Congo, 1880. Uma expedição portuguesa percorre as selvas inexploradas daquele país, com o objectivo de cartografar uma das regiões mais inóspitas e desconhecidas do continente africano. Nomeado pelo monarca português, Afonso Ferreira, explorador de renome, chefia a expedição - também com o objectivo secreto de tentar conquistar algum terreno ao reino da Bélgica - mas nem mesmo ele estava preparado para o que ia encontrar: cenários dantescos, povoados por dinossauros, que se transformam na antecâmara de uma experiência de puro terror.
Este é um breve resumo desta saga com assinatura de dois irmãos portugueses Duarte e Henrique Gandum, iniciada em Congo, um mundo esquecido (2018), que agora ganha nova actualidade pela chegada às livrarias da Edição definitiva, da editora Mudnag. Que é como quem diz, uma versão completamente redesenhada, com as 89 pranchas iniciais reduzidas às 56 actuais, devido à nova planificação, para uniformizar a série.
[Este é um artifício pouco usual em banda desenhada; o exemplo mais famoso será Tintin, cujos álbuns iniciais, originalmente a preto e branco e com cerca de centena e meia de páginas, foram redesenhados e remontados pelos estúdios de Hergé sob a sua supervisão, para serem uniformizados nas versões de 62 pranchas coloridas que hoje conhecemos. Algo que nunca aconteceu, por exemplo, com os álbuns iniciais de Astérix ou Lucky Luke, apesar de reconhecidamente terem um grafismo e um traço inferiores aos que os tornaram famosos.]
A primeira constatação, evidente (e que pode ser constatada ao lado, sendo as pranchas de fundo branco correspondentes à versão actual), é que a obra ganha visualmente. Os irmãos Gandum - já com mais dois volumes da saga publicados, No caminho das Trevas (2019) e Amélia (2021) - apresentam hoje outro traquejo gráfico: a redução do tamanho das vinhetas disfarça pormenores menos conseguidos, o desenho ganha em definição e qualidade e há uma nova luminosidade do colorido que torna as cenas mais legíveis. É verdade que a capa original era mais misteriosa e menos reveladora do que a actual, mas esta apresenta um visual mais chamativo que não será comercialmente desprezável. A um outro nível, se me parecia mais ajustado o fundo negro das pranchas, que acentuava o tom sombrio do relato, reconheço que a nova planificação e os ajustes feitos ao nível dos diálogos, mais naturais, vivos e assertivos e reduzindo os arcaísmos que os aproximavam do português falado no final do século XVIII, contribuem para a introdução de um ritmo mais condizente com o tom de aventura fantástica que a obra apresenta.
Para além da anomalia anacrónica, em termos de fauna, francamente atractiva, que lhe serve de base, o argumento explora igualmente o lado humano, assente no clima de tensão e medo que as situações vividas implicam e nos inevitáveis choques que os confrontos com as enormes bestas e as perdas de vidas provocam entre os membros da expedição, bem como da relação destes com os habitantes locais, num todo de tom violento e trágico.
Claro que num caso destes - não havendo por detrás dos irmãos Gandum um estúdio para fazer a adequação gráfi9ca do álbum como aquele de que dispunha Hergé - é legítimo perguntar se os leitores não prefeririam um álbum novo, pese embora as melhorias que esta Edição definitiva apresenta...
Congo:
Um mundo esquecido - Edição definitiva
Henrique
e Duarte Gandum
Mudnag
Portugal,
Fevereiro de 2021
208
x 298 mm, 64
p., cor,
capa cartão com badanas
15,00
€
(versão revista do texto publicado no Jornal de Notícias online a 10 de Março de 2023 e na edição em papel do dia seguinte; imagens disponibilizadas pela Mudnag; clicar nesta ligação para ver mais pranchas ou nas aqui mostradas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre o tema destacado)
Pedro, há muitos casos de séries redesenhadas.
ResponderEliminarNo mercado americano, por exemplo, existem séries que para sairem a horas foram tão mal produzidas que nas versões compiladas foram redesenhadas ou pelos mesmos ou por outros ilustradores.
O Tintim é um caso singular e foi para melhorar.
O caso americano é o mais interessante - a coisa era má que dói que vamos ter de fazer de novo.
Pois, é a minha costela franco-belga a prevalecer... E o caso do Tintin é sem dúvida o mais mediático.
EliminarBoas leituras!
Não retirando importância à iniciativa, é uma pena que as caras não tenham sido redesenhadas/melhoradas.
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