17/03/2010

Hair Shirt

Patrick McEown (argumento e desenho)
Liz Artinian (cores)
Gallimard (França, Janeiro de 2010)
170 x 240 mm, 128 p., cor, cartonado

Resumo
John e Nasomi são dois amigos de infância que a vida separou e que o acaso decide juntar, anos mais tarde, naquela fase de indefinições entre o fim da adolescência e a entrada na idade adulta. Esse reencontro faz despertar de novo o amor entre eles – ou pelo menos a estranha forma que eles têm de o mostrar. Porque, juntamente com os sentimentos, também o passado regressa, com todos os seus traumas, recordações reprimidas e medos latentes.

Desenvolvimento
“Hair shirt” – literalmente “vestido de cabelos” – é a designação de uma espécie de vestido usado por penitência. E é de penitência, de (des)encontros, de errâncias sentimentais e de sexualidade mal assumida que nos fala este romance denso e complexo, no qual, muitas vezes, o relato se confunde com os sonhos – os pesadelos – do protagonista, hesitante entre viver o presente ou deixar que os seus sentimentos de culpa, os seus medos e as suas angústias assumam o controle e o impeçam de o desfrutar.
O tempo é o presente, o local da acção uns quaisquer subúrbios (no caso canadianos…), os protagonistas jovens adultos, cujas vidas não têm rumo definido nem objectivos para lá dos imediatos.
Por isso, John, estudante de Belas Artes, com um part-time num cinema, desde que a namorada o deixou, há mais de três anos, prefere lamentar a sua vida, as oportunidades que perdeu (ou não soube/quis aproveitar), em lugar de lutar pelo momento – por cada momento – pela relação que agora vive.
O reencontro casual com Naomi, parece poder ser o factor de mudança, mas a verdade é que muita água passou sob as pontes desde que ela e a sua família mudaram de cidade na sequência da morte acidental do seu irmão Chris, implicativo, e cruel. Por isso, a par da alegria do reencontro e da possibilidade de viverem o seu amor, surgem as sombras, as memórias, os falhanços e os momentos penosos de então, que pesam mais do que a possibilidade de ser (finalmente) feliz. Não só da parte dele, mas também da parte de Naomi, perdida numa busca errante e auto-destrutiva, incapaz de se assumir e de assumir os seus sentimentos, tentando encontrar na provocação e na transgressão de limites o que ela própria não consegue dar.
Algures entre o romance psicológico e a crónica quotidiana do fim da adolescência, com um toque de fantástico, melhor de pesadelo, o relato de McEown surpreende pela densidade, pelo ambiente saturado e opressivo que consegue criar e do qual, a par dos protagonistas, não nos conseguimos libertar, mesmo nos primeiros momentos após fechar o livro. Talvez porque o autor opta por não dar todas as respostas nem aprofundar todas as explicações sobre as causas dos traumatismos de infância de John e Naomi, deixando ao leitor a possibilidade de os interpretar. Porque a história, assente em diálogos especialmente bem conseguidos e credíveis, que deixam subentendido sempre mais do que aquilo que afirmam, prende e arrasta-nos – embora recorrentemente nos obriga a voltar atrás, para (re)interpretar esta ou aquela passagem à luz dos novos acontecimentos – num turbilhão vertiginoso de sentimentos contraditórios.
E se McEown não é, longe disso, um virtuoso do desenho, é, no entanto, um excelente narrador aos quadradinhos, com o seu traço falsamente inseguro, vivo, dinâmico, expressivo e preciso na definição de momentos e estados de espírito, bem servido por cores frias que acentuam a sensação de impotência e queda que perpassa todo o livro.

A reter
- A bela surpresa que a leitura deste livro constituiu, dando bem mais do que aquilo que parecia oferecer à primeira vista.

Curiosidade
- Patrick McEown, natural de Otava, no Canadá, onde nasceu em 1968, trabalhou na Dark Horse com Matt Wagner (Grendel: War Child) e Mike Mignola (Zombie World), na DC Comics (Batman – Beyond) e na Marvel (X-Men: Evolution).

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