02/11/2010

Fernando Bento, as aventuras de uma vida

Chamava-se Fernando Bento e foi um dos mais notáveis autores portugueses de banda desenhada, no tempo em que esta ainda era (apenas) histórias aos quadradinhos. O centenário do seu nascimento comemorou-se no passado dia 26 de Outubro.
Em Fevereiro último fez 10 anos que nos foi servido um dos últimos tesouros coloridos por Fernando Bento. Foi nas páginas da revista “Selecções BD” (II série) e era uma vinheta do seu (inacabado) “Regresso à Ilha do Tesouro”, uma sequela do clássico de Stevenson, que o mestre português dos quadradinhos adaptou com argumento de Jorge Magalhães. Nele, o jovem Jim Hawkins, enquanto desce por uma amarra de um barco encalhado, afirma: “a aventura correu melhor do que eu esperava!”. O mesmo se pode dizer, sem dúvida, da vida e da obra de Fernando Carvalho Trindade Bento, nascido em Lisboa a 26 de Outubro de 1910.
Com os seus heróis fez “A Volta ao Mundo em 80 dias”, levando muitos leitores ao longo de várias gerações a dar consigo “A Volta a Portugal em Bicicleta”, conhecer “Histórias da nossa história”, partilhar uma “Viagem ao centro da Terra”, percorrer “Vinte mil léguas submarinas”, subir “A Montanha do Fim do Mundo” ou avançar pelo espaço “Da Terra à Lua”, em companhia de “Um herói de 15 anos”, “34 macacos e eu”, “Beau Geste”, “Matias Sandorf” ou “Quintino Durward, até à “Ilha do Tesoiro”, tudo em “Mil e uma noites” maravilhosas e mágicas. Vividas, sentidas, sofridas em constantes sobressaltos, sem sair de casa, descobertas nas fantásticas, vibrantes e envolventes páginas aos quadradinhos que delineou com um traço elegante, único e personalizado, vivo, ágil e dinâmico, se bem que fosse (ou porque era) autodidacta, apenas com um curso de desenho por correspondência, obtido na escola parisiense ABC.
Na sua formação “prática”, no entanto, encontram-se também longos períodos nos movimentados bastidores teatrais do Coliseu dos Recreios, local de trabalho do pai, onde, quem sabe, foi beber o sentido dos diálogos, a noção de movimento, a agilidade na composição das pranchas, a técnica de picado e contra-picado, o ritmo narrativo, a legibilidade e a eficácia da narrativa sequencial que o viriam a distinguir como um caso único na 9ª arte nacional. No entanto, nada parecia dirigi-lo para a BD, pois foi no mundo do teatro, na concepção de figurinos e cenários (muito elogiados) para “A última maravilha” e “O fim do mundo” que se fez notado, tinha apenas 25 anos. E só três anos depois, surgiriam os primeiros quadradinhos, na secção infantil do jornal “República”.
Estava longe de saber, certamente, mas muitos seriam as revistas que se lhe seguiriam – “Pim-Pam-Pum!”, “Diabrete”, “Cavaleiro Andante” foram as mais significativas – onde, a par da BD, espraiou também a sua arte por capas, ilustrações, caricaturas e desenhos humorísticos, como maquetista e director gráfico… Tudo feito em serões e tempos livres pois, “profissionalmente” foi sempre funcionário de escritório da BP.
A sua bibliografia – em que muitas vezes teve ao lado argumentistas como Helena Neves, Maria Amélia Bárcia ou Adolfo Simões Müller – é feita especialmente da adaptação de episódios da História pátria e de clássicos infantis, da literatura ou de aventuras (especialmente Jules Verne, mas também Robert Louis Stevenson, Herman Melville, Enid Blyton…), que soube recriar como poucos, em verdadeiras versões em quadradinhos, que patenteavam o espírito e todas as qualidades dos originais no novo suporte e que faziam igualmente sonhar. Foram cerca de três décadas de redobrado labor, até aos anos 1970, vividos mais longe das páginas desenhadas, às quais só regressaria de forma pontual.
Até ao tal “Regresso à Ilha do Tesoiro”, corria a década de 1990 e tinha Fernando Bento ultrapassado já a barreira dos 80 anos, em que (re)encontrou energia e mestria para, num traço com todas as qualidades que lhe eram (re)conhecidas mas renovado na forma, duma surpreendente modernidade, voltar a fazer vibrar todos os que leram as novas pranchas de reencontro com Jim Hawkins, Ben Gunn ou o pirata Long John Silver!
A morte – invejosa da sua arte? – levá-lo-ia a 14 de Fevereiro de 1996, pondo um ponto final na(s) sua(s) aventura(s), impedindo-o de terminar esta obra e de ver impressos os seus últimos desenhos.
Estivéssemos num país mais capaz de apreciar e acarinhar os seus criadores (também) de quadradinhos, e a obra de Bento estaria reunida numa bela e luxuosa edição. Como estamos em Portugal, para lá do (difícil) recurso às revistas onde as histórias foram publicadas originalmente, sobram meia dúzia de álbuns dispersos por várias editoras, alguns dos quais há muito esgotados.
Este ano a propósito de um centenário que o Amadora BD 2010 (que hoje se inicia) também assinala com uma exposição, mas que merecia maior projecção, duas câmaras, enquadrando uma mostra que também esteve na Sobreda, substituíram-se às editoras: a de Moura, que recuperou a versão que Fernando Bento fez de “Moby Dick, a baleia branca” (publicada originalmente no “Cavaleiro Andante”, em 1960), e a de Viseu, com “Um campeão chamado Joaquim Agostinho” (“A Capital, 1973), a biografia aos quadradinhos do ciclista luso.

