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“O Menino Triste sou eu”
Chama-se João Mascarenhas,
nasceu em Luanda, Angola, em 1960, e é engenheiro mecânico de formação. Na
banda desenhada é conhecido como criador de O Menino triste, cujo mais recente
álbum Punk Redux serviu de mote para a conversa por mail que se segue.
As Leituras do Pedro (ALP) - Quem é o Menino
Triste?
João Mascarenmhas
(JM) - ;) O primeiro a escrever que O Menino Triste é o meu alter ego foi o Geraldes Lino. E acertou!
Começou em 2001 com a publicação do primeiro livro, de 16 páginas. Nele abordei
aquilo a que chamo o “complexo Peter Pan” (esse livro é dedicado a Peter Pan), ou
seja, o “não querer crescer” ou melhor, o “não querer abandonar a infância”. Na
altura não tinha ideia de continuar a escrever/desenhar mais nada sobre a personagem,
inclusivamente, o livro aborda o arco de vida da personagem entre a infância e
a idade adulta. Contudo, as pessoas que iam lendo o livro começaram a
questionar-me sobre a continuidade da personagem e de mais histórias. E assim
nasceram os seguintes. Portanto, podemos dizer que O Menino Triste sou eu.
ALP - Porque é Triste o Menino?
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JM - Já reparaste
que a tua questão é apenas sobre o “triste”? A palavra e o conceito têm um peso
enorme na nossa cultura, que leva constantemente as pessoas a repetirem essa
tua questão. O Ziraldo tem “O Menino Maluquinho” e ninguém estranha. Existem
também outras personagens de BD como “O Menino Vampiro”, “O Menino Caranguejo”
e outros, mas ninguém estranha. Agora O Menino TRISTE, esse sim, é muito mais
“forte” enquanto nome. Se reparares, apenas no Punk Redux as personagens que nele entram têm nome. Até agora,
nunca precisei de as “baptizar”. Embora eu não faça o culto da tristeza, penso
que ela é tão natural no ser humano como qualquer outro sentimento. Aliás, ela
é uma fonte da criatividade. Peço-te para veres o texto que te envio em
separado e que escrevi há uns tempos sobre este mesmo tema (reproduzido no
final da entrevista). Mas na origem está o facto de a personagem deixar a
infância. A tristeza pela infância perdida.
ALP - Sair do mundo da infância é motivo de
tristeza? A idade adulta não tem - também - muitas alegrias?
JM - Em relação à
segunda questão, não elimina a questão dos prazeres de adulto que focas, só que
a ausência de responsabilidades “a sério” quando somos putos, e outras questões
mais profundas, faz com que sintamos (pelo menos eu) uma grande nostalgia da
infância. É por isso que existe a expressão “criança crescida”, e aplica-se a
mim.
ALP - Quanto de ti há n’O Menino Triste?
JM - Tudo! Os
meus pensamentos, preocupações, vivência, experiências enquanto ser humano. Não
é que a minha vida seja particularmente interessante para ser contada às
pessoas, mas utilizo-a como pano de fundo. Podemos dizer que é auto-biográfico.
Uma vez Hergé disse: “toda a minha vida está em Tintin”. Com as devidas
distâncias ao mestre, acho que n’O Menino Triste se passa a mesma coisa em
relação a mim. Por exemplo, conheces com certeza a história “O Sorriso”, que
criei exactamente quando nasceu o meu filho. Não é o relato do nascimento, mas
é esse o momento que marca a história, e todos perceberam a mensagem.
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ALP - Porquê o punk neste momento?
