A música como refúgio e esperança
"Muitas vezes, o paraíso está mesmo à nossa frente, e em coisas muito simples , como um delicioso prato de peixe."
In A Norte de Sul Nenhum
A
questão dos migrantes que atravessam o Mediterrâneo em condições
muito precárias, em busca de melhores condições de vida, de sonhos
ou tão só para fugirem da sua realidade, já foi objeto da banda
desenhada portuguesa em mais que uma ocasião, a diferentes níveis.
Foi o caso de Pitanga: O colega de Sevilha
(edição da Arcádia, 2019), de Arlindo Fagundes, como pretexto para
uma aventura de tom humano, ou de Porra...voltei!
(Insónia, 2023), de Álvaro Santos, numa abordagem em que o humor
agressivo se combina com uma crítica social feroz.
Agora,
surge A
Norte de Sul Nenhum
(A Seita, 2024), em que João Mascarenhas, sobre poemas de Fernando
Cabrita, constrói uma história poética, de tom esperançoso,
narrada a dois tempos.
Porque, este relato assenta na descoberta mútua de Khalid e João, ambos refugiados de guerra, embora em épocas diferentes. O primeiro, deixou o Norte de África para se refugiar em Olhão. O segundo, que em tempos idos deixou Portugal para ir para França para fugir à guerra colonial, vive também naquela cidade, ela própria arquitectonicamente uma mistura de estilos europeu e árabe, embora estes nunca a tenham ocupado.
Ambos músicos, procuram através da sua arte, a libertação, o esquecimento das memórias traumáticas, o conforto e o consolo que a solidão e a distância daqueles que amam provocam, reinventado-se e reinventando a sua vida, numa catarse pessoal que, na narrativa propriamente dita, assume também um tom de denúncia.
Com Olhão, primorosamente retratada por Mascarenhas, a partilhar o protagonismo com os dois refugiados que o acaso reuniu, "A Norte de Sul Nenhum" inclui ainda a inevitável referência/homenagem ao "Tintin" de Hergé, de quem o desenhador é admirador confesso, e faz a ponte entre realidades e vivências diferentes, ponte essa que os horrores das guerra propiciam, num breve parêntesis aos efeitos mais devastadores que as caracterizam.
De uma história humana e poética, fica o eco que a sobrevivência pode ser conseguida através da arte e que a criação artística pode ser refúgio e esperança de um futuro melhor.
A
Norte de Sul Nenhum
João
Mascarenhas (argumento
e desenho)
Fernando
Cabrita
(poemas)
A
Seita
Portugal,
Maio de 2024
205
x 270 mm, 56
p., cor
capa dura
13,90
€
(versão revista do texto publicado na página online do Jornal de Notícias de 31 de Maio de 2024 e na versão em papel do dia seguinte; imagens disponibilizadas por A Seita; clicar nesta ligação para ver mais pranchas ou nas aqui reproduzidas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)
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