(Versão integral do texto publicado no dia 30 de Outubro na revista NS, distribuída aos sábados com o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias)

01/11/2010

As Melhores Leituras de Outubro

Atilla, L’Intégrale (Dupuis), de Rosy e Kornblum (argumento) e Derib (desenho)

Baron Samedi (Treize étrange), de Dog Baker

Dragon Ball #1 e #2 (Edições ASA), de Akira Toriyama

John Cullen Murphy’s Big Ben Bolt Dailies Volume One – Feb 20, 1950 to May 24, 1952 (Classic Comics Press), de Elliot Caplin (argumento) e John Cullen Murphy (desenho)
Local (Delcourt), de Brian Wood (argumento) e Ryan Kelly (desenho)

Os meninos Kin-Der (Libri Impressi), de Lyonel Feininger

Tintin - Os Charutos do Faraó (Edições ASA, nova tradução), de Hergé

War Songs (Drugstores), de Ivan Brun

Ric Hochet #78 – A la Poursuite du Griffon d'or (Lombard), de Duchateau (argumento) e Tibet (desenho)

31/10/2010

Amadora BD 2010 (III) - Prémios Nacionais de BD 2010

Melhor Álbum Português
Asteroid Fighters Tomo 1 O Início, Rui Lacas, Edições ASA

Melhor Argumento de Autor Português
Filipe Melo, As Incríveis Aventuras de Dog Mendonça e PizzaBoy, Tinta da China

Melhor Desenho de Autor Português
Filipe Andrade, BRK Tomo 1, Edições ASA

Melhor Álbum de Autor Português em Língua Estrangeira
Celibataires, Nelson Martins, Joker Editions

Melhor Álbum de Autor Estrangeiro
Os Passageiros do Vento Tomo 6 A Menina de Bois-Caiman Livro 1, Bourgeon, Edições ASA

Melhor Álbum de Tiras Humorísticas
Zits Paixão e outros usos para Hormonas em excesso, Jerry Scott e Jim Borgman, Gradiva

Melhor Ilustração para Livro Infantil
Richard Câmara, O Homem que ia contra as Portas, Everest Editora

Prémio Clássicos da 9ª Arte
Corto Maltese - Mü A Cidade Perdida, Hugo Pratt, Edições ASA

Melhor Fanzine
Cadernos Moura BD - Fernando Bento, Carlos Rico e Luiz Beira, Câmara Municipal de Moura

Troféu de Honra
António Gomes de Almeida

30/10/2010

Ric Hochet #78 – À la poursuite du griffon d’or













André-Paul Duchateu (argumento) Tibet (desenho) Éditions du Lombard (Bélgica, Outubro de 2010) 222 x 295 mm, 48 p., cor, cartonado 

 Se geralmente um álbum de banda desenhada é valorizado pela sua história – seja pela sua originalidade, seja pela forma como está escrito - e/ou pelo seu desenho – a sua qualidade gráfica, a sua originalidade mais uma vez, as técnicas e estilos adoptados – este 78º tomo das aventuras de Ric Hochet vale mais como um documento.

29/10/2010

Nas bancas

Títulos que já estão ou estarão em breve nas bancas portuguesas:

Panini Brasil

DC Comics
Batman #88
Superman #88
Liga da Justiça #87
Superman & Batman #56
Este é o último número da revista “Superman & Batman” que chegou a ter o mix mais interessante de todas as que são distribuídas em Portugal. O seu fim está incluído nas diversas trabsformações (alteração do número de páginas, do preço e dos conteúdos) que as revistas Panini sofreram na sua origem, no Brasil, há poucos meses, como em breve poderemos comprovar nas nossas bancas.
Para já, na lista de edições previstas para o próximo mês o desaparecimento deste título não foi compensado pelo inclusão de nenhum outro.

Marvel
Homem-Aranha #99
Os Novos Vingadores #74
X-Men #99
Avante Vingadores #38
Universo Marvel #56
Wolverine #63






Turma da MónicaMônica #40
Cebolinha #40
Cascão #40
Chico Bento #40
Magali #40
Ronaldinho Gaúcho e Turma da Mônica #40
Turma da Mônica – Uma aventura no parque #40
Almanaque da Magali #20
Almanaque do Chico Bento #20
Almanaque do Penadinho #7
Turma da Mônica – Clássicos do Cinema #19 – Magalice no País das Melancias
Maurício Apresenta #9 – Turma da Mônica em todas as Copas do Mundo – parte 1
Turma da Mónica – Saiba mais #31 – Páscoa
Turma da Mônica Jovem #22



Mythos EditoraTex 460
Tex Colecção #252
Os Grandes Clássicos de Tex #22
Almanaque Tex #35
Tex Gigante – Reedição #1
Zagor Especial #25
Zagor Extra #73
Zagor #109
J. Kendall - Aventuras de uma criminóloga #66
Mágico Vento #95
Conan o Bárbaro #76
(último número)

Editora Europa
Mundo dos Super-Heróis #20
X-Men, 1988-2000, Joe Kubert , Fantasma de A a Z, Gavião Negro, Rom, Exterminador, Entrevista: Will Conrad , Heróis BR: a carreira do editor Minami Keizi , Clássicos da Era de Ouro: Stardust










Panini PortugalEspetacular Homem-Aranha #4

28/10/2010

J. Kendall #66

Giancarlo Berardi, Giuseppe De Nardo e Lorenzo Calza (argumento) 
Mario Janni (desenho) 
Mythos Editora (Brasil, Maio de 2010) 
135 x 178 mm, 132 p., pb, brochado, mensal

Resumo O cadáver de um jovem, encontrado no apartamento que partilhava com um amigo, leva a polícia de Garden City a recorrer mais uma vez aos préstimos da criminóloga Julia Kendall.

27/10/2010

Baron Samedi - L'enfant de la mort

Dog Baker (argumento e desenho)
(Treize étrange) (França, Outubro de 2010)
170 x 250 mm, 144 p., cor, cartonado


Resumo
Tudo começa num pequena aldeia, algures na América do Sul, num dia ensolarado, quando um casamento, cujas festividades decorrem ao som do tango, é interrompido pela chegada de mercenários ao serviço do governo francês. O seu objectivo é expulsar os moradores para explorarem uma mina de urânio no local. A recusa de saída provoca um massacre com um único sobrevivente, um rapazinho de 5 ou 6 anos.

26/10/2010

A Fórmula da Felicidade Vol. 2 de 2

Nuno Duarte (argumento)
Osvaldo Medina (desenho)
Gisela Martins (cor, com Ana Freitas, patrícia Furtado, Sara Ferreira e Filipe Teixeira)
Kingpin Comics (Portugal, Março de 2010)
210 x 297 mm, cor, 48 p., brochado com badanas

Resumo

Após descobrir a fórmula da felicidade instantânea, que faz efeito imediato em quem o ouvir lê-la, Victor, apesar da aparente realização pessoal e da fama que conseguiu, mergulha numa espiral descendente, cada vez mais sozinho apesar da multidão (desejosa…) que o rodeia.
Ao mesmo tempo, o planeta caminha a passos largos para uma guerra entre católicos e muçulmanos que o poderá destruir e para a qual Victor parece ser a única solução.

