Glénat (Junho de 2010)
240 x 320 mm, 64 p., cor, cartonado
Resumo
Dickie, o anti-herói de bigode, com cabeça de Playmobil (sic), que costuma passear pela história, encontra-se esta vez em plena segunda guerra mundial, como filho “perdido” de Hitler, esse mesmo, o Adolf.
Desenvolvimento
O desafio era difícil. Porque De Poortere optou por uma história completamente muda. E porque o seu grafismo, aparentemente simplista, próximo do (tal) visual “Playmobil”, numa linha clara estilizada e depurada, de traço grosso e cores lisas, com uma planificação simples e sóbria, parecia pouco indicado para um retrato, ainda que mordaz da II Guerra Mundial.
Mas o holandês, colaborador regular do jornal “Ferraille”, venceu-o a todos os níveis. A história, rocambolesca, assente numa série de episódios/personagens-tipo deste género de relatos, desenvolvida em vários episódios auto-conclusivos, ao longo dos quais vai apresentando e definindo as personagens principais que se cruzam com seres reais como Staline ou Churchill, está bem conseguida, é consistente e extremamente legível.
O autor começa pela vida de Hitler nas trincheiras da Primeira Grande Guerra, explica como um ferimento o levou a gerar (involuntariamente) um filho cuja existência desconhecia. Como este – o amorfo Dickie - mais tarde se tornou protector (interesseiro) de fugitivos da Gestapo, como o Führer fez de tudo para ter um descendente, como Eva Braun lhe ocultou a existência do filho legítimo, como Adolf fez de tudo para o reencontrar, indo mesmo a um campo de concentração, e como, finalmente,fez com ele, tudo o que um pai anseia: passear, pescar… Até que, com a derrocada final e a perda iminente da guerra, surge o final desconcertante (ou não…), que tem o mérito de repor o ditador no seu lugar, apagando qualquer sombra de limpeza da História que mentes mal intencionadas pudessem tentar descobrir na narrativa.
E com um trunfo irresistível: o humor extremamente inteligente presente em todo o relato. Que pode ser anárquico, irreverente ou cínico até. Que frequentemente passa bem para lá do politicamente correcto - como no suicídio do ditador, falhado por trocar veneno por Viagra. E que outras vezes roça, não, choca violentamente de frente com o mais (saudável) mau gosto (seja lá isso o que for!), como quando, no campo de concentração, a amiga que Dickie procura lhe é trazida… numa urna ou o americano se fere numa explosão provocada por acender um cigarro… numa câmara de gás.
Um humor, finalmente, que se consegue claramente divertir o leitor, a partir de um tema que nada tem de engraçado, nunca esquece o propósito de o fazer reflectir neste passeio por uma das facetas (desconhecidas!) da Segunda Guerra Mundial, onde, apesar de tudo, continuam patentes o seu horror e a ultrapassagem que foi feita de muitos dos limites (morais….) que o ser humano nunca deveria transpor.
A reter
- O todo, que merece ser descoberto e fruído.