01/06/2011

Guerra Colonial

Na Banda Desenhada Portuguesa

Apesar da História pátria ter sido sempre uma temática importante na banda desenhada portuguesa, a guerra colonial (tal como o período revolucionário que se seguiu ao 25 de Abril), embora tematicamente muito rica, a vários níveis, teve uma passagem mais ou menos discreta pelos quadradinhos nacionais, reflexo sem dúvida da forma complicada como a própria sociedade lidou com o tema.
Na maior parte dos casos, as referências à guerra colonial - as suas origens, as suas consequências – limitam-se a apontamentos mais ou menos breve nas abordagens históricas à época contemporânea.
É o que acontece, com algumas nuances, na “História de Portugal em B.D.” (ASA, 1989), de José Garcês e Carmo Reis, “25 de Abril – O renascer da Esperança” (SporPress, 1999), de Manuel de Sousa e Ernesto Neves, “A Revolução desenhada” (Afrontamento, 2000), de José Carlos Fernandes, João Miguel Lameiras e João Ramalho Santos, “Memória” (Má Criação, 2004), de Cristina Sampaio e Rui Cardoso Martins ou “Salazar – Agora, na hora da sua morte” (Parceria A.M. Pereira, 2006), de Miguel Rocha e João Paulo Cotrim. Ou ainda, num registo satírico, em “O País dos Cágados” (edição de autor, 1989), de Artur Correia e António Gomes de Almeida.
O (quase) endeusamento das figuras nacionais, que caracteriza muita da BD histórica nacional, está presente nas obras anteriores ao 25 de Abril, como acontece com “O Ericeira”, a biografia de um soldado com várias comissões em África onde acaba por morrer vítima de uma explosão, da autoria de Baptista Mendes, publicada (sem surpresa) na Revista da Armada, em 1972.
Casos reais, mas de sentido oposto, bem mais humanos e pacifistas, estiveram também na origem de “7 72” (Azul BD3 #2, Jogo de Imagens, 1994), de Diniz Conefrey, que conta a morte de “um soldado que nunca disparou um tiro e ia a cantar”, e de “Angola 1971” (Visão #7, Edibanda, 1975), de Pedro Massano, que narra o abate, por engano, de uma negra e do seu filho de colo, por um soldado português.
A mesma revista “Visão” publicaria “Matei-o a 24”, logo a partir do seu primeiro número, uma das abordagens mais marcantes ao tema, apesar de ser uma história que ficou incompleta. Desenhada por Victor Mesquita, a partir de um argumento de Machado da Graça, num estilo realista, a cores, com uma planificação muito dinâmica, esta BD, é narrada na primeira pessoa por Eduardo, recém-regressado à vida civil após cumprir a sua comissão em Moçambique, com evidentes sintomas daquilo que hoje se designa por Síndroma de Guerra.

Nela, descreve como, após ter sido dado como morto na sequência de um ataque, se vê frente a frente com um guerrilheiro negro – um “turra”, como eles eram chamados em África pelos portugueses - e como conseguiram ultrapassar a rivalidade inicial para se ajudarem mutuamente. Esta BD teria apenas 12 pranchas publicadas até ao quinto número da publicação. Depois, desentendimentos internos levaram à saída do seu autor, ficando os leitores sem saber o destino de Eduardo e do parceiro, embora o título o deixasse adivinhar...
A mesma revista “Visão”, criada para divulgar de forma digna “Uma nova banda desenhada portuguesa”, claramente marcada por ideias de esquerda e pela sede de liberdade que atravessava o país, voltaria de alguma forma ao tema, ao publicar uma biografia aos quadradinhos de Amílcar Cabral, embora de origem cubana.
Publicada directamente em álbum, “Operação Óscar” (Meribérica/Líber, 2000), de José Ruy, narra a relação amorosa entre um oficial português e uma negra, abarcando o período desde 1962 até à revolução de Abril, cruzando a ficção com personagens reais como Salgueiro Maia e Otelo Saraiva de Carvalho.
“Quem vem e atravessa o rio” (Quadrado #3, 2ª série, ASIBDP, 1996) de Arlindo Fagundes e Pedro Sousa Dias, mostra em tom mordaz os efeitos da guerra a longo prazo, quando o herói, Pitanga, encontra um ex-PIDE prestes a suicidar-se na ponte Luiz I, dividido entre uma atitude racista e os remorsos do que fez em África.
E se a maior parte das abordagens da BD nacional à guerra colonial se limita à simples referência histórica ou opta pela sua condenação, “Mamassuma – Comandos ao ataque” é a excepção à regra.
Lançado em 1977, num formato entre a revista e o mini-álbum, com uma tiragem anunciada de 30 mil exemplares, é uma criação de Vassalo Miranda que surpreende pelo tom assumido, se tivermos em conta o contexto, tendo sido por muitos apodada de “fascista” e “reaccionária”