Desenvolvimento
Se o primeiro tomo de A Fórmula da Felicidade foi uma das maiores surpresas da banda desenhada do final de 2008 (e dos últimos anos), este segundo tomo, se por um lado era muito aguardado, por outro era também receado. No primeiro caso, como resultado natural da expectativa que a boa qualidade de argumento e desenho do volume inicial criaram. No segundo, por se temer que a continuação (e conclusão) não estivesse à altura da primeira parte.
E a primeira constatação, é que os receios se revelaram sem fundamento e que as expectativas se cumpriram. Possivelmente porque a (re)solução encontrada por Nuno Duarte para a história se, por um lado, era a mais óbvia, por outro era também a mais coerente. Até porque a solução oposta (em termos de final) seria uma traição ao tom apesar de tudo realista desta fábula dos tempos modernos, narrada com animais antropomórficos e belas imagens, apesar do seu tom maioritariamente negro.
O “novo” Victor, transformado em guru da moda e milagreiro de trazer por casa, com todos os tiques de vedeta (mediática) daí recorrentes, devidamente explorado por uma sociedade com fins lucrativos, se por um lado se tornou o centro das atenções, por outro está cada vez mais só, procurando no sexo pago e na violência sobre as companheiras ocasionais, respostas e a felicidade (ilusória) que a sua fórmula não lhe transmite. Sexo pago e violência que se revelam apenas o equivalente à droga que a mãe consumia e ele condenava, apenas um substituto temporário e cada vez menos eficaz das suas verdadeiras necessidades: amizade, compreensão, amor. Mais, Victor afasta aqueles que, de alguma forma, ainda lhe propõem uma amizade desinteressada e isenta ao recusar-se a ouvir as (incómodas) verdades que eles têm para lhe dizer.
Com estes pressupostos, Nuno Duarte traça para Victor o inevitável percurso descendente cujo resultado só poderia ser a perda completa, se pelo meio não surgisse uma hipótese de redenção. Redenção que Victor vai ter que procurar no fundo de si próprio, não em palavras (ocas ou não) de outros. Redenção que vai ter que encontrar nas suas recordações, nos seus sentimentos, nas suas origens, mas que só vai conseguir (tarde demais?) quando consegue finalmente relacionar-se com aqueles que, de alguma forma, sempre procurou afastar, seja o pai desconhecido, os amigos ou a bela Cláudia, paixão de infância que evoca quase tantas recordações boas quanto más.
Redenção que encontra quando revela ao mundo que a felicidade não está ao alcance de todos num simples papel, livro ou pessoa – uma carapuça bem grande que tantos deveriam enfiar… - mas tem que ser conquistada, através das decisões que – consciente e responsavelmente - vamos tomando ao longo da vida.

A reter
- A forma como o argumento de Nuno Duarte correspondeu às expectativas geradas pela boa primeira parte da história.
- O excelente desenho de Osvaldo Medina, bonito no traço e na cor, eficaz na forma.

Menos conseguido
- A mudança de papel da capa da edição em relação ao primeiro tomo. O papel de gramagem superior e com textura rugosa dá uma outra consistência ao objectivo livro, valorizando-o e tornando-o até mais credível.
- Eu sei que o mercado é pequeno, que a distribuição é a praga que mata os editores, que cada vez mais há mais gente que não paga o que deve (entenda-se os livros que recebe e vende), mas uma tiragem de apenas 400 exemplares parece-me demasiado curta. Ainda para mais, numa obra com tudo o que é necessário - boa história, boa arte, boa edição - para ser comercialmente viável.

25/10/2010

War Songs

Ivan Brun (argumento e desenho)
Drugstore (França, Setembro de 2010)
215 x 293 mm, 64 p., cor, cartonado

