Tintin, esse mesmo, o herói dos quadradinhos, vai a tribunal acusado de racismo. A razão: o retrato complacente e paternalista que o álbum “Tintin no Congo”, transmite dos habitantes locais negros.
Esta é, pelo menos, a óptica do cidadão congolês Bienvenu Mbutu Mondondo, que à custa deste caso já teve (bem) mais do que os 15 minutos de fama a que (teoricamente) todos temos direito. Isto porque foi ele o responsável pela queixa apresentada em tribunal em 2007, e que na semana passada, depois de muitos avanços e recuos, foi finalmente aceite pelo Tribunal de Primeira Instância de Bruxelas, contra a opinião do Procurador Real belga.
Baseado numa lei de 1981 que “proíbe propósitos racistas ou atentados contra uma franja da população”, o cidadão congolês deseja que a venda do segundo álbum das aventuras de Tintin seja interdita a não ser que ele passe a incluir um prefácio que “explique o contexto colonial e histórico da época da concepção do álbum” e também “um alerta para o facto de algumas das suas personagens terem propósitos racistas”.
Relembre-se que na senda do sucesso de “Tintin no País dos Sovietes”, Hergé, nesta história, decidiu enviar o seu repórter para o Congo, então uma província belga, tendo a história sido publicada a preto e branco no jornal “Le Petit Vingtième” entre 5 de Junho de 1930 e 11 de Junho de 1931, seguindo-se de imediato uma edição em álbum.
Desenvolvida semana após semana, ao sabor da inspiração do autor e sem um guião prévio, “Tintin no Congo” é caracterizado por uma grande ingenuidade, ou não estivesse Hergé - e a própria banda desenhada – a dar os primeiros passos à procura da sua identidade. O autor, ao longo dos anos, em diversas entrevistas, explicou que “se baseou nos preconceitos existentes no meio burguês em que estava inserido”, tendo desenhado os africanos de acordo com os critérios da sua época”. Talvez por isso, tal como “No país dos Sovietes”, este álbum nunca foi adaptado em desenhos animados.Esta obra já foi alvo de outros ataques, nomeadamente de associações de defesas de animais “escandalizadas” pelo grande número de bichos que o herói abate ao longo do álbum.
Agora, resta esperar pelos próximos capítulos, o primeiro dos quais já no dia 18 de Abril, quando o tribunal definirá o calendário dos trâmites que se seguem no processo.
Sexo e super-heróis
Cada vez mais mediáticos, os quadradinhos, também por isso, atraem cada vez mais polémicas. No cento de outro caso recente, também ligado a questões raciais, está Batman, numa história escrita por David Hine, em que o homem-morcego decide internacionalizar a marca “Batman”, contratando “duplos” em diversos países. O problema surgiu quando, em França, a escolha recaiu sobre Bilal Asselah, um muçulmano sunita filho de pais argelinos que vive num dos bairros parisienses que mais tem sido assolado por manifestações violentas, o que levantou um coro (internacional) de protestos, entre os quais uma história pirata que mostrava o novo Batman a explodir a Torre Eiffel num ataque suicida.
Por outro lado, o crescendo de violência e erotismo nas bandas desenhadas da Marvel e da DC Comics, coincidente com o aumento da idade de quem os lê, tem provocado alguma polémica e levantado questões que geralmente ficam por responder. Os problemas geralmente começam nas capas, pelos atributos generosos ou exagerados que os super-heróis (dos dois sexos) revelam, mas também se estendem aos conteúdos. Há poucas semanas, a revista “Batman Confidential” #18, levantada por uma mãe numa biblioteca, na Carolina do Norte, para ser lida pelo filho de 12 anos, valeu acusações de pornografia pois numa das histórias a Batgirl e a Cat Woman vão ao Clube Hedonista de Gotham, onde ficam vestidas apenas com as suas máscaras. Apesar de não haver nus nem sexo explícito, algumas cenas (relativamente) mais ousadas chocaram a senhora, que iniciou uma cruzada contra a nudez dos super-heróis, sem reparar que a editora aconselha a revista para maiores de 16 anos...
Situação similar teve lugar no Brasil, onde diversas obras aos quadradinhos, entre as quais livros de Will Eisner, direccionadas para adultos devido à sua temática e a algumas cenas mais fortes, foram incluídas no lote de leituras aconselhadas aos alunos mais novos e compradas por bibliotecas, com as consequências que facilmente se adivinham.
Claro que, na prática, na base destes casos, está a ideia (cada vez mais em desuso) de que (toda) a banda desenhada é para crianças, ficando a sensação de que os responsáveis pelas escolhas nem sequer se deram ao trabalho de as ler previamente.
(Versão revista do texto publicado no Jornal de Notícias de 12 de Abril de 2010)
Devia haver um livro universal sobre o senso comum. Haveria menos chatices destas :)
ResponderEliminarBem-vindo, caro Pina!
ResponderEliminarPois... tens razão. Era isso, e menos pessoas a tentarem pôr-se em bicos dos pés à custa do sucesso dos outros...
Abraço!
