Dependência
Sob a capa de um western que se desenrola maioritariamente durante e no pós-Guerra da Secessão norte-americana, Virgínia é na verdade uma história sobre vícios e dependência.
Na sua base, historicamente comprovada, está a proliferação do uso médico de ópio e morfina durante aquela guerra, utilizados para anestesiar e fazer esquecer a dor aos milhares de feridos e estropiados que a guerra provocou. Sem o saberem, os médicos criaram assim uma horda de viciados naquelas drogas, posteriormente descriminados por serem vistos não como dependentes - conceito ainda pouco difundido - mas como doentes morais.
Um deles, o protagonista, de seu nome Doyle, vive sob o peso insuportável dos seus fantasmas e da dependência de morfina. Atirador de elite ou sniper, como lhe chamaríamos hoje, vive assombrado pela família destruída (pela sua envolvência naquele conflito), o seu mundo desfeito e o fantasma de uma menina, filha de um general inimigo, que por acidente matou. Fantasma - real aos seus olhos e aos olhos dos leitores - que o persegue, que surge por toda a parte, com quem fala e discute e que o deixa desesperado ao longo dos vários episódios
Movido por aquela maldição - dupla - que o persegue, Doyle, entre episódios de abstinência, tenta ser um melhor ser humano, mesmo que apenas pontualmente, mesmo que o bem que faça - e fá-lo - seja sempre pouco aos seus olhos, recusando teimosamente, num agravar consciente do seu inferno terreno, essas pontuais possibilidades de redenção, que acabam sempre por sucumbir sobre o peso da recusa do perdão que o leva a mergulhar de novo ou sempre no vício que o domina
Confesso que graficamente Virgínia não consegue cumprir o que promete. A opção por uma técnica que se assemelha a cor directa, parcamente contornada por um traço fino e nem sempre bem definido, a principio surpreende mas acaba por cansar e denotar algumas falhas ou limitações, principalmente ao nível dos rostos. Acaba por funcionar melhor na representação dos momentos de pesadelo e alucinação que a droga provoca mas, globalmente não atinge o que como parecia prometer, embora isso acabe por ser atenuado pela composição cinematográfica das pranchas, com uma planificação muito dinâmica e frequentes tomadas de ponto de vista invulgares e que fogem dos enquadramentos normais.Em termos narrativos, a história vai avançando e recuando, acompanhando o percurso actual do protagonista e regressando ao passado para fornecer aos leitores as explicações necessárias para as suas atitudes e posicionamento.
Uma palavra ainda para o dossier final, que a par de uma série de esboços e desenhos preparatórios, enquadra a temática no seu contexto histórico, justificando assim o tom duro e a violência - física e psicológica - que perpassam por todo o relato.
Virgínia
Intégrale
Séverine
Gauthier (argumento)
Benoït
Blary (desenho)
Éditions
du Long Bec
França,
Dezembro
de 2019
237
x 327
mm, 184
p., cor, capa dura
(imagens disponibilizadas pelas Éditions du Long Bec; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)
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