Paco Roca (argumento e desenho)
Delcourt (França, Março de 2007)
200 x 263 mm, 104 p., cor, cartonado com sobrecapa com badanas
Velhos são os trapos, diz o adágio popular. Mas velhos seremos, também, todos nós, um dia, se o tempo nos deixar chegar lá. Se o corpo mandar. E, principalmentem, se a mente quiser. Porque, eu pelo menos acredito nisso, a velhice é um estado de espírito. Que faz de muitos "jovens", seres completamente senis, e de muitos "velhos", jovens na flor de idade.
"Rides", de Paco Roca, fala-nos da velhice. Não tanto enquanto estado de espírito, embora o conceito lá esteja subjacente, mas enquanto realidade incontornável. Isto, porque se passa quase totalmente num asilo - num lar de idosos, preferirão alguns, por soar mais "politicamente correcto".
Mas o que pode ter de "politicamente correcto" um lar como o que é aqui recriado - possivelmente espelho demasiado fiel (e em muitas casos até optimista) da triste realidade que estas instituições são - quando este não é mais do que um depósito de idosos, dividido em dois andares, o de baixo para os que ainda são autónomos, o de cima para os que pouco mais fazem do que vegetar à espera do fim, mas todos condicionados à mesma rotina estéril que apenas parece prepará-los (empurrá-los?) para o seu fim: acordar-tomar o pequeno-almoço-ver televisão-almoçar-ver televisão-jantar-dormir…
Narrativa ficcional, mas baseada em factos verídicos, que o autor viveu/ouviu contar/investigou, começa quando Émile é colocado no tal lar pelo seu filho (e nora…) quando os primeiros sinais da doença de Alzheimer se começam a manifestar, levando-o, cada vez mais frequentemente, a perder as memórias do presente, "refugiando-se" no passado - e atente-se na forma como Roca mostra isto graficamente, não só mostrando Émile quando era novo, mas, principalmente apagando as faces dos que o rodeiam ou deixando vinhetas/páginas em branco, dando uma força inusitada às consequências da sua doença.
A (in)adaptação de Émile, o seu relacionamento com os outros "hóspedes", as especificidades de cada um (da doença de cada um…), a sua progressiva perda de faculdades, num declínio inexorável e assustador, são narrados com crueza mas também ternura por Paco Roca e se o tom do relato é aparentemente leve e bem-disposto, ao que ajuda a sua linha clara, agradável, de traço delicado, e com toques de bom humor - a velhice origina muitas situações caricatas - o todo incomoda e choca. Por vermos como a sociedade (lemos os outros? - só os outros….?) trata os seus velhos.
Por sentirmos que, um dia, podemos ser nós a estar lá.
(Versão revista e actualizada do texto originalmente publicado no BDJornal #18 de Abril/Maio de 2007)
Delcourt (França, Março de 2007)
200 x 263 mm, 104 p., cor, cartonado com sobrecapa com badanas
Velhos são os trapos, diz o adágio popular. Mas velhos seremos, também, todos nós, um dia, se o tempo nos deixar chegar lá. Se o corpo mandar. E, principalmentem, se a mente quiser. Porque, eu pelo menos acredito nisso, a velhice é um estado de espírito. Que faz de muitos "jovens", seres completamente senis, e de muitos "velhos", jovens na flor de idade.
"Rides", de Paco Roca, fala-nos da velhice. Não tanto enquanto estado de espírito, embora o conceito lá esteja subjacente, mas enquanto realidade incontornável. Isto, porque se passa quase totalmente num asilo - num lar de idosos, preferirão alguns, por soar mais "politicamente correcto".
Mas o que pode ter de "politicamente correcto" um lar como o que é aqui recriado - possivelmente espelho demasiado fiel (e em muitas casos até optimista) da triste realidade que estas instituições são - quando este não é mais do que um depósito de idosos, dividido em dois andares, o de baixo para os que ainda são autónomos, o de cima para os que pouco mais fazem do que vegetar à espera do fim, mas todos condicionados à mesma rotina estéril que apenas parece prepará-los (empurrá-los?) para o seu fim: acordar-tomar o pequeno-almoço-ver televisão-almoçar-ver televisão-jantar-dormir…
Narrativa ficcional, mas baseada em factos verídicos, que o autor viveu/ouviu contar/investigou, começa quando Émile é colocado no tal lar pelo seu filho (e nora…) quando os primeiros sinais da doença de Alzheimer se começam a manifestar, levando-o, cada vez mais frequentemente, a perder as memórias do presente, "refugiando-se" no passado - e atente-se na forma como Roca mostra isto graficamente, não só mostrando Émile quando era novo, mas, principalmente apagando as faces dos que o rodeiam ou deixando vinhetas/páginas em branco, dando uma força inusitada às consequências da sua doença.
A (in)adaptação de Émile, o seu relacionamento com os outros "hóspedes", as especificidades de cada um (da doença de cada um…), a sua progressiva perda de faculdades, num declínio inexorável e assustador, são narrados com crueza mas também ternura por Paco Roca e se o tom do relato é aparentemente leve e bem-disposto, ao que ajuda a sua linha clara, agradável, de traço delicado, e com toques de bom humor - a velhice origina muitas situações caricatas - o todo incomoda e choca. Por vermos como a sociedade (lemos os outros? - só os outros….?) trata os seus velhos.
Por sentirmos que, um dia, podemos ser nós a estar lá.
(Versão revista e actualizada do texto originalmente publicado no BDJornal #18 de Abril/Maio de 2007)