Quais os sons que associámos à palavra ‘guerra’? Gritos de dor, raiva, medo, aflição? Estampidos de bombas, tiros, carros de combate? Assobios de balas, mísseis, aviões? Rajadas de metralhadora, tiros de pistola, disparos de tanques? War Songs é um álbum mudo.
Que imagens associamos à palavra ‘guerra’? Justas medievais? Índios contra cowboys? Combates nas trincheiras? Bombardeamentos e destruição em massa? War Songs é um álbum sobre a invasão do Iraque, sobre as guerras mediáticas e sofisticadas actuais, sobre o terrorismo e (algumas d)as suas causas.
Um álbum só com imagens, sem uma única palavra, embora haja balões com símbolos cuja leitura é universal: comida, dinheiro, alvos, destruição…
Um álbum que conta uma história – igual a tantas histórias – de alguém empurrado para o terrorismo pelas desigualdades mundiais e sociais, pela opressão de um povo, pela força do único poder que hoje em dia existe: o poder do dinheiro, o poder da economia.
Uma história dividida por pequenos episódios, de ritmos diversificados, ao longo dos quais vamos conhecendo o protagonista, o meio em que vive, as necessidades que passa, as diferentes opções que ele e os seus conterrâneos fazem: trabalhar ou lutar, cumprir ou desobedecer…
Pequenos episódios que vão mostrando diferenças que tantas vezes tentamos esquecer: que muitos cães (literalmente) ocidentais comem mais e melhor do que seres humanos de países do terceiro mundo; que as opções correctas nem sempre são (ou parecem…) as mais certas; que são cometidas muitas injustiças quando se usam estereótipos para classificar todos por igual; que a guerra estampada nos jornais e televisões muitas vezes soa asséptica e inconsequente, fazendo esquecer que as vítimas são seres humanos como nós; que por muito bem-intencionada (se isso é possível) que seja uma invasão, quase sempre o quotidiano dos invadidos tende a ficar (bem) pior, apesar de “libertados”.
War Songs – não finalmente, mas para concluir este texto – é um álbum incómodo, que obriga a (re)leitura atenta e a meditar no que se leu, porque quase todas as suas perguntas ficam sem resposta, porque as acusações que faz – a ambos os lados, note-se – são justas e pertinentes.

A reter
- A (triste) actualidade do tema.
- A força de algumas imagens – algumas chocantes até – que incomodam e não deixam o leitor indiferente, apesar da ingenuidade aparente do traço naif com um toque de anime.
Menos conseguido
- A contextualização do álbum na invasão do Iraque o que lhe retira o impacto que uma localização “anónima” poderia ter.
- A dificuldade de interpretação de algumas das imagens (demasiado complexas) utilizadas nos balões, o que retira fluidez à leitura.

24/10/2010

‘Palabéns’ Cebolinha!

Foi há 50 anos já, que chegou à Rua do Limoeiro um certo Cebolinha, baixinho, com apenas cinco fios de cabelo e já com a característica dificuldade de pronunciar os “rr”. Nessa primeira aparição, ainda nas tiras protagonizadas por Bidú (o cãozinho azul nascido em Julho de 1959), saía de uma casota de cão, e revelava a tendência para ferver em pouca água que o acompanharia ao longo dos anos. Mais tarde, viria a saber-se que a sua camisa era verde, os calções negros e os sapatos castanhos, “uniforme” que usaria quase sempre.
Alguns, adivinham em ilustrações anteriores – e numa história de uma página com o seu nome – a “pré-história” (mais cabeluda) do Cebolinha, mas foi nas tiras de jornal que Maurício vendia para diversos jornais brasileiros que se viria a afirmar como uma das mais populares criações dos quadradinhos brasileiros, com direito a revista própria a partir de 1973 e participação em inúmeros filmes, desenhos animados, peças de teatro e artigos de merchandising.
Quando apareceu, não sabia ainda, mas viria a ser adepto do Palmeiras e o “dono da rua” (ou da “lua”, como ele dizia), pelo menos até uma certa Mônica, que nasceria três anos depois, assumir o protagonismo que faria com que o seu nome fosse dado por Maurício de Sousa à turma que foi desenvolvendo com ternura e humor, baseado nos filhos e naqueles que o rodeavam. Como aconteceu com Cebolinha, alter-ego de alguém que o desenhador conheceu na sua infância em Mogi das Cruzes.
Ultrapassado pela “baixinha dentuça”, depois desse dia, nada ficou igual para o Cebolinha, que, julgando-se mais inteligente do que todos, passou a ocupar o tempo a inventar planos infalíveis, iguais no objectivo – derrotar a Mônica - e no resultado – acabar derrotado, quase sempre depois de levar com Sansão, o coelho de peluche dela.
Pelo menos, até o dia em que cresceu – corria já o mês de Agosto de 2008 – tornando-se jovem como a restante turma, numa existência paralela, pois o Cebolinha “pequeno” continua a divertir os seus leitores. Deixou o colorido – na prática voltou ao preto e branco original – e, agora em estilo manga (bd japonesa), chama-se só Cebola, só troca “rr” por “ll” quando está nervoso e passou a ter como objectivo conquistar o coração da antiga “inimiga”. Com ela, como reflexo de uma nova geração que Maurício quer conquistar, vive aventuras do dia-a-dia (e também outras mais fantásticas) e até já trocou alguns beijos.
E no futuro, quem sabe, se um dia o dese-nhador, já com 75 anos, decidir criar a Turma da Mônica Idosa, Cebolinha, voltando à infância, quase careca e já muito rezingão, pouco terá a mudar!