Fazendo dos comandos heróis, nos moldes tradicionais da banda desenhada clássica de aventuras, Miranda usa a sua BD para criticar abertamente a descolonização levada a efeito por “alguns traidores”, supostamente aliciados pelas “grandes potências anti-europeias” – Rússia, China, Estados Unidos – “inspiradas por monstruosa ambição”, após o terrorismo nos territórios coloniais portugueses ter sido “completamente derrotado pela resistência das populações do Ultramar e pelo Exército Português”.
A acção, ainda segundo o autor, decorre em “Angola, um país luso-africano (…) onde todos viviam em paz e segurança” pois “as arestas étnicas e sociais estavam a ser limadas”. Este paraíso idílico, no entanto, em 1961 seria “atacado por grupos terroristas (…) de marginais e paranóicos, tanto africanos como europeus – que a traição não distingue raças”.
Ao longo das seis dezenas de páginas do livro, com uma linguagem viva e bem realista os comandos têm que libertar um aviador feito prisioneiro pelos “estúpidos e drogados terroristas do M.P.L.A.”, enfrentando-os sem piedade bem como os “comunistas de m…” que constituíam a tripulação de um cargueiro russo infiltrado em território angolano.
Vassalo Miranda, ele próprio ex-comando na Guiné, voltaria ao tema com “Operação Gata Brava” e “Operação Trovão” (ed. Intermal, 1994 e 1995) a partir de argumentos de Alpoim Calvão.
Não sendo muitos, estes exemplos revelam no entanto a abordagem diversificada que a banda desenhada permite, ao nível de temáticas, técnicas narrativas e estilos gráficos.


Nota 1: Por motivos evidentes, não foram referidas neste texto as histórias publicadas ao longo de 1999 no jornal Público, no projecto “25 de Abril, 25 Anos, 25 Bandas Desenhadas”. Pelo menos duas delas, “Memória”, de Cristina Sampaio e Rui Cardoso Martins, e “Pipu” de Daniel Lima, (ambas publicadas no mini-álbum “25 de Abril Sempre!”, da Má Criação, 2004) contêm breves referências à guerra colonial, tema a que Diniz Conefrey dedicou integralmente “A Serpente”.
Fica o registo para lamentar mais uma vez que esse projecto tenha ficado inédito em livro.


Nota 2: para aprofundar o tema, sugiro a leitura do catálogo “Uma Revolução Desenhada – O 25 de Abril e a BD” (Afrontamento/Centro de Documentação 25 de Abril, 1999), da autoria de João Miguel Lameiras, João Paulo Paiva Boléo e João Ramalho Santos, que serviu de ponto de partida para este texto.








(Versão revista e aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias de 31 de Maio de 2011, integrado numa série de artigos sobre a Guerra Colonial)

31/05/2011

Melhores Leituras

Maio 2011


Batman 95 (Panini Brasil), vvaa

Ele foi mau para ela (Libri Impressi), de Milt Gross

Le désespoir du singe #1 – La nuit des lucioles (Delcourt), de Peyraud (argumento) e Alfred (desenho)


Le masque du fantôme #1 – Le château des ombres (Delcourt), de Fabien Grolleau


Mezek (Le Lombard), de Yann (argumento) e Juillard (desenho)


Os Incontornáveis da BD #7 – Murena (ASA + Público), de Dufaux (argumento) e Delaby (desenho)


Os Incontornáveis da BD #8 - Max Fridman (ASA + Público), de Giardino


Os Incontornáveis da BD #12 – O Assassino (ASA + Público), de Jacamon (argumento) e Matz (desenho)


Théodore Poussin – L’Intégrale #1 (Dupuis), de Yann (argumento) e Frank Le Gall (argumento e desenho)


Tintin #13 – As 7 bolas de cristal, #14 – O Templo do Sol e #15 – No país do ouro negro (ASA), de Hergé


Universo Marvel #3 (Panini), vvaa

30/05/2011

Turma da Mônica Jovem #34

Estúdios Maurício de Sousa
Panini Comics (Brasil, Maio de 2011)
160 x 210 mm, mensal, 128 p., preto e branco, brochada, 2,35 €