JM - Depois d’A
Essência, eu tinha dito que ia “fazer umas férias” em relação a O Menino
Triste. Este livro não tinha sido pensado até então. Acontece que um dia
acordei com uma imagem na cabeça, semelhante à capa do livro. Fui para o
estirador, desenhei-a e coloquei-a no blog. Começaram a chover mensagens a
perguntar se era esse o tema do próximo livro. Sinceramente, em termos de novas
histórias, o que eu tinha pensado era uma sobre o “porque é que nós acreditamos
nos contos de fadas”, ou melhor, “porque é que precisamos da fantasia na nossa
vida”. Um tema que revela muito da essência da personagem. Agora, não tinha
pensado em nada sobre o punk. Falei com a editora (Qual Albatroz), dizendo-lhes
que podia fazer uma pequena história (tipo 20 páginas) sobre o tema. A resposta
foi que “sim, senhor, mas em formato de álbum de 48 páginas!” Fiquei
entusiasmado com a ideia e então fui buscar as minhas memórias da minha
primeira visita a Londres, no Verão de 1976, e os meus contactos com algumas
pessoas envolvidas no punk.
A saída do álbum
nesta altura não podia ser mais oportuna: nele são abordadas questões que na
altura, no Reino Unido, fizeram despontar o movimento (punk), e que são
similares às que actualmente estamos a viver por toda a Europa. O livro não
fala apenas da música, mas de todo o enquadramento envolvente. A realidade
sócio-cultural de Portugal (da altura) é também abordada, fazendo-se notar as
várias diferenças face ao Reino Unido. O que gosto no livro é que ele é
perfeitamente actual, e recomendo-o não apenas aos que gostam do punk.
ALP - Quem conheceste realmente nesse meio quando
viveste em Londres?
JM - Não conheci
muitas pessoas. O primeiro foi exactamente o rapaz que me disse chamar-se
“Punk”, e do qual nunca cheguei a saber o verdadeiro nome. Exacto, como está no
livro. Depois através dele conheci alguns elementos que estiveram na génese do
grupo Siuoxsie and the Banshees. Na altura eles ainda não se chamavam assim, e
a Sue (aliás Susan, aliás Siouxsie) tinha um aspecto completamente diferente
daquele pelo qual depois ficou mais conhecida (com maquilhagem tipo Clara Bow e
cabelos espetados). Conheci também o Malcolm McLaren, na sua loja SEX, em Kings
Road (ainda a minha rua favorita em Londres), onde o Punk me levou e com o qual
estivemos um pouco a conversar. Os diálogos do livro entre o Malc e a Soo
Catwoman não aconteceram como estão no livro, embora sejam exactamente as
ideias de cada um deles. No caso da Soo Catwoman, foi o que ela me transmitiu
quando lhe mostrei as palavras do Malc, e achei que dava um excelente pedaço de
conversa.
ALP - Tu tocaste mesmo naquele concerto no 100
Club ou foi só O Menino Triste?
JM - Infelizmente
não toquei naquele concerto. L O meu percurso real com aquele grupo vai até
aos ensaios da banda (tal como está no livro). O que aconteceu a seguir foi que
a Susan queria actuar no 100 Club com umas braçadeiras com a cruz nazi! O que
efectivamente chegou a fazer. Assim que vi aquilo, é evidente que não me
identifiquei com a questão e “saltei” fora. Entretanto, aconteceram uns riots no carnaval em Notting Hill por
essa altura também, com grande confusão e violência, e os meus tios, em casa de
quem eu estava, não me voltaram a deixar sair sozinho (epá, eu só tinha 16
anos, afinal). Esta questão da braçadeira nazi, segundo li quando estava a
fazer a pesquisa para o livro, fez com que o manager dos The Clash, a quem a Susan tinha pedido a P.A.
emprestada para o festival, lha negasse. Só muito recentemente é que eu
consegui ligar “os putos” com quem eu andei e toquei, aos Siouxie, e a Susan à
dita!
Contudo, e embora
EU não o tenha feito, O Menino Triste sim, foi tocar no Festival e além disso
foi o impulsionador de outros ícones do punk, tal como por exemplo as botas Doc
Martens!
A partir daí, e
como não havia nem telemóveis nem e-mails na altura, perdi completamente o
contacto com o grupo.
ALP - Onde estarias hoje, se tivesses chegado
a tocar naquele concerto? Teríamos perdido um autor de BD e ganho um músico?
