Enquanto as memórias se vão apagando
Não devia escrevê-lo, mas aqui e ali sai-me um texto bom. Mesmo muito bom. O que dediquei a O Combate Quotidiano #1, é um deles e dificilmente seria capaz de lhe acrescentar mais alguma coisa.
Junto apenas alguns temas que mudam tudo - ou podem mudar: o luto, a paternidade, o fim das coisas, a mutabilidade do sonhos. Com os quais o protagonista - no lugar de Larcenet - se reinventa, se reafirma, mostra como nada muda, sendo a realidade outra. Ou como tudo muda, sendo a realidade a mesma.
Já o escrevi: é a VIDA. (...)
Por vezes, certas escolhas editoriais custam a compreender como, no caso deste Don Vega, que regressa pela enésima vez à história de Zorro.
Mas,
uma vez feita a leitura, ela surge plenamente justificada, pelas
opções autorais e também pela
intemporalidade da história.
(...)
Anterior a New York Cannibals, embora ambas as obras façam sentido isoladas, lidas num díptico dão outras respostas e um retrato mais amplo.
Aqui, começa uma história forte, cruel e chocante, em que acompanhamos a vida de Pavel – aliás, Little Tulip - filho de perseguidos pelo regime estalinista, que acaba detido num goulag siberiano, tal como os seus progenitores.
Narrativa mais forte, mais densa, mais violenta que a sua continuação já referida, neste momento em que a Rússia está no topo da actualidade devido à invasão da Ucrânia, dá-nos um retrato sinistro do que foi a vida de muitos naquele país, na década que se seguiu à II Guerra Mundial. (...)
Velhos são os trapos, diz o adágio popular. Mas velhos seremos, também, todos nós, um dia, se o tempo nos deixar chegar lá. Em que estado, não sabemos, mas o retrato a um tempo terno e assustador que Paco Roca traça do envelhecimento e da vida nos lares de idosos, não pode deixar ninguém indiferente. (...) (...)
(imagens disponibilizadas pelas respectivas editoras; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos títulos das obras já a seguir para ver mais pranchas de cada uma: Combate Quotidiano #1; O Combate Quotidiano #2; Don Vega; Little Tulip; Rugas)
Autor e personagem
Tendo-me abeirado deste livro com justificadas expectativas, pelos ecos que já me tinham chegado e porque esperava pela edição desde Março - caso não tivesse havido pandemia - uma vez feita a leitura - que cumpriu o que eu aguardava - não consigo evitar associá-lo a duas outras obras aos quadradinhos.
Compreendo aqueles que olham para as 'crónicas em pijama' de Paco Roca como das suas obras menos interessante e admito até que - no presente caso - possam questionar se algumas das sequências de duas páginas que integram este livro não estão mais próximas do texto ilustrado do que da banda desenhada propriamente dita.
No entanto, a principal diferença entre este livro e o anterior é a (aparente) tomada de consciência do autor perante o mundo que o rodeia, revelada num certo afastamento do seu umbigo e em narrativas mais centradas nos problemas que afectam o nosso mundo.