21/02/2022

Yoko Tsuno Intégrale #3

Tempo e rigor



O tempo passa a correr. Entre a compra do último álbum (português) que faltava na minha colecção, a leitura 'integral' das histórias cá publicadas e a satisfação do desejo de conhecer mais aventuras de Yoko Tsuno, a engenheira electrotécnica nipónica, passou mais de ano e meio, sem que de tal me apercebesse realmente.
Adequadamente, este integral tem por título: À la poursuite du temps...

Ao contrário da maioria das outras séries franco-belgas compiladas nestes incontornáveis volumes integrais, que adicionam à colectânea dos álbuns individuais e de histórias curtas, muita informação sobre a obra e o leitor, no caso de Yoko Tsuno as suas aventuras foram agrupadas por temáticas e não cronologicamente.

O que, em minha opinião, levanta algumas questões pertinentes. Por um lado, perde-se o acompanhamento da evolução gráfica e mesmo temática da série - no caso presente, este terceiro integral reúne os volumes #11, La spirale du temps, #17, Le matin du monde, e #20, L'Astrologue de Bruges.

Por outro lado, desta forma, o leitor perde momentos importantes na sequenciação das aventuras, na origem de algumas das personagens recorrentes, na sua evolução ou da evolução do relacionamento entre elas

Perante esta realidade - que confesso me fez hesitar algum tempo, aumentando o espaçamento entre as leituras - a minha escolha recaiu no volume que aborda as viagens no tempo da jovem japonesa, uma temática que desde sempre me fascinou.

A seu lado, nos três relatos, está Monya, a última terrestre viva no século XXXIX, cujo encontro casual em La spirale du temps, em que traz do futuro o aparelho que lhe permite viajar no tempo, criou laços de amizade profundos que as levam a recorrer uma à outra quando necessário.

Desse encontro iniciático, ressalta um regresso de Yoko à sua infância e antes ainda, ao historial da sua família, descobrindo as razões para certos acontecimentos posteriores - incluindo, à luz da temática em destaque, uma bela explicação para o seu nome - enquanto tenta evitar futuros cataclismos provocados pelo homem.

Com o passar dos álbuns - aqui da primeira história para a segunda... - o recurso mais frequente a uma planificação de apenas três tiras por página em relação às quatro tiras originais, permite ao desenho respirar melhor - e ao desenhador trabalhar mais depressa... - ressaltando - como vincado no dossier original, com comparação da documentação utilizada com o resultado nas vinhetas e declarações do autor - o rigor com que Roger Leloup reproduz os locais reais que a sua protagonista visita, seja qual fora a data em que o faz. Porque, se na primeira história Yoko só retrocede cerca de 50 anos, nas outras duas são vários os séculos que tem de transpor.

Le matin du monde leva-a ao Bali, onde irá salvar uma jovem bailarina de uma morte atroz. Por isso, o desenhador passou lá um mês a desenhar, fotografar, fazer esboços em nome do tal rigor e da verosimilhança do que conta, servindo essa verdade gráfica como base de sustentação dos acontecimentos fantásticos que lhe surgem associados, num sítio em que o tempo parece ter pregado outras partidas...

Finalmente, L'Astrologue de Bruges, que encerra este álbum, apesar de datado de meados da década de 1990 e de a sua acção decorrer maioritariamente em 1545, aborda duas temáticas que hoje estão na ordem do dia. A primeira, tocada ao de leve - não esqueçamos que Yoko Tsuno evolui nas páginas da Spirou... - é o tráfico sexual de mulheres; o segundo, o perigo de uma pandemia iminente, não de Covid-19 - Yoko viaja sempre ao passado... - mas de peste negra.

O rigor que Leloup impõe ao seu desenho reflecte-se também na forma como aborda a questão das viagens temporais, com a preocupação evidente de os seus protagonistas não alterarem - ou alterarem ao mínimo... - o passado, para garantirem que isso não muda o seu presente, uma das questões-chave sempre presentes neste género de relatos.

E o mínimo que se pode escrever é que Leloup consegue sair-se bem do difícil exercício entre criar argumentos credíveis com a necessidade de serem suficientemente apelativos e estimulantes, e uma cautelosa gestão dos inevitáveis rastos que as idas ao passado inevitavelmente produzem.

Não sendo das minhas séries de (primeira) eleição no imenso portefólio da BD clássica franco-belga, Yoko Tsuno revelou-se uma aposta sólida e bem estruturada, garantindo uma boa utilização do tempo que nela empreguei, então num presente que agora já é passado... e um muito previsível regresso num futuro... indeterminado!


Yoko Tsuno Intégrale #3 À La Poursuite du Temps

Roger Leloup

Dupuis

Bélgica, 2007

218 x 300 mm, 176 p., cor, capa dura

ISBN: 9782800138886

251,95

(imagens disponibilizadas pela Dupuis; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

2 comentários:

  1. Nunca me despertou grande atenção.

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  2. Adorava ler no Spirou, em especial a história do "Trio do Mistério" (acho que era assim), que tinha uns espetaculares e futuristas veículos que se moviam numa especie de carris em argolas. Gostava que fosse reeditado numa coleção Asa/Público, mas não creio pois a tendência tem sido serie mais curtas.

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