Final inglório
É
um sinal de tempos mais ou menos recentes, o revisitar
das
origens de heróis da banda desenhada, e
não só para tentar tirar partido da sua popularidade e da sua
pertença ao imaginário colectivo.
Este
tipo de exercício, feliz nalguns
casos, infeliz noutros,
comporta
sempre dois riscos: por um lado, quanto maior é a popularidade da
personagem revisitada, mais arriscado se torna mexer com o que
maravilhou
gerações; por outro lado, se
a
nova obra beneficia sempre
do
conhecimento prévio do original por
parte do leitor, também tem
que se apresentar autónoma
em
si mesma, para seduzir
quem
se aproxima dela virgem do tema.
É
neste último aspecto que falha o volume final deste tríptico de Mister
No,
que
transpõe as suas deambulações para
25 anos depois do tempo em que o
situou o seu criador.
É verdade que Mister No está longe de ser uma personagem de topo no universo Bonelli, apesar de desfrutar de alguma popularidade em Itália e, principalmente do Brasil, pela localização das suas aventuras. Mas poder ser associado ao nome de Sergio Bonelli, enquanto seu criador sob o pseudónimo de Guido Nolitta, é um trunfo não de todo desprezável, embora não lhe permita atingir, nem de perto nem de longe, os níveis de um Tex ou um Dylan Dog.
Prosseguindo o exposto dois parágrafos acima, é pena que assim seja, porque este tríptico Mister No Revolution até tinha começado bem em Vietname, com a transposição temporal do protagonista da II Guerra Mundial para aquele conflito traumático para os Estados Unidos, e, depois, em California, transportando-o para a São Francisco do final da década de 1960, sob o signo dos hippies e das manifestações pela paz. Foram dois volumes com uma forte sustentação histórica, com a subida de um degrau em termos de violência e sexo, condizentes com os dias de hoje - bens diferentes, em termos narrativos, gráficos e de liberdade criativa, dos vividos em 1975 quando o herói surgiu - e em que Mister No, com o seu posicionamento e forma de pensar característicos e reconhecíveis, fazia todo o sentido. E eram dois volumes completamente autónomos, que dispensavam qualquer conhecimento prévio da obra.
Agora, Amazonia, apresenta um problema de base: enquanto os volumes anteriores tinham uma base histórica que permitia a alteração temporal e, até, um melhor aproveitamento da forma livre de pensar do ex-piloto-aviador, no caso presente - desculpem a franqueza, a Manaus dos anos 1970 não difere muito da dos anos 1950 - em termos narrativos ou do retrato que Nolitta e Masiero traçam dela. Depois, enquanto que os outros dois volumes beneficiavam de uma forte componente social e política, na sua chegada ao Brasil, Mister No é apenas um homem desencantado com a vida, desencanto esse que vai afogar em álcool e mulheres, prosseguindo a atormentada descoberta de si mesmo numa espiral com muito de auto-destrutivo.
Mas, o grande problema de Amazonia, é a excessiva colagem - deixem-me escrever assim para ser bem claro - à trama original delineada por Sergio Bonelli/Guido Nolitta, pois os acontecimentos aqui narrados são os mesmos: os primeiros tempos com Esse Esse, o conhecimento e nascimento da paixão pela bela Patrícia Rowland e a busca pelo templo Asteca em plena selva amazónica. Explicando melhor, o actual argumento surge com hiatos - ou saltos temporais demasiado longos - que quem já conhece o original preenche com facilidade, mas que poderão deixar algo desorientados os leitores de ‘primeira vez’.
Valendo como reencontro, Amazonia é, assim, uma opção menos válida como descoberta. E, para quem tanto prometeu nos dois primeiros volumes deste tríptico, significa um passo atrás para Masiero e deixa um sabor a pouco para os leitores que tinham aderido à sua ‘revolução’ da personagem.
Nota final
Como nos dois volumes anteriores, a edição espanhola da Panini revela-se robusta, com uma sólida capa dura, bom papel, boa impressão e um caderno final de extras que inclui, para além de esboços preparatórios e ilustrações do trio de desenhadores de serviço - Alessio Avalone, Matteo Cremona e Emiliano Mammucari - um dossier sobre a época e a localização da acção deste volume.
Mister
No Revolution: Amazonia
Michele
Masiero (argumento)
Alessio
Avalone, Matteo
Cremona e
Emiliano Mammucari
(desenho)
Panini
Comics
Espanha,
Março de 2021
195
x 259
mm, 160
p., cor,
capa dura
19,00
€
(capa disponibilizada pela Panini; pranchas (da versão original italiana) disponibilizadas pela Sergio Bonelli Editore; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar no texto a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)
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