JM - Também eu
coloco muitas vezes essa questão. Sabes, naquela altura era muito fácil ter-se
algum impacto no mundo musical, desde que se soubesse alguma coisa de música e
composição. A banda “punk” que nós estamos a preparar para tocar nas
apresentações do livro, se existisse naquela altura tinha grande probabilidades
de singrar. Até por cá era a mesma coisa: lembro-me de ir correr a comprar um
single duma banda mesmo chunga (já não me lembro do nome, mas era portuguesa)
só por ter estampado na capa “Banda PUNK”!
ALP - Todos estes anos depois, o que ficou em
ti do movimento punk?
JM - Eu continuo
a ser punk. Não exteriormente, não em termos de uniforme, que não é isso que
nos faz punks (veja-se a banda The Clash). Mas a máxima “Do it yourself”
continua a ser algo muito forte em mim. Tento continuar a ser empreendedor e
fazer coisas. E não apenas na Banda Desenhada! Outra questão que teve suprema
importância também, foi a conquista de uma maior liberdade de expressão, e que
sempre defendi em todas as vertentes!
ALP - O momento actual precisa de outro
movimento semelhante?
JM - Não está à
vista? Só que na altura era muito mais simples ser-se notado, dado o cinzentismo
(que infelizmente ainda hoje existe) geral. Penso que se houvesse os meios que
existem hoje, o movimento tinha tido um impacto ainda maior. Mas há uma coisa
curiosa, é que enquanto nos Estados Unidos da América o punk foi sobretudo
musical, no Reino Unido as coisas tomaram outros rumos, já que a origem era bem
mais abrangente, tocando os aspectos sociais, artísticos (nas suas mais
variadas expressões), políticos… Mas não há dúvida de que a música foi o que de
mais proeminente aconteceu, levando a ter que se “rotular” as coisas como
“antes…” e “depois do punk”. É natural que um “qualquer” movimento com natureza
semelhante possa ter impacto equivalente.
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Porque é que sou “O
Menino Triste”!
A Tristeza tem na moderna sociedade ocidental, ocupado um lugar de
personna non grata. Esse lugar tem
sido imposto à custa da necessidade (artificial) de todo o cidadão tentar
atingir a felicidade a qualquer preço, mesmo que de forma aparente ou mesmo
fictícia. O volume de consumo de ansiolíticos nas sociedades ocidentais é algo que
nos deveria deixar (muito) preocupados, já que na maior parte dos casos uma
simples tristeza é tomada como algo imensamente grave, conduzindo essa atitude
muitas vezes, então a verdadeiras depressões. A melancolia é algo que é natural
no ser humano, tal como a noite é o oposto do dia, tal como o escuro é o
contrário da luz, tal como o grande é o oposto do pequeno.
De facto, a melancolia encoraja novas formas de conceber
misteriosas ligações entre antónimos. Reporta-nos à inocência, à ironia, e faz
com que enfrentemos o “status quo”, e se consigam novas realizações.
De facto, frequentemente o mundo torna-se um pouco entediante,
dado que muitas vezes é controlado por hábitos ultrapassados, que o tornam
cansativo e repetitivo. Isto pode causar tristeza, mas é essa mesma tristeza
que nos faz dar o salto, fazer cair o véu entediante e perante nós revelar
novas possibilidades. Assim, todos nós somos chamados a ser criativos, mesmo
que para isso tenhamos que passar por uma breve tristeza.
Sou O Menino Triste, mas muito, muito feliz!
Existe ainda uma segunda visão do porque é que sou O Menino
Triste, mas tem esta a ver mais com uma interpretação da Psicologia. É algo que
decorre daquilo que eu chamo o “síndrome Peter Pan”: quando uma criança não tem
hipótese de crescer nos braços da sua mãe, ou por qualquer razão os seus sonhos
não se tornam realidade, essa criança pode-se tornar numa criança triste.
Também tem a ver com a melancolia da infância perdida, e de a tentar perpetuar
pela vida fora.
De facto, no primeiro livro d’O Menino Triste é mais esta vertente
que é focada, esbatendo-se mais nos trabalhos seguintes, a favor da tristeza
como preocupação e como fonte de criatividade.
O Menino Triste