formação aos quadradinhos – li também o Tintin quase todo, em revistas emprestadas. E entre os seus heróis, um houve que marcou a minha infância e adolescência, Ric Hochet, o jornalista/detective, que inspirou muitas das minhas brincadeiras. 

14/04/2010

BD e religião

Criada à imagem e semelhança dos autores que nela trabalham e do meio em que estão inseridos, a banda desenhada, naturalmente, tem abordado de forma recorrente questões religiosas.
Essas abordagens têm sido feitas sob os mais variados prismas, da pura ficção à narrativa de episódios históricos, narrando biografias ou ilustrando a própria Bíblia.
Neste último exemplo encaixa-se The Book of Genesis Illustrated (W.W. Norton & Company), de Robert Crumb, pai da BD underground e autor provocador, lançado no final de 2009, que prometia polémica mas que se revelou apenas uma leitura fiel do primeiro livro da Bíblia, tendo por base o texto integral, ilustrado de forma clássica e com muita mestria. Na mesma linha e na mesma época, surgiu “Yeshuah – Assim em cima, assim em baixo” (Devir Livraria), dos brasileiros Laudo Ferreira e Omar Viñole, primeiro tomo de uma trilogia sobre a vida de Cristo.
São dois exemplos recentes de uma linhagem já com algumas décadas, que inclui versões clássicas, próximas do texto original, como a “História do Povo de Deus - Bíblia em Banda Desenhada em 8 Volumes” (Edições Salesianas), de Thivolier e Charpentier, ou “La Bible” (Delcourt), de Camus, Dufranne e Zitko.

Mas também existem versões em manga (banda desenhada japonesa), como “The Manga Bible” (Hodder and Stoughton), uma versão condensada criada pelo britânico Siku em 2007, que tomou como ponto principal “mostrar a humanidade de Cristo", ou "The Manga Bible Story-japanese: Comic Book Style Bible", do japonês Masakazu Higuchi.
A outro nível, a Bíblia serviu de inspiração a Charles Schulz o criador dos "Peanuts", um luterano convicto, que muitas vezes utilizou versículos citados por Charlie Brown ou Snoopy (o que esteve na origem do livro "The Gospel According to Peanuts" (1965) do pastor presbiteriano Robert L. Short), ou a Maurício de Sousa, que ilustrou um álbum intitulado "Passagens Bíblicas com a Turma da Mônica".
Num contexto histórico encontram-se biografias ou relatos como “Don Bosco” (Dupuis), feita em 1949 por Jijé, futuro criador de Spirou e Jerry Spring, “Fátima”, do mestre português Eduardo Teixeira Coelho, ou “Avec Jean-Paul II” (Éditions du Triomphe), por Dominique Bar, Louis-Bernard Koch e Guy Lehideux, este últim editado pouco antes da sua morte. Este papa aliás, esteve no centro de uma outra BD, polémica, do artista plástico colombiano Rodolfo Leon, “El Increible HomoPater”, que o mostrava como super-herói, regressado dos mortos, treinado por Batman e Super-Homem…
Outros papas inspiraram autores de BD, em registos ficcionados. É o caso, para referir edições disponíveis em português, de “Bórgia” (ASA), um retrato virulento e licencioso do ministério papal de Alexandro VI, aliás Rodrigo de Bórgia, no século XV, traçado em função dos seus actos violentos, das suas intrigas e da sua prepotência, ou a série “Escorpião”, que conta as aventuras de um caçador de relíquias sagradas, em busca da verdadeira cruz onde o apóstolo Pedro foi crucificado para, desmascarar o novo papa Trebaldi, ou o mais clássico "Vasco", de Chailet, sobre as lutas pelo poder - ecular e religioso - na Itália do século XIV.

