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02/02/2010

Os Anos Sputnik



O penalti
Eu é que sou o chefe!
Bip Bip!
Baru (argumento e desenho)
Edições Polvo (Portugal, Fevereiro e Outubro de 2002 e Abril de 2003)
220 x 297 mm, 48 p., cor, brochado

1957. 4 de Outubro. A União Soviética surpreendia o mundo ao colocar o primeiro satélite artificial, o Sputnik 1, a dar as primeiras voltas à Terra.
Nesse mesmo ano, nessa Terra, mais concretamente em França, um certo Hervé Barulea comemorava 10 anos. Tornar-se-ia conhecido, anos mais tarde, no mundo da banda desenhada pelo diminutivo de Baru, e seria apresentado aos portugueses no XI Salão de BD do Porto, em 2001.
E porquê ligar estes dois factos? Para o explicar, é melhor falar de uma pequena vilazinha francesa, de seu nome St. Claire, onde existem dois bairros. “Há uma parte baixa, onde vivem os da ‘parte-de-baixo ‘ e há uma parte alta “onde vivemos nós, os da ‘parte-de-cima’...”. Isto diz-nos Igor, o protagonista de “Os anos Sputnik”, uma série (auto-biográfica…?) criada por Baru, de que as Edições Polvo publicaram três dos quatro volumes originais.
No tal ano de 1957, a televisão ainda não era omnipresente como hoje (que sorte que eles tinham!), não existiam jogos de computador nem “play-stations”... Mas já havia futebol e uma grande competição entre os miúdos ‘de cima’ e os miúdos ‘de baixo’. Competição ou rivalidade, como queiram. Por isso, quase sempre tudo terminava em luta, renhida, resolvida sem quartel, com umas quantas nódoas negras e uns narizes a pingar sangue. Entre uns e outros, porque ninguém quer perder, seja o que for; entre eles próprios, para saber quem deve ser o chefe.
É isto que Baru nos conta em "Os anos Sputnik", com a ternura e a emoção de quem recorda os seus próprios dez/doze anos, e com a lucidez de quem se distancia, transmitindo ao papel crónicas de tempos passados, em narrativa intensa e corrida, em desenhos ágeis, nervosos, plenos de vida e movimento.
Crónicas para ler, porque todos fomos miúdos um dia - pobres daqueles que não o são na altura própria -, e os ‘de cima’ e os ‘de baixo’ não são assim tão diferentes de todos os outros, do que nós fomos...
Crónicas para recordar aquele tempo maravilhoso em que um pequeno nada (um penalti defendido...) fazia de nós heróis, com direito a estátua e tudo (pelo menos aos nossos olhos), aquele tempo em que um beijo inesperado nos deixava a sonhar acordados uma noite inteira.

Curiosidade
- No primeiro tomo da edição portuguesa, no título, “Sputnik” surge com a grafia francesa “Spoutnik”.

(Versão revista do texto publicado no Jornal de Notícias de 24 de Dezembro de 2002)

01/02/2010

Grande Prémio de Angoulême para Baru

Após quatro dias intensos em que a banda desenhada reinou, o 37º Festival Internacional de BD de Angoulême encerrou ontem as suas portas com uma boa notícia para os amantes da 9ª arte: Hervé Baruléa, mais conhecido como Baru, foi distinguido com o Grande Prémio de Angoulême. Por esse motivo, presidirá à edição de 2011, que se antevê desde já como popular e com uma banda sonora de rock and roll. Após dois anos voltado para a chamada nova banda desenhada, o festival aposta num autormilitante das causas em que acredita, à margem de correntes e estéticas, mas também consagrado, consensual, popular e original. Já distinguido duas vezes com o prémio para melhor álbum, por “Le Chemin de l’Amérique” (1991) e “L’Autoroute du Soleil” (em 1996), possui um traço não muito atraente mas extremamente eficaz e dinâmico, para contar histórias de gente simples, muitas vezes marginal, com os (sub)mundos do boxe e da música como fundo recorrente. Nascido em 1947, Baru iniciou-se como autor de BD na revista “Pilote”, em 1982, foi convidado de honra do XI Salão Internacional de BD do Porto em 2001 e tem três dos quatro tomos de “Les années Spoutnik”, uma banda desenhada autobiográfica sobre a sua infância, editados no nosso país pela Polvo. Eis o palmarés oficial completo do 37º Festival International de la Bande Dessinée d’Angoulême :
* Grand Prix : Baru * Prix du Meilleur Album (Fauve d’Or ) : Pascal Brutal (T3 : Plus Fort Que les Plus Forts) de Riad Sattouf, Fluide Glacial (esta série poderá vir a ser editada pela ASA) * Prix spécial du Jury (Fauve d’Angoulême) : Dungeon Quest de Joe Daly, L’Association * Prix de la Série (Fauve d’Angoulême) : Jérome K. Jérome Bloche (T21 : Déni de Fuite) d’Alain Dodier, Dupuis. * Prix Révélation (Fauve d’Angoulême) : Rosalie Blum (T3 : Au Hasard Balthazar !) de Camille Jourdy, Actes Sud * Prix Regards sur le monde (Fauve d’Angoulême) : Rébétiko, La Mauvaise Herbe par David Prudhomme, Futuropolis * Prix de l’Audace (Fauve d’Angoulême) : Alpha... Directions de Jens Harder, Actes Sud * Prix Intergénérations (Fauve d’Angoulême) : Messire Guillaume - L’esprit Perdu de Matthieu Bonhomme et Gwen de Bonneval, Dupuis * Prix du Jury (Fauve Fnac-SNCF) : Paul (T6 : Paul à Québec) de Michel Rabagliati, La Pastèque
* Prix jeunesse (Fauve d’Angoulême) : Lou (T5 : Laser Ninja) de Julien Neel, Glénat. * Prix du patrimoine (Fauve d’Angoulême) : Paracuellos (L’Intégrale) de Carlos Gimenez, Fluide Glacial (Versão revista e aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias de 1 de Fevereiro de 2010)