Sobre o Tintin:
ResponderEliminarO senhor que resolveu processá-lo é um pateta espertalhão, mas a verdade é que já há muito que os álbuns da série deveriam ser, todos eles, publicados com um texto introdutório que não só evitasse aborrecimentos destes mas também explicasse algumas coisas ao leitor comum. Não faz sentido, por exemplo, a mesma editora ter no mercado a primeira e a segunda versões de “Os Charutos do Faraó” sem explicar nada.
Sobre a BD ser tomada como destinada apenas a crianças:
Agora já não sei como o fará, pois deixaei de trabalhar numa biblioteca, mas pelo menos até há uma década atrás a nossa Biblioteca Nacional, no uso que faz da CDU (Classificação Decimal Universal) punha tudo o que fosse banda desenhada na categoria 087.5, nada mais nada menos do que… “Publicações para Jovens e Crianças”. E lá estavam, na mesma prateleira, o “Astérix”, o “O Clic”, o “Tintin” e a “História d’O”, além de todos os outros.
Tintin
ResponderEliminarSobre o texto introdutório de que o Manuel Caldas fala, estou completamente de acordo. Já deveria ter sido feito!
De qualquer maneira, acho completamente estúpido que nos dias de hoje haja gentinha que vá revolver em obras que foram feitas num contexto histórico bem demarcado, neste caso quando haviam uma série de potências coloniais e que este tipo de registo era comum, e agora lhe chamem de racista! Na altura ninguém se importou com isto porque era normal!
E posso dizer que não é por causa disto que o meu filho, que adora Tintin, se vai tornar racista! Se ele se tornar racista há-de ser por outras razões da sociedade e justiça ACTUAIS, e não por aquilo que Hergé desenhou e escreveu há meio século atrás. Também não é por causa das caçadas e animais mortos durante o livro que o meu filho vai agora para África disparar indiscriminadamente sobre tudo o que se mexa, nem enfiar um saca-rolhas num rinoceronte!
As crianças não são estúpidas...
Como disseram atrás, há pessoas que gostam de ser conhecidas à custa da fama de outras...
Infelizmente a Europa tem leis que permitam que estas barbaridades possam continuar a acontecer.
Quanto à BD ser para crianças... eu penso que a maior parte da BD de qualidade não é para crianças, e os "papás" ainda não perceberam isso. Os próprios "papás" são culpados por serem ignorantes nessa matéria oferecendo livros de "bonecos" aos seus filhos sem os apreciarem primeiro.
Acho lógico que os comics de super-heróis estejam a evoluir para um patamar mais adulto, visto que uma generosa fatia dos seus compradores são adultos.
Voltando atrás, que os "papás" sejam ignorantes e não leiam o que oferecem a crianças antes de verificar se o que estão a ofertar é apropriado para a idade, eu ainda dou um desconto (embora não devesse acontecer), agora livrarias e bibliotecas onde supostamente trabalham PROFISSIONAIS misturarem toda a BD com os livros infantis, isso sim é muito grave. Já dei com um puto de 10 (não devia ter mais que isso) a folhear um Bórgia, apenas porque se encontrava na secção infantil... era um livro de "bonecos"! O Noddy estava bem perto!
Isto infelizmente é comum, e eu chamo-lhe incompetência de quem trabalha nas livrarias.
E sim, o Astérix tem a seu lado o Clic (e por aí fora...)
:)
Abraço
Caros Caldas e Bongop,
ResponderEliminarQuanto ao texto introdutório, tenho reservas. Até porque isso obriga a que quase todos os livros (e já agora filmes...), mais cedo pou mais tarde tenham necessidade de textos introdutórios, explicando o contexto da criação e da época, as opções culturais, políticas, religiosas do autor, etc., etc...
E levanta uma questão: quem será suficientemente culto e isento para as escrever?
Mas concordo contigo, caro Caldas, que as várias edições de Tintin deveriam ter uma nota explicativa, situando a edição original.
Quanto às questões que os dois levantam relativas às bibliotecas e às livrarias, pesssoalmente também já verifiquei casos desses. É ignorância pura e simples, em muitos casos com uma (enorme) camada de preconceito...
Um grande abraço aos dois!
Por gentiliza postador,ja percebeu que TODAS as histórias do TinTin postadas aqui tem o cunho racista? Corrija este detalhe amigo pois,no comentário mais acima, o de Felipe Pina, respondeu algo sugestionando que ele estava incomodado com o seu sucesso. Pois bem,seguindo a linha de seu raciocíneo eu também posso me sentir incomodado visto que,você escarnece do perfil alheio,digo,etnia alheia já que,sempre posta situações tratando o preto como (burro) ou miserável sem se dar contas que,até mesmo este computador que você usa,é invenção de um preto (E NÃO DO BILL GATES),o Salvador que você supostamente crê (SE É QUE CRÊ) se o mesmo existiu,era preto,dentre VÁRIOS outros exemplos que poderia te dar. Resumindo amigo,respeite-nos (SOU PRETO) e então poderá requerer o mesmo pra sí.
ResponderEliminarCaro Luiz Fernando,
EliminarAntes de mais, aconselho uma leitura atenta de tudo o que acima está escrito, para depois - eventualmente - podermos conversar, embora me pareça, pela argumentação usada, que isso não vai acontecer.
Boas leituras!