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02/03/2010

Jour de Grâce

Gani Jakupi (argumento)
Marc N’Guessan (desenho)
Dupuis (Bélgica, Fevereiro de 2010)
240 x 320, 64 p., cor, cartonado


Resumo

Carteirista de segunda classe, Andrei vive algures no norte da França à espera de um golpe de sorte que lhe permita conseguir os papéis necessários à sua legalização.
Na véspera de Natal, comete o erro de roubar a carteira a Mathias, um assassino a soldo de uma máfia de leste, que lhe concede 24 horas de vida antes de o executar.

Desenvolvimento
O primeiro aspecto a destacar neste thriller policial, que se divide entre o intimismo e a acção, é a sua adequação a uma realidade actual: a presença em grande número de emigrantes de leste na Europa comunitária. Em França – onde se passa a acção do álbum - como cá, em Portugal. Gente que vem em busca de trabalho, de uma vida melhor, atrás de sonhos ou à procura de dinheiro fácil.
Andrei, como a sua amiga Tatiana, são exemplos - do fundo - dessa realidade. Ele, ilegal, desocupado, carteirista, sem ilusões nem força interior para (eventualmente) as tornar realidade, sem coragem até para revelar que gostava que ela fosse mais do que uma simples amiga. Ela, sozinha, prostituta, se ainda sonha, vê o tempo passar e as ilusões transformarem-se cada vez mais nisso mesmo: ilusões.
Mathias, o “tio”, é o terceiro vértice deste triângulo. Assassino a soldo de uma máfia de leste, foi – enquanto possível… - amigo do pai de Andrei e, de alguma forma, que o álbum não esclarece totalmente, funcionou como protector de Tatiana.
Após o ultimato, é desconcertante ver como Andrei (não) reage, desde logo não demonstrando força nem iniciativa, incapaz de optar por gozar ao máximo o último dia de vida ou tentar que ele seja o primeiro de muitos através da fuga ou da alteração das condições que lhe foram impostas. Um retrato perfeito de desilusão face a uma vida vazia, de cansaço, de desespero. Por isso, até as suas tentativas de fuga são patéticas e pouco credíveis – e por isso facilmente abortadas por Mathias. Para ele, parece que o tempo corre imparável, a esgotar-se rapidamente.
Até que… há um momento de mudança, um instante em que a réstia de coragem que (ainda) tem – consegue reunir - o levam a um avanço – ligeiro, ridículo até na forma como se concretiza – em relação a Tatiana. A resposta dela – ou a forma como ele a interpreta…? - dão-lhe o alento necessário para (tentar) reagir e ditar o seu próprio destino como nunca tinha feito até aí. Sem se afastar totalmente do que era, é verdade. Com um resultado que não vou revelar, porque se é duvidoso que lhe traga perspectivas muito diferentes ou melhores do que as que tinha até então, cada leitor pode interpretar o final em aberto à sua maneira.
Este álbum, antes de ser um (interessante) policial ou um registo de acção, este é um relato sobre juventude perdida e solidão, falta de sonhos e perspectivas, sobre tantos enganos e falsas promessas que a sociedade ocidental – involuntariamente? – cria, para quem nela vive e para quem a olha de fora.
O que possivelmente foi o caso de Gani Jakupi, nascido em 1956 “numa vila montanhosa do Kosovo, a província mais pobre da ex-Jugoslávia”, que possivelmente transmite nesta história um pouco da sua própria experiência, quando chegou a França, nos anos 70, com meia dúzia de desenhos debaixo do braço…
História passada para o papel por N’Guessan, o desenhador nascido em Toulouse, França, em 1965, que para o feito utilizou uma linha clara, de contorno semi-realista, servida por cores planas, mais atraente no conjunto das pranchas do que quando olhada de perto, mas bastante legível e perfeitamente eficaz para contar uma história falsamente linear.

A reter
- A premissa de que parte o relato: o que fazer quando nos restam 24 horas de vida?
- A forma fluente como a história e os diálogos são apresentados.

Menos conseguido
- A falta de aprofundamento do passado dos três intervenientes.

Curiosidades
- Este álbum fez parte da selecção oficial de Angoulême 2010, fora de competição.
- Gani Jakupi esteve envolvido num projecto com o português Ricardo Cabral, entretanto abandonado.
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