14/01/2011

O Mosquito abriu asas há 75 anos


A 14 de Janeiro de 1936 chegava aos quiosques portugueses um novo jornal infanto-juvenil. Era o primeiro voo de O Mosquito, “O semanário da rapaziada”, que duraria 17 anos e 1412 números e marcaria de forma indelével os quadradinhos portugueses.

O Início
O começo – como toda a sua vida, aliás – foi modesto: apenas 8 páginas em formato A4, papel de jornal de fraca qualidade e a presença de uma única cor apenas nas capas e nas páginas centrais. E um preço a condizer: 5 tostões, os oficiais 50 centavos, qualquer coisa como 25 cêntimos nos tempos do euro que hoje vivemos, o que durante muitos anos lhe serviu de bandeira, apresentando-se como “o jornal infantil mais barato”.
Ao leme do insecto, estavam dois dos maiores nomes do jornalismo infanto-juvenil nacional, António Cardoso Lopes, o famoso Tiotónio, já com experiência similar de outras publicações, responsável pelo grafismo, e Raul Correia, que asseguraria grande parte da criação literária da nova publicação, bem como as traduções (livres, quase sempre autênticas novas versões) das bandas desenhadas publicadas. Juntos fizeram de O Mosquito “o primeiro movimento colectivo de rebeldia das crianças em Portugal”, escreve António Dias de Deus em “Os Comics em Portugal” (Cadernos da Bedeteca, Cotovia). Porque, acrescenta, o seu conteúdo fugia às “lindas e bem-formativas revistas, como O Senhor Doutor e O Papagaio”. Por isso, “O Mosquito foi perseguido, confiscado, rasgado, queimado, deitado para o caixote do lixo, anatemizado e esconjurado. Os pais, aparentemente, tinham a razão e a força (…) mas acabaram por perder a guerra”.

Altos voos
E o sucesso foi imediato. Iniciado com uma tiragem de apenas cinco mil exem-plares, no auge da sua popula-ridade atingiu 30 mil, era publicado duas vezes por semana e as máquinas onde era impresso, trabalhavam seis dias por semana, em dois turnos de oito horas!
Combinando novelas ilustradas, textos mais moralistas e bandas desenhadas, recortadas e remontadas, ocupando todos os espaços de cada página, O Mosquito, “o jornal mais bonito”, que ao longo da sua vida mudou de formato cinco vezes e chegou a ter 16 páginas, fez da interactividade com os leitores um dos seus grandes trunfos. Por isso, a par das cartas dos leitores e da publicação das suas fotografias, teve um emblema, multiplicaram-se os concursos, as separatas e as construções para armar. O sucesso crescente levou à criação de colecções paralelas, números especiais, um suplemento para meninas – A Formiga – e emissões radiofónicas, que o fizeram voar atravessando as mudanças de três décadas e de uma guerra mundial.

Histórias memoráveis
Quem leu O Mosquito – quando foi publicado ou anos mais tarde, herdado de pais ou tios – recorda com certeza “Pelo mundo fora…”, “Formidáveis aventuras do grumete Mick, do velho Mock e do cão Muck”, “Jovens Heróis”, “O Capitão Bill, o grumete Bell e o cozinheiro Ball”, “Águias da Lei”, “O Capitão Meia-Noite”, “O Gavião dos Mares”, “Pedro de Lemos, Tenente, e o ‘Manel’, Dez Reis de Gente”, “O Voo da Águia”, “Serafim e Malacueco”, “Anita Pequenita” e, sobretudo, possivelmente, as aventuras do Cuto. E desconhecendo, com certeza, que todas elas eram estrangeiras, a maior parte inglesa, com algumas espanholas à mistura. Quase no final, surgiriam também americanas: “Príncipe Valente”, “Terry e os Piratas”, “Tommy, o rapaz do circo”…
Mais tarde, esta colaboração estrangeira seria quase completamente substituída pela produção nacional. O grande sustentáculo da revista, foi então Eduardo Teixeira Coelho (o célebre ETC), que desenhou “Os Guerreiros do Lago Verde”, “Falcão Negro”, “Os Náufragos do Barco sem Nome” ou o mítico “O Caminho do Oriente” (considerado por muitos Os Lusíadas da BD nacional). “A Casa da Azenha” (de Vítor Péon), “Os Espíritos Assassinos” (Jayme Cortez), “O reino proibido” (José Ruy) ou “O Inferno Verde” (José Garcês) são outros títulos que deixaram marca nas páginas de O Mosquito

O último bater de asas
Com o correr dos anos, a chegada de novos concorrentes – O Diabrete, O Mundo de Aventuras, O Cavaleiro Andante -, a saída de Cardoso Lopes, “uma obcecação pela história pátria e pelos clássicos da língua portuguesa”, escreve António J. Ferreira, outro especialista da BD nacional (em O Mosquito nº 1, V série), a revista perde a rebeldia e “fala cada vez menos à imaginação infantil, tornando-se um prolongamento da escola”.
Chegaria ao fim, de forma discreta, já não era “o semanário infantil português de maior tiragem”, a 24 de Fevereiro de 1953. Mas deixara de tal forma a sua marca, que, escreve Leonardo de Sá no recém-lançado “Dicionário Universal da Banda Desenhada – Pequeno Léxico Disléxico”, o termo “mosquito” chegou a ser usado “para designar em Portugal qualquer revista de histórias aos quadradinhos”.