31/01/2010

Entrevista com Baru

Nasceu em Thil, em 1947 e chama-se Hervé Barulea, mas este é um nome que não diz nada à maior parte das pessoas. Mas se falarmos em Baru, os que estão ligados à banda desenhada associam-no imediatamente a revistas como a "Pilote", "L'Écho des Savannes" ou "(A Suivre)" ou a obras multipremiadas como "Le Chemin de l'Amerique" ou "L'Autoroute su Soleil". Foi também um dos principais destaques da XI Edição do Salão Internacional de BD do Porto, em 2001, onde pode ser vista uma retrospectiva da sua obra, adequadamente enquadrada num cenário eminentemente suburbano, onde não faltaram sequer os destroços de alguns carros, e acabou de ser distinguido com o Grande Prémio do 37º Festival International de la Bande Dessinée de Angoulême 2010.
Nascido tardiamente para a banda desenhada, optou por esta arte, porque o cinema é "muito caro". Nascido numa família de operários, começou por experimentar um curso na área da física, que deixou para "se tornar professor de ginástica, até isso se tornar incompatível com a BD".
A banda desenhada permite-lhe "dizer o que quero a um círculo maior do que o dos meus conhecidos. Permite-me compartilhar as minhas ideias com uma audiência mais vasta. É através da banda desenhada que mostro o Mundo como o vejo. Que mostro que ele não está bem". Ou mais ainda: "Isto é um eufemismo. O Mundo está mesmo muito mal.". Porque "acho que o homem é naturalmente mau. Se aparece alguém bom é porque trabalhou muito nesse sentido. Ser bom é um combate permanente contra a nossa natureza que é má." E que pode fazer um autor de quadradinhos contra isso? "Modestamente, nas histórias que conto, mostro os podres que há no Mundo, não proponho soluções, todos as conhecemos, mas tento dar uma visão ética."
Convidado do XI Salão de BD do Porto, já tinha estado em "Portugal, nos três anos seguintes à Revolução de Abril". Já se interessava por Portugal "e antes por Espanha, porque tanto um país como outro viviam sob um regime fascista, que os oprimia. Nunca os tinha visitado, porque havia um Salazar e um Franco. Com o levantar desta hipoteca vim a Portugal para respirar o ar que então se vivia. Achei fantástica a enorme quantidade de pinturas murais que havia". E se algumas das utopias de então passaram, "assim como aquelas que França viveu após o Maio de 68, pelo menos uma coisa ficou: a possibilidade de as pessoas poderem dizer o que pensam. E já não há Salazar!".
Dos acontecimentos do passado dia 11 de Setembro diz não querer "falar numa conversa rápida e ligeira, pois o assunto é demasiado importante para isso". Estava na Alemanha e quando viu as imagens na televisão, "primeiro pensei que fossem montagens. Quando me apercebi que eram reais fiquei chocado. Mas algo deste género era inevitável, se virmos a política que os Estados Unidos desenvolveram ao longo de décadas, os desastres humanitários que provocaram na Argentina, no Chile, em África ou no Médio Oriente. Era impossível que não sofressem as consequências dos seus actos".
Autor atento à banda desenhada que se vai fazendo, entre os seus autores favoritos destaca "muitos velhos e alguns novos!" Velhos como Tardi, Pratt e Muñoz e Sampayo ("por causa de quem comecei a fazer BD") e entre os novos aprecia Blain, David B., David Mazzuchelli… No Salão do Porto destacou positivamente aspectos das obras de Rui Ricardo, Pedro Brito, Markus Huber, Jason Crane ou Marjane Satrapi.
O aparecimento de L'Association no panorama francófono e a influência que ele teve a nível europeu foram muito importantes, "pois, como são contemporâneos das facilidades das novas tecnologias de impressão abriram a porta a autores que têm uma mensagem a transmitir e interessantes e novas propostas gráficas, de renovação da própria linguagem da BD".
Para quem está a começar, diz que "não há segredos para ter sucesso em banda desenhada; para se progredir só há um processo: trabalhar, trabalhar, trabalhar; envelhecer, envelhecer, envelhecer".

(Versão revista e actualizada do texto publicado originalmente no Jornal de Notícias de 3 de Outubro de 2001)
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