11/02/2010

Na pista de Tarzan: Akim, Zembla e os outros

Há 60 anos, nascia Akim, herói de quadradinhos populares imaginado em Itália que, como muitos outros, antes e depois de si, bebia muita da sua inspiração no Tarzan imaginado por Edgar Rice Burroughs no início do século XX.
No caso de Akim, a colagem ao primeiro homem-macaco branco, era feita quase ao pormenor: os pais naufragaram na costa africana e foram mortos por feras, sendo o bebé adoptado por uma gorila. Cresceu entre os macacos, aprendeu a sua linguagem, desenvolveu uma assinalável musculatura e desenvolveu amizade com os animais. Tornou-se um justiceiro da floresta, temido pelos nativos, inimigo de traficantes e bandidos, mas também combateu sábios loucos e explorou civilizações perdidas, na senda da literatura popular de aventuras. E não hesitava em colocar temporariamente de lado a sua tanga feita de pele de leopardo para vestir roupas comuns e aventurar-se na selva urbana para combater delinquentes ou polícias corruptos. Durante as suas aventuras, partilhadas com um babuíno (Zig), um gorila (Kar), um elefante (Baroi) e um leão (Rag), descobriu ser herdeiro de uma grande fortuna, conheceu a bela Rita – com quem viveu “escandalosamente” durante anos sem se casarem (!) - e adoptou o pequeno Jim.
A sua estreia, a 10 de Fevereiro de 1950 foi na revista “Albo Gioello”, num formato semelhante ao dos cheques, criado pelo argumentista Roberto Renzi e o desenhador Augusto Pedrazza, que com ele granjearam grande popularidade, não só em Itália, mas igualmente na França e no Brasil. Com o novo alento que lhe deu a Sérgio Bonelli Editore, em 1976, a sua revista prolongou-se por 41 anos e mais de 750 números. Durante anos distribuído em Portugal em edições brasileiras, Akim teve uma edição nacional de curta duração, nos anos 70, da responsabilidade da Palirex.
Na senda do seu sucesso, numa óptica de concorrência, mas num tom mais paródico, em 1963, em França, nas páginas da “Special Kiwi”, nasceria Zembla, criado por Marcel Navarro e desenhado por diversos artistas italianos, entre os quais Pedrazza, o mesmo de Akim. Criado por leões, como traços distintivos tinha o cabelo negro e longo e uma tira de pele que lhe cruzava o tronco, e era acompanhado por um leão, um gato-selvagem, um canguru, um pigmeu e um mágico! O sucesso repetiu-se e Zembla – que gozou de enorme popularidade na… Turquia (!) - sobreviveu até 1994. Em Portugal foi publicado na colecção Tigre e teve tamb´m direito a revista nacional própria de algum sucesso, pois durou cerca de meia centena de números.
Mas as imitações do mito do selvagem branco, popularizado no cinema, especialmente nos filmes interpretados por Johnny Weissmuller, e na banda desenhada, com as inexcedíveis versões de Harold Foster, Burne Hogarth e Russ Manning, não se ficariam por aqui e teriam mesmo as mais díspares origens e desenvolvimentos. Entre elas, conta-se também “Korak”, o filho (legítimo, com Jane) de Tarzan, também criação de Burroughs, que nos quadradinhos viveu aventuras a solo ou em conjunto com o(s) seu(s) progenitor(es), a partir dos anos 60, muitas delas publicadas em português, inclusive em revista própria, por onde também passou o talento de Manning.
Nalguns casos com variantes, como “Fishboy: Denizen of the Deep”, um comic inglês publicado entre 1968 e 1975, escrito por Scott Goodall, cujo protagonista, abandonado numa ilha deserta, foi adoptado por tubarões, conseguindo comunicar com eles e respirar debaixo de água.

Diferente também era Yataca, criação francófona do mesmo período mas de maior longevidade, que nos primeiros episódios narrava as aventuras de uma criança selvagem na Amazónia. Ao fim de uma vintena de números, sem qualquer explicação, tornou-se adulto e mudou-se para África. Entre os seus desenhadores conta-se o português Vítor Péon, tendo alguns episódios da sua autoria sido publicados pela Portugal Press, numa publicação com o nome do herói. No mesmo registo, Péon criaria também Zama, cuja existência foi no entanto bastante curta.
A Marvel tem também o seu bom selvagem, Ka-Zar, “clone” de Tarzan criado em 1936 por Bob Byrd; três décadas mais tarde, foi remodelado por Stan Lee e Jack Kirby, que o transportaram para a Terra Selvagem, uma zona de clima tropical em plena Antártida onde ainda existem dinossauros, dando-lhe por companhia Zabu, um tigre dentes-de-sabre. A sua integração no universo Marvel proporcionou-lhe
aventuras com o Homem-Aranha ou o Demolidor.
Entre as versões de Tarzan mais curiosas conta-se "Jungle no Ouja Ta-chan", um manga (bd japonesa) criado por Tokuhiro Masaya que originaria uma versão animada de tom humorístico em que o “herói”, trapalhão e casado com uma obesa e mandona Jane, podia ser visto a lavar e estender roupa. Animada, também, e bem mais ligeira foi a versão da Disney, cujo filme, datado de 1999, originaria uma série televisiva com a sua infância e uma versão aos quadradinhos.
A um outro nível, refira-se Karzan, uma versão pornográfica do senhor da selva de origem franco-belga, que teve direito a edição nacional logo a seguir ao 25 de Abril com capas do pintor Carlos Alberto Santos.
No campo das curiosidades, refira-se que nos anos 90, na febre dos “crossovers”, Tarzan, ele próprio, o original, viveria nos quadradinhos incongruentes (pelo menos...) parcerias com Batman, Superman ou Fantasma e defrontaria mesmo o cinematográfico Predator…
Mas não se pense que apenas os homens emularam Tarzan, pois as suas versões femininas também abundam nas histórias aos quadradinhos.
Rima, a primeira “mulher selvagem”, aliás, é até anterior à criação de Burroughs, uma vez que protagonizou “Green Mansions: A Romance of the tropical forest”, um romance de William Henry Hudson datado de 1904, ou seja oito anos antes de “Tarzan of the Apes”. Seria no entanto preciso esperar quase mais sete décadas para ver esta heroína nos quadradinhos, por onde entretanto já tinham passado muitas congéneres suas como Shanna the she devil (uma heroína da Marvel), Judy, Tygra, Jann, Tiger Girl, Rulah ou Kara, todas elas “senhoras da selva”, que associavam ao exotismo natural do tema uma sensualidade inevitável face à sua reduzida indumentária.
Entre todas, no entanto, a mais famosa é sem dúvida Sheena, queen of the jungle, ou não tivessem sido os seus criadores Will Eisner (o mesmo do incontornável Spirit) e Jerry Iger. Sheena, aliás, foi a primeira heroína anglo-saxónica da banda desenhada a ter uma revista com o seu nome, logo em 1937, ano da sua criação, tendo tido diversas reedições e novas versões até à actualidade, entre as quais se destacam as assinadas por Dave Stevens e Frank Cho.

(Versão revista e aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias de 10 de Fevereiro de 2010)

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