Outros voos
Por isso, também, se compreende que ao longo dos tempos tenha havido várias tentativas de retomar o título – e o fantástico e o maravilhoso a ele associados. Em 1960, Eduardo Carradinha e José Ruy, autor na primeira série, deram-lhe uma segunda vida, similar à primeira, que durou apenas 30 números. Um ano depois, nova tentativa de renascimento, teve apenas quatro números, mais longa mesmo assim que o número único de prospecção lançado em 1975.
Já nos anos 80, albergando sob as suas asas o melhor da BD europeia de então a par da recuperação de alguns clássicos, O Mosquito voou de novo, durante uma dúzia de números e um Almanaque natalício, na sua última ressurreição. Até hoje.

Quanto vale O Mosquito?
Apesar da sua idade e longevidade, ainda hoje surgem colecções completas de O Mosquito, que podem valer até 7500 euros. O alfarrabista José Vilela, estima que existirão umas 50 no total, mas Alberto Gonçalves, da Timtim por Timtim, refere que, com alguma paciência, gastando mais um pouco, através da internet e procurando em alfarrabistas, é possível completar uma colecção num prazo de um ou dois anos.
Os números mais difíceis, para além dos primeiros, mais antigos, e dos últimos, que tiveram menor tiragem e distribuição, são os que correspondem às mudanças de formato, pois estragavam-se com mais facilidade. Quase impossível, é encontrar as diversas separatas e construções que a revista ofereceu.
De qualquer forma, como este tipo de coleccionismo está geralmente associado à recordação das leituras de infância, são cada vez menos aqueles que ainda procuram O Mosquito.

O Mosquito em números
17 anos (1936-1953)
1412 números
1512 bandas desenhadas curtas
250 bandas desenhadas em continuação
381 contos
425 cartas do Avozinho
180 números de A Formiga (suplemento para meninas)
Tiragem inicial: 5000 exemplares
Tiragem máxima: 30 000 exemplares (duas vezes por semana)
Tiragem no final: 7000 exemplares

(Texto publicado no Jornal de Notícias de 14 de Janeiro de 2011)

3 comentários:

  1. Posfácio
    Com excepção do Jornal de Notícias - e dos textos aqui publicados - os 75 anos de O Mosquito, uma data tão significativa para a BD portuguesa, apenas mereceram uma referência tardia na versão online do jornal Público.
    Se é verdade que as gerações que leram O Mosquito estão em vias de desaparecimento e poderão ser - hoje - pouco significativas em termos mediáticos e de marketing, pessoalmente penso que ignorar ou esquecer o passado é o primeiro passo para não ter futuro.
    Também na banda desenhada.

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  2. Não poderia estar mais de acordo com esta sua afirmação e - sendo também um leitor da "velha guarda", que começou a ler O Mosquito com 6 anos, mas já numa fase mais adiantada, quando estavam em publicação as aventuras do Cuto - dou-lhe os meus parabéns por não se ter esquecido de assinalar os 75 anos da revista num orgão de imprensa tão importante como o JN.
    Infelizmente, nesse dia, só comprei o DN, que trouxe, como já deve saber, um artigo do Eurico de Barros, recordando também a efeméride. Como sou ainda do tempo em que os nossos maiores amores eram os jornais infantis, os livros e o cinema, afeiçoei-me ao papel, mesmo que seja de jornal, e por isso tentei ainda comprar, no dia seguinte, o JN, mas já não o consegui encontrar em nenhum quiosque. Porque independentemente de ficarmos com uma "gravação" digital - chamemos-lhe assim - dessa homenagem, a verdade é que nada é mais precioso para esses leitores dos velhos tempos do que a página impressa, com o cheiro da tinta (e como era odoroso o d'O Mosquito) a preservar gratas recordações pela vida fora.
    Por último, recordo-lhe que a derradeira série d'O Mosquito, editada pela Futura, teve quatro almanaques natalícios, com datas de 1984, 1985, 1986 e 1987, embora saíssem sempre no Natal anterior. E o de 1988, que estava pronto a entregar à gráfica, não chegou, infelizmente, a ver a luz do dia... pura e simplesmente por motivos económicos.
    Um abraço do
    Jorge Magalhães

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  3. Caro Jorge Magalhães,
    A sua visita é um prazer e uma honra.
    Em primeiro lugar, ficam aqui as minhas desculpas ao Eurico de Barros, cujo artigo não apanhei online.
    Quanto ao recorte do meu artigo no JN, se quiser enviar o seu endereço para o meu e-mail (pedro.cleto64 arroba gmail.com) terei todo o prazer em enviar-lhe um exemplar.
    E obrigado pela adenda relativa aos almanaques natalícios da ressurreição mais recente de O Mosquito (que eu já li "em directo", ao contrário da versão original), que o Jorge Magalhães (tão bem) coordenou.
    Um grande abraço!

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