Finalmente...
Sei
que tenho lacunas nas minhas leituras de banda desenhada - bem mais
do que gostaria, muitas mais do que serei capaz de suprir até ao dia
em que definitivamente vou deixar de ler.
Entre
as mais gravosas - sabia-o teoricamente, sei-o agora com
conhecimento prático - estava Li’l
Abner, de Al Capp, uma das mais deliciosas tiras diárias/pranchas
dominicais clássicas norte-americanas.
Certamente considerada insultuosa, presunçosa, preconceituosa ou imprópria por muitos hoje em dia, vive em grande parte da comparação entre os modos de vida dos montanheses rústicos e o das pessoas civilizadas das grandes cidades.
A série assume o nome do seu protagonista, um jovem sempre descalço com tanto de atlético e esbelto, quanto de parolo e ingénuo, que divide as cenas com a mãe, Pansy,, forte e determinada, e o pai, Lucifer, parasita, iletrado, tacanho e fácil de enganar, e com a bela e curvilínea Daisy Mae, apaixonada por ele.
Entre outros montanheses, nomeadamente os que habitam em Skunk Hollow, hostis à família Yokum, parentes citadinos mais ou menos afastados e bastados, o aldrabão Sam Casamenteiro ou belas mulheres recorrente e pontualmente apaixonadas por Li’l Abner, a série vai avançando em episódios cuja temática própria varia, mas traçando sempre um retrato não muito abonatória da gente simples e pouco instruída que habita no condado de Dogpatch, no topo das montanhas do Sul, pese embora o facto de no final saírem sempre por cima. Produto do pós-Grande Depressão, se tem como primeiro objectivo divertir, traça também um retrato duplamente mordaz da sociedade norte-americana, dos seus preconceitos e das suas diferenças abissais.
Neste primeiro tomo, que reúne os três primeiros anos (um pouco menos de dois e meio na prática) da criação de Al Capp, os episódios narrados nas tiras diárias a preto e branco revelam-se bem mais estruturados e interessantes dos que os apresentados nas pranchas dominicais, quase sempre auto-conclusivas e por isso obrigadas a uma maior concisão. Mesmo assim, não resisto a referir os ‘conselhos’, deixados a novos e velhos, incluídos na primeira vinheta desenhada (descartável) destas (ver exemplo aqui ao lado), surpreendentemente sinceros, provocadores e a vários níveis de uma deliciosa incorrecção política, a certa altura sugeridos pelos próprios leitores que, como recompensa, recebiam o respectivo desenho.
Um nota final para a soberba edição da Diábolo Ediciones, de formato gigante, capa dura e grossa e excelente papel e impressão, que confere a grandeza merecida à obra-prima de Capp, que conta ainda com uma longa introdução assinada por Denis Kitchen e Bruce Canwell e que, como devia acontecer sempre neste género de compilações ou em qualquer outro tipo de antologia, indica as datas originais de publicação de cada tira diária e de cada prancha dominical.
Li’l
Abner
Tiras
diarias y planchas dominicales 1934-1936
Al
Capp
Diábolo
Ediciones
Espanha,
Novembro de 2022
285
x 380 mm, 270 p., pb/cor, capa dura
59,95
€
(imagens disponibilizadas pela Diábolo Ediciones; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)
Tenho vários volumes da kitchen sink. E lidos na época da sua aquisição. É uma série única.
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