1960: nasce no Brasil, nas tiras diárias de jornal protagonizadas pelo Bidú, Cebolinha, um menino com meia dúzia de anos, cinco fios de cabelo na cabeça e dificuldade em pronunciar os “rr” que sistematicamente troca por “ll”.
1963: no mesmo suporte, aparece pela primeira vez Mônica, uma menina da mesma idade, dois dentes salientes, muita força e a companhia constante de um coelhinho de peluche chamado Sansão.
2008: Mônica e Cebolinha, depois de anos de um imenso sucesso, muita amizade e ainda mais rivalidade, marcados pelo falhanço de planos infalíveis e grandes tareias com o coelhinho, (finalmente) cresceram. Vantagem do tempo passado nos quadradinhos, mais de quarenta anos depois são apenas adolescentes. Ela está bonita e continua decidida; ele, agora chamado Cebola, só troca os “rr” pelos “ll” quando está nervoso. A estreia, a preto e branco e em estilo próximo do manga (BD japonesa) acontece na revista Turma da Mônica Jovem, que de imediato se torna um enorme sucesso de vendas no Brasil, com presenças sucessivas nos tops de vendas de bancas e livrarias.
2011, Maio, 24: Chega às bancas brasileiras o nº34 da Turma da Mônica Jovem, alguns dias mais cedo do que o anunciado, na sequência de uma intensa campanha de marketing, essencialmente desenvolvida online. Inicialmente assente numa imagem que mostrava Sansão, o tal coelhinho de peluche abandonado, ganhou (mais) força mediática quando foi revelada a capa que mostra um intenso beijo entre Mônica e Cebola.
Não que fosse o primeiro. Esse, mais casto e rápido, aconteceu na TMJ #4, no calor do final de uma aventura emocionante, que fez da revista recordista com quase meio milhão de exemplares vendidos!
Depois, já houve mais alguns, leves e rápidos. Mas agora, numa história intitulada “Quer namorar comigo?”, Cebola finalmente ganhou coragem e faz o pedido, para não perder a amiga para um rival, revelou Maurício de Sousa, remetendo para a leitura da revista a descoberta da resposta da Mônica.
Sendo positiva, como a capa parece indicar, implicará um reajuste na estrutura da série – em parte assente na rivalidade/atracção – entre os dois jovens. O que poderá servir de mote para Maurício, que lança algumas pistas – mais dúvidas do que certezas - sobre o futuro do “casal” no editorial da revista, que pode ser lido abaixo, explorar outras temáticas mais sensíveis relacionadas com as relações na adolescência, pois esse era, afinal, um dos objectivos da publicação quando foi criada.
Mas se os brasileiros já estão a descobrir a resposta da Mônica (um sim intenso ou uma forte coelhada?), numa edição com tiragem base de 500 mil exemplares, os portugueses terão que esperar até Outubro, quando chegará às bancas e quiosques nacionais este número da Turma da Mônica Jovem.
(Versão revista e modificada do texto publicado no Jornal de Notícias de 30 de Maio de 2011)

29/05/2011

Selos & Quadradinhos (48)

Stamps & Comics / Timbres & BD (48)
Tema/subject/sujet: Homenaje a Toño Salvador
País/country/pays: El Salvador
Data de Emissão/Date of issue/date d'émission: 1999

28/05/2011

VII Festival de BD de Beja (II)

Tem inicio hoje o VII Festival Internacional de Beja, mais uma vez com um programa aliciante, vasto e diversificado, assente nos três vectores que têm balizado o seu crescimento sustentado que faz dele o segundo mais importante do país e, em termos de conteúdos, possivelmente o mais interessante.
O primeiro, é a grande aposta na produção nacional. Das 17 exposições patentes, 11 mostram os quadradinhos portugueses. Entre elas está a monográfica dedicada a Fernando Relvas, um dos grandes nomes da BD nacional dos anos 80 e 90 (publicado especialmente no semanário Se7e), que interrompe o seu “exílio” voluntário na Croácia para vir a Beja lançar a novela gráfica Li Moonface (pela pedranocharco).
Outro grande destaque é a apresentação dos originais das histórias que o “quarteto fantástico” português, Filipe Andrade, Nuno Plati, João Lemos e Ricardo Tércio, tem produzido para a Marvel. Para além destes, a BD nacional está também representada por Bernardo Carvalho, Carlos Rico, Rui Lacas, Inês Freitas, João Mascarenhas e Ricardo Cabral.

