14/02/2023

Jutlândia

A irresistível atracção pelo abismo




Pode soar estranho e possivelmente não é mais do que reflexo da atracção irresistível do ser humano pelo abismo, mas há temáticas que parecem não passar de moda e regressam regularmente aos gostos do público.

Entre elas estão, indiscutivelmente, as relacionadas com as duas grandes guerras e isso ajuda a perceber que nos últimos anos tenham surgido em Portugal várias propostas de banda desenhada (ficcional) dentro do género - Operação Overlord, Airborne 44, U-Boot ