Isso aconteceu no número 53 daquela revista infantil, datado de 16 de Abril de 1936, mas os leitores já vinham a ser preparados desde o número 49. Nele, era anunciado que Tim-Tim, “enviado especial à América do Norte”, iria correr “sérios riscos”, pois aquele país “civilizadíssimo, donde nos chegam as maiores invenções e belas afirmações de espírito artístico”, era também um “território onde o banditismo impera, no qual indivíduos da pior espécie e de todas as nacionalidades estabeleceram há muito arraiais”. E continuava: “acompanhado pela fidelíssima cadela Pom-Pom, o moço e ilustre jornalista partiu há dias para Nova Iorque, a bordo do Vulcãnia”. O seu destino era no entanto Chicago, “a capital do crime, o principal antro dos bandidos que vai desmascarar e vencer”. E explicava: “o facto de se fazer acompanhar da cadelinha não é (…) de somenos importância. O inteligente animal é o melhor companheiro do famoso repórter a quem já por mais duma vez salvou a vida.
Curiosamente, dois números passados, já protagonizava a capa e, em novo anúncio, Milu afinal chamava-se Rom-Rom, mas continuava “cadelinha”, e Tim-Tim, medindo “apenas 1,45 metros” tinha “a coragem de um gigante”.
A primeira aventura publicada foi rebaptizada como “Tim-Tim na América do Norte” e prolongar-se-ia até ao número 110, recheada de atropelos ao original hoje inimagináveis: remontagem de pranchas, supressão ou ampliação de vinhetas e de texto, alterações do conteúdo…
Exemplo deste último aspecto, é a substituição de uma greve de operários (algo ilegal na época em Portugal) por uma pausa para almoço... Alterações que desagradaram a Hergé que, em contrapartida, apreciou as cores feitas em Portugal.
Estas e outras curiosidades – como o facto de parte dos direitos de Tintin, durante a Segunda Guerra Mundial, terem sido pagos por Simões Müller, director da revista, a Hergé em géneros alimentícios enviados para a Alemanha, onde um irmão do autor estava preso – são referidos por José Azevedo e Menezes em “O Papagaio – Um estudo do que foi uma grande revista infantil portuguesa” (edição do autor).O sucesso de Tim-Tim – e dos seus companheiros Rom-Rom, Capitão Rosa (Haddock), Professor Pintadinho (Tournesol) – foi tão grande que protagonizaria diversas capas (criadas por autores portugueses) da revista, números hoje bem pagos por coleccionadores nacionais e estrangeiros que também valorizam aqueles em que Tintin é publicado.“O Papagaio” viria a apresentar mais oito histórias, transitando depois o herói, sucessivamente, para o “Diabrete”, “Cavaleiro Andante”, “Foguetão” e “Zorro” até chegar à revista com o seu nome, em 1968. Curiosamente, se Portugal foi pioneiro na publicação colorida das histórias aos quadradinhos de Tintin, teve que esperar até meados da década de 1990 para assistir á sua edição em álbum, pela Verbo.Actualmente, o herói faz parte do catálogo da ASA, que tem programada a conclusão da edição integral das suas aventuras, em formato reduzido e com nova tradução, até final do corrente ano, bem como uma edição fac-similada do original a preto e branco de “Tintin na América”, em Junho.
Mas se há banda desenhada de Tintin que merecia ser reeditada tal e qual como foi publicada pela primeira vez, ela é sem dúvida o “Tim-Tim na América do Norte” tal e qual apareceu em “O Papagaio”.
(Versão revista e aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias de 16 de Abril de 2011)
Muito bom texto, gostei imenso de ler. Permito-me indicar-lhe o seguinte post sobre o mesmo assunto (embora não sobre o mesmo objecto em concreto).
ResponderEliminarhttp://duas-ou-tres.blogspot.com/2011/01/tintin-e-os-policias.html
Meu caro Pedro Cleto, saúdo-o pelo artigo. Só quero esclarecer, se me permite, que Simões Müller ao enviar a Hergé os direitos, pagos pela revista «O Papagaio», da História em Quadrinhos «Tintin» converteu realmente esse valor em géneros (conservas de sardinha) que a pedido do autor mandava para a Alemanha. isto para não parecer que era o Director de «O Papagaio» quem pagava do seu bolso.
ResponderEliminarUm abraço amigo
José Ruy
Para mim, "Tintin au Congo", "Tintin en Amérique", "L'Oreille Cassée", "Les Cigars du Pharaó" e "Le Lotus Bleu" deviam ser correntemente publicados APENAS na versão primeira.
ResponderEliminarCaro Zé Dias da Silva,
ResponderEliminarObrigado pela visita e por partilhar a sua opinião com os leitores das minhas Leituras.
Sobre essa e outras curiosidades relacionadas com a publicação de Tintin em Portugal, remeto-o para os meus posts de 16 de Abril de 2011 (http://asleiturasdopedro.blogspot.com/2011/04/tintin-ha-75-anos-em-portugal-e-cores.html) e de 26 de Abril de 2010 (http://asleiturasdopedro.blogspot.com/2010/04/tim-tim-reporter-do-papagaio_26.html) e também para a obra de José Azevedo e Menezes “O Papagaio – Um estudo do que foi uma grande revista infantil portuguesa”.
Caro José Ruy,
Obrigado pelo esclarecimento.
Já agora uma questão, o José Ruy alguma vez foi um dos autores responsáveis pelaa "alterações" nas pranchas do Tintin, que eram usuais, nomeadamente em O Pagagaio?
Caro Caldas,
O equílibrio entre arte e comércio é sempre complicado. Se as primeiras versões dos álbuns que indicas são mais puras (e, por isso, interessantes para os amantes dos quadradinhos), as versões remontadas e coloridas são mais vendáveis...
Um grande abraço aos três!
As Leituras do Pedro no Facebook do Tintin: http://www.facebook.com/media/set/fbx/?set=a.471423711499.257010.12936316499&comments=1
ResponderEliminarBravo!
Caro anónimo, obrigado pela sua vista e pela divulgação que fez do meu trabalho.
ResponderEliminarUm grande abraço!
Excelente Trabalho! Parabéns!
ResponderEliminarGostaríamos de um dia poder contar com a sua colaboração em alguns projectos que temos em mente.
Um abraço,
João Castanheira (CoolPeople - Lx)
Caro João Castanheira,
ResponderEliminarObrigado pela vista e pelas suas palavras. Fico ao dispor para conhecer os vossos projectos. Pode contactar-me para o e-mail: pedro.cleto64 arroba gmail.com
Abraço!