(Versão expandida do texto publicado no Jornal de Notícias de 24 de Outubro de 2010)

23/10/2010

Fernando Bento em Viseu

Depois de ter passado por Moura e pela Sobreda, abre hoje ao público, na Biblioteca Municipal D. Miguel da Silva, em Viseu, a exposição retrospectiva “Fernando Bento - Centenário do seu nascimento – Vida e Obra”. Iniciativa do GICAV com o apoio da câmara local, é composta por reproduções de algumas das suas obras mais significativas e ficará patente até dia 6 de Novembro, podendo ser visitada de segunda a sexta, entre as 8h30 e as 19h00, e aos sábados, entre as 13h00 e as 19h00.
No mesmo local, ainda hoje, às 15 horas será lançado o livro “Um campeão chamado Joaquim Agostinho”, que compila pela primeira vez a biografia aos quadradinhos do ciclista português, publicada originalmente em Agosto de 1973, no “Jornal da Volta”, suplemento do extinto jornal “A Capital”. A obra traça o perfil do campeão luso, desde a sua infância até à vitória na volta de 73, que posteriormente lhe seria retirada por doping.
Nome maior da banda desenhada portuguesa, Fernando Bento destacou-se na adaptação aos quadradinhos de episódios da História de Portugal e de clássicos da literatura, publicados maioritariamente nas revistas “Diabrete” e “Cavaleiro Andante”, entre 1940 e 1960. Curiosamente, os primeiros passos de Fernando Bento como desenhador foram dados nos anos 30 no jornal “Os Sports”, onde publicou caricaturas de ciclistas e ilustrações de temática desportiva.


(versão expandida do texto publicado no Jornal de Notícias de 23 de Outubro de 2010)

22/10/2010

Amadora BD 2010 (II)

Abre hoje as suas portas o 21ª edição do Amadora BD - Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora, que se prolonga até ao dia 7 de Novembro. São 17 dias, dezenas de autores e centenas de pranchas que mais uma vez trazem a festa dos quadradinhos até aquela cidade pois, para além do Fórum Luís de Camões, na Brandoa, onde se situa o núcleo central do evento, há mostras espalhadas por diversos equipamentos municipais.
A edição deste ano dá um grande destaque à 9ª arte nacional, ou não fosse o recente centenário da República o seu mote. Por isso, a principal exposição, “A I República na Génese da Banda Desenhada e no Olhar do Século XXI”, traça um retrato cronológico da forma como a BD, a caricatura e o cinema de animação anteciparam e têm mostrado a República ao longo de mais de 100 anos. Com a mesma temática, há também o making of de “É de noite que faço as perguntas”, uma narrativa ficcionada dos acontecimentos que levaram à queda da monarquia, escrita por David Soares e desenhada por Richard Câmara, Jorge Coelho, João Maio Pinto, André Coelho e Daniel Silvestre Silva. A par destas duas, destaque ainda para a retros-pectiva de Richard Câmara, autor do cartaz e da imagem gráfica do festival deste ano, e para a mostra que assinala o centenário de nascimento de Fernando Bento. As obras de Bernardo Carvalho (na Casa Roque Gameiro), Cristina Sampaio, e José Carlos Fernandes e Luís Henriques, premiadas em 2009, são também tema de exposições, bem como os trabalhos de Luís Diferr (“As Viagens de Lois – Portugal”, na Galeria Municipal Luís Bual) e Paulo Monteiro (“O Amor Infinito que te Tenho e Outras Histórias“).
Curiosa é a abordagem de “Lusofonia - A Nona Arte em Língua Portuguesa”, que, a partir das obras Nuno Saraiva (Portugal), Jô Oliveira (Brasil), Lindomar Sousa (Angola) e Zorito e Machado da Graça (Moçambique ), se propõe mostrar as particularidades da língua portuguesa falada em cada um deles.
No programa deste ano, no entanto, há duas falhas significativas: mais uma vez a quase total ausência de manga (bd japonesa) e de comics norte-americanos e a falta de nomes sonantes do panorama internacional, que seriam capazes de cativar o público (em especial os mais jovens) para ir descobrir a produção portuguesa. Os belgas François Schuiten e Benoit Peeters (distinguidos em 2009 pelo álbum “A Teoria do Grão de Areia, vol. 1) e, em menor escala, o norte-americano Sean Gordon Murphy (“Joe the Barbarian”) são as parcas excepções. Ou a um outro nível, Korky Paul, autor de “A Bruxa Mimi”, que faz sucesso entre os mais pequenos.
Para este primeiro fim-de-semana estão anunciadas as presenças de Schuiten e Peeters, Aude Samama, Alfonso Azpiri, Seri Aoi, Kim Hakhyun, João Mascarenhas, Paulo
Monteiro, Richard Câmara, Fil, David Soares, Fernando Dordio, Mário Freitas, Osvaldo Medina, Nuno
Duarte, Pedro Leitão, Ricardo Cabral, Carlos Páscoa, Joana Afonso, Luís Diferr e Rui Lacas, e programadas a apresentação dos livros “O menino Triste – Punk Redux”, de João Mascarenhas , e “Agentes do C.A.O.S.: A Conspiração Ivanov”, de Fernando Dordio, Filipe Teixeira e Mário Freitas.
Veja o programa completo do festival aqui.