As teorias da conspiração, na sequência do êxito do Código Da Vinci, de Dan Brown tem inspirado muitos autores franco-belgas – embora algumas delas lhe sejam anteriores –, destacando-se, por exemplo “Le Triangle Secret”, escrito por Didier Convard, que já teve diversas sequelas, que tem por base o pressuposto que Jesus teria um irmão gémeo que ocupou o seu lugar após a crucificação, segredo que uma poderosa organização tentou a todo o custo manter até aos nosso dias.
A mesma base preside a “Revelações” (BDMania), de Paul Jenkins e Humberto Ramos, um policial que decorre em pleno Vaticano, onde se confrontam fé e razão. Na mesma linha está “O terceiro Testamento” (Witloof), de Dorison e Alice, que narra uma longa investigação de um inquisidor caído em desgraça.
Bem original é “Dieu en personne” (Delcourt), um verdadeiro ensaio em BD sobre a divindade da autoria de Marc-Antoine Mathieu que tem como ponto de partida o regresso de Deus à Terra que criou, para ver o seu estado, combater a solidão que sente e aprender a faculdade de rir, terminando tudo num mega-processo conta Ele.
Para finalizar esta relação, obrigatoriamente curta e subjectiva, em "Pourquoi j’ai tué Pierre" (Delcourt), embora datado de 2006, Oliver Ka, com o desenhador Alfred, aborda de forma pudica e sensível, num registo autobiográfico que serviu para exorcizar os seus fantasmas, um tema que infelizmente faz a actualidade: a pedofilia na Igreja Católica.
Mas não só do cristianismo se alimenta a banda desenhada. “Mágico Vento”, um western Bonelli, criado por Gianfranco Manfredi, que chega mensalmente aos nossos quiosques na edição brasileira da Mythos, é protagonizado por um branco que é também um xamã sioux, abordando muitos temas relacionados com as crenças dos índios norte-americanos e com o sobrenatural. Sobrenatural, também, é o Hellboy de Mike Mignola, de que a G-Floy Studios acaba de lançar entre nós “Terras Estranhas”, um demónio evocado pelos nazis mas que se torna no seu maior adversário, combatendo também outros seres fantásticos e demoníacos.
Adéle Blanc-Sec, a invulgar heroína de Tardi, cujas aventuras extraordinárias foram parcialmente editadas pela Bertrand e pela Witloof, e cuja adaptação cinematográfica da responsabilidade de Luc Besson chegará em breve aos cinemas, combate uma seita de adoradores do demónio assírio Pazuzu que exigia sacifícios humanos, tal como o culto de Moloch-Baal com que se viu a braços em “O Túmulo Etrusco” (Edições 70) Alix, o jovem herói da antiguidade clássica a que Jacques Martin deu vida
E foi sobre crendices e superstições, cuja fronteira com a religião é muitas vezes ténue, que Goscinny e Uderzo se debruçaram no irresistível “Astérix e o Adivinho” (ASA).

(Versão revista e alargada do texto publicado no Jornal de Notícias de 3 de Abril de 2010)

13/04/2010

O Corvo

Edgar Allan Poe (poema)
Gustave Doré (ilustrações)
Fernado Pessoa e Juan António Pérez Bonalde (traduções)
Libri Impressi (Portugal, 2010)


Não é BD, é verdade, mas nem só de banda desenhada se fazem as minhas leituras.
Mas é (mais) uma bela edição, com a marca de Manuel Caldas, que desta forma nos faz descobrir mais um belo tesouro, no caso a (improvável) reunião num só livro, de quatro génios de nacionalidade diferente e existências curtas e atribuladas: Poe (1809-1849), norte-americano, o autor do mais famoso poema da literatura americana, alvo de muitas adaptações; Doré (1832-1883), francês, autor das magníficas e expressivas gravuras deste livro, que constituíram o seu último trabalho; Pessoa (1888-1935), português, responsável pela tradução portuguesa; Juan António Pérez Bonalde (1846-1892), poeta venezuelano, tradutor da versão castelhana (pois trata-se de uma mais edição bilingue da Libri Impressi, pois o mercado castelhano é indispensável para garantir a viabilidade destas edições).
A base é o poema de Poe, O Corvo (The Raven), um dos mais conhecidos, traduzidos e adaptados textos da literatura norte-americana (e mundial…), aqui superiormente ilustrado por Doré, com um traço hiper-realista…
Já disponível nas livrarias (ou não, os mistérios da distribuição em Portugal continuam a ser muitos), pode também (deve…) ser encomendado directamente ao editor.

08/04/2010

Aqui há gato #6 – Formação desordenada

Darby Conley (argumento e desenho)
Bizâncio (Portugal, Fevereiro de 2010)
212 x 222 mm, 130 p., pb, brochado com badanas


O “desordenada” do título é um dos adjectivos aplicáveis a esta tira, ou melhor, aos seus protagonistas: Satchel, o cão, pacato, preguiçoso, comilão e estúpido até dizer chega – “chego onde?” -; Bucky, o gato, cruel, violento, sádico e abusador, perito em esgotar cartões de crédito; Rob, o ser humano, supostamente dono deles – mas na prática seu criado (não há tantos assim hoje em dia…?) – e vítima principal da relação de amor (de Satchel) /ódio (de Bucky).
Com eles, de forma sustentada, Darby Conley, constrói um micro-cosmos pontualmente alargado com o pai, um amigo ou uma eventual namorada de Rob, os companheiros felinos e caninos dos dois animais ou o furão, inimigo jurado de Bucky, no qual aborda temas globais como o desporto (basquetebol, râguebi, basebol ou o seio de fora de Janet Jackson na final da Superbowl, ou não fosse esta uma tira diária de imprensa norte-americana), a guerra do Iraque, a religião, o turismo, as espécies em vias de extinção, a alimentação ou até tiras concorrentes, como Garfield. E nos dá, com justificação de sobra, todas as razões para abominarmos animais em vias de se tornarem como Satchel e Bucky!
Tudo de uma forma irónica e divertida – mesmo quando levanta questões sérias - , com um traço muito expressivo, especialmente ao nível das fisionomias, bem mais trabalhado, pormenorizado e conseguido do que é costume neste tipo de banda desenhada.

(Texto publicado originalmente a 3 de Abril de 2010, na página de Livros do suplemento In’ da revista NS, distribuída aos sábados com o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias)
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