O segundo vector diz respeito à selecção de convidados estrangeiros, consagrados embora à margem do mainstream. Este ano, a escolha recaiu em Ivo Milazzo, desenhador de Ken Parker, um notável western humanista, Liam Sharp, argumentista e desenhador de super-heróis como Judge Dredd, Spider-Man, X-Men, Hulk ou Batman, ou Jacques Loustal, um dos pintores da BD francófona.
Quanto ao terceiro vector, é transversal aos outros dois e passa pela combinação equilibrada da aposta em nomes consagrados e a proposta de descoberta de novos criadores e estilos narrativos.
Espraiando-se por diversos locais de Beja até 12 de Junho, embora tenha por principal pólo a Casa da Cultura, o festival, cujo programa completo convém consultar, fica igualmente marcado, mais uma vez, pelo lançamento de diversas edições nacionais, entre as quais Futuro Primitivo, Zona Gráfica, Venham+5 ou BDJornal, que mostram que os quadradinhos nacionais continuam a mexer e justificam a aposta de Beja neles.
“No total”, refere a organização, “são 17, as exposições de banda desenhada patentes ao público, mais de 60 autores de países como a Espanha, a França, a Itália, o Reino Unido e a Sérvia (além de Portugal, naturalmente), cerca de 70 editores representados no Mercado do Livro, e 15 dias de Programação Paralela a pensar em todos os gostos, com apresentação de projectos, cinema, conferências, cosplay, desenho ao vivo, lançamentos, maratona de desenho, oficinas, portfolio reviews, sessões de autógrafos, visitas guiadas, workshops, etc.
Como já é habitual o Festival estende-se por todo o centro histórico, partindo da Casa da Cultura (o núcleo central), para se estender até à Biblioteca Municipal, à Galeria do Desassossego, ao Museu Jorge Vieira - Casa das Artes, ao Museu Regional de Beja, e ao Pax Julia - Teatro Municipal.
15 dias de Festival, 15 dias sem descansar…”


Exposições Individuais
ALEKSANDAR ZOGRAF – Sérvia
ANDREA BRUNO – Itália
BERNARDO CARVALHO (Ilustração) – Portugal
CARLOS RICO – Portugal
FERNANDO RELVAS – Portugal
INÊS FREITAS - Portugal
IVO MILAZZO – Itália
JOÃO MASCARENHAS – Portugal
LIAM SHARP - Reino Unido
LOUSTAL – França
PABLO AULADELL – Espanha
RICARDO CABRAL – Portugal
RUI LACAS – Portugal


Exposições Colectivas
À VOLTA DO MUNDO – Portugal
Com trabalhos os alunos das escolas de Albernoa, Baleizão, Beja, Beringel, Cabeça Gorda, Mombeja, Nossa Senhora das Neves, Quintos, Salvada, Santa Clara de Louredo, Santa Vitória, São Brissos, São Matias, Trigaches e Trindade


FUTURO PRIMITIVO – Portugal
Com Afonso Ferreira, Ana Menezes, Ana Ribeiro, André Coelho, André Lemos, André Ruivo, Andreia Rechena, Bráulio Amado, Bruno Borges, Cláudia Guerreiro, Daniel Lopes, David Campos, Filipe Quaresma, Inês Silva, Jarno Latva-Nikkola, Joana Pires, João Chambel, João Maio Pinto, João Ortega, João Paulo Nóbrega, John P-Cabasa, José Feitor, Jucifer / Pedro Brito, Lucas Almeida, Manuel Pereira, Marco Moreira, Marcos Farrajota, Margarida Borges, Mattias Elftorp / Sofia Lindh, Natália Andrade / Christina Casnellie, Nevada Hill, Ondina Pires, Pedro Sousa, Pedro Zamith, Pepedelrey, Rafael Gouveia, Ricardo Martins, Rita Braga, Rudolfo, Silas, Sílvia Rodrigues, Stealing Orchestra, Susa Monteiro, Uganda Lebre e Valério Bindi / MP5


PORTUGUESES NA MARVEL – PortugalCom Filipe Andrade, João Lemos, Nuno Plati e Ricardo Tércio

VENHAM + 5 – Portugal
Com Agonia Sampaio, André Lima Araújo, António Pedro, Carlos Apolo Martins, Carlos Páscoa, Diniz Conefrey / Maria João Worm, Fil / Rui Alex, Inês Freitas, Luís Lourenço Lopes, Marco Silva,Sérgio Chaves / Kari Murakami, Sónia Oliveira, Teresa Câmara Pestana e Véte

(A primeira parte deste texto foi publicada no Jornal de Notícias de 28 de Maio de 2011)









Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...