(Versão expandida do texto publicado no Jornal de Notícias de 22 de Outubro de 2010)

21/10/2010

Corto Maltese – Mü, a cidade perdida

Hugo Pratt (argumento e desenho)
Edições ASA (Portugal, Maio de 2010)
235 x 305 mm, 198 p., cor, cartonado

“Prefiro acreditar que uma coisa estranha e bela que ainda não conheço, conseguirá vencer a lógica sem piedade que tive de engolir e da qual ainda não consegui libertar-me…” (Corto Maltese, p.135)


Entre as muitas personagens emblemáticas que a banda desenhada nos deu ao longo de pouco mais de um século de existência (oficiosa), Corto Maltese ocupará sempre um lugar de destaque. Pela sua personalidade e pela forma como isso o fez saltar para lá dos limites dos quadradinhos, enfeitiçando e seduzindo (mesmo) aqueles que nutrem pouca (ou nenhuma) consideração pela 9ª arte.
Criado pelo veneziano Hugo Pratt (1927-1995) em 1967, na sublime – e para muitos inultrapassável – “A Balada do Mar Salgado”, este marinheiro romântico e errante – seguindo os passos do seu criador de quem é perfeito alter-ego –, com sede de liberdade e o horizonte como único limite, defensor de causas perdidas e de ideais utópicos – não são assim todos os ideais? -, personalizou de forma intensa e invulgar, os sonhos, paixões e ambições de gerações de leitores que, com ele, viveram realidades (oníricas?) de outra forma impossíveis de concretizar.
O presente álbum, marcou o regresso das suas aventuras às livrarias nacionais, numa nova edição, colorida – para mim um senão, porque prefiro de longe o preto e branco contrastado de Pratt -, de formato ligeiramente inferior aos álbuns originais (mas sem prejuízo de maior para o desenho), complementada com uma bela introdução de Marco Steiner, ilustrada com fotos de Marco D’Anna, sobre alguns dos mistérios da História da humanidade que ainda subsistem nos nossos dias.
Se a escolha de “Mü, a cidade perdida” para este regresso é perfeitamente justificável, por ser a única aventura de Corto que não teve distribuição comercial nas livrarias portuguesas (foi apenas integrada na colecção vendida com o Público) – ela é também, no entanto, de certa forma, o seu canto do cisne, não só por ter sido a última história escrita e desenhada por Pratt, mas também por ser uma das mais estranhas (e irreais) aventuras que o marinheiro viveu. E onde se adivinha um certo tom de celebração da série, pela reunião de algumas das personagens com quem Corto se foi cruzando ao longo do seu percurso: Rasputine, Boca Dourada, Steiner, Tristan… a par de outras que agora vai conhecer.
A história, complexa, densa, recheada de referências, combinando factos comprovados, lendas e fábulas, começa com uma discussão sobre História, com os Maias como pano de fundo, e um escafandrista – o próprio Corto – à procura, mais uma vez (sempre!), desta vez do lendário (?) continente de Mü. Se o encontrará ou não – com quem e como – cabe ao leitor descobrir, de mente e espíritos abertos, para viajar no tempo e no espaço, no mundo real e também no dos sonhos.

“- Já não distingo o sonho da realidade.
- São duas vias paralelas. Porquê limitarmo-nos a uma só?” (p.166)
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