A pensar nos mais novos
Durante anos encarada como leitura para
crianças, a banda desenhada soube crescer e impôr-se como género
narrativo auto-suficiente e capaz de corresponder
às expectativas e exigências de todo o tipo
de leitores mas, paradoxalmente, nesse percurso, os mais novos
acabaram por ser quase
esquecidos pela edição em Portugal.
Porque, podem ter a certeza que, mesmo
com Astérix, Lucky Luke ou Tintin sempre presentes nas livrarias
portuguesas, não será por eles que os mais novos vão chegar à BD, não vai ser com eles que se vão formar novos leitores de BD.
Felizmente, em anos recentes, tem havido alguns lançamentos que tentam contrariar este estado de coisas - ou que podem contribuir para o contrariar - sendo que Olívia, cujos dois primeiros tomos - dos quatro já existentes no mercado francófono - acabam de ser lançados pela Booksmile, é uma das propostas mais recentes.
A protagonista é uma pré-adolescente, curiosa e extrovertida, que acaba de se mudar para uma zona campestre montanhosa por decisão dos pais. Sem amigos nem vizinhos, dedica o seu tempo a explorar a região com o seu cão, relacionando-se com uma velha pastora e descobrindo que afinal o lugar não é tão bucólico e sossegado quanto parece, pois por lá existem monstros e até um génio que concede desejos enganadores.
Em A raposa furiosa, as aulas estão prestes a começar, o que significa a entrada de Olívia numa nova escola, mas as estranhas mudanças do clima que estão a afectar a região irão levá-la a uma aventura cheia de mistério, acção e magia, cujo objectivo último será evitar o fim das estações do ano.
Editado num pequeno formato agradável - igual ao original - indicado para as mãos dos leitores a partir dos 8 anos a quem primeiramente se dedica - o que não quer dizer que ‘crianças’ maiores não possam dar uma espreitadela! - as aventuras de Olívia são divertidas e narradas em bom ritmo e poucos diálogos por Thom Pico, contando com um desenho atraente e dinâmico de Karensac, muito eficaz na legibilidade das diversas sequências mudas presentes no livro, o que as torna especialmente apelativas.
Nomes…
No original, Olívia chama-se Aubépine.
Sei que a mudança de nome em Portugal não é caso único. Em inglês foi rebaptizada como Aster e aqui ao lado, em Espanha, também é Olivia, mas será que era mesmo necessário? Acredito que haja razões comerciais/didácticas (?) que podem ser evocadas, mas enquanto leitor de BD tout court, é algo que me faz confusão e evoca os ‘gloriosos’ anos 1950/1960 em que todos os heróis tinham de ser portugueses…
Mas afinal, o que é uma novela gráfica?
Ou um ‘romance gráfico’, como pessoalmente prefiro. Sem entrar em pormenores - que podem aprofundar neste texto: Mas afinal de que falamos quando falamos de romances gráficos? - quero lembrar que este termo, possivelmente criado em 1964 e mais tarde popularizado por Will Eisner, surgiu para distinguir obras que fugiam aos formatos tradicionais - a tira de jornal e o comic-book, nos Estados Unidos e, mais tarde, na Europa, ao álbum franco-belga de 48 páginas - aproximando-se do ‘livro tradicional’ em tamanho e (maior) número de páginas. Mas, acima de tudo, pelas temáticas mais adultas abordadas nessas obras.
Usar indistintamente o termo ‘romance gráfico’ - ou ‘novela gráfica’, como é mais popular entre nós - apenas com intuitos comerciais, só serve para o descaracterizar e esvaziar do seu significado e para criar confusão. Por isso, algumas vezes - demasiadas, obviamente - já se ouve dizer ou lê ‘banda desenhada ou novela gráfica’, ‘banda desenhada e novela gráfica’, como se fossem coisas distintas. Uma ‘novela gráfica’ é apenas um ‘sub-género’ dentro da banda desenhada. Chamar ‘novela gráfica’ a qualquer obra aos quadradinhos, seria o mesmo que, passe a comparação grosseira, designar por ‘telenovela’ qualquer ficção televisiva...
Escrito isto, Olívia não é uma novela gráfica. Mas isso não lhe retira qualquer interesse nem coloca em causa a sua qualidade.
Olívia
#2: A raposa furiosa
Thom
Pico (argumento)
Karensac
(desenho)
Booksmile
Portugal,
Setembro de 2021
160
x 200 mm, 112
p., cor, capa cartão com badanas
11,99 €
(versão revista e bastante expandida do texto publicado no Jornal de Notícias de 2 de Outubro de 2021; imagens disponibilizadas pela Booksmile; clicar nesta ligação para ver outras pranchas ou nas aqui reproduzidas para as aproveitar em toda a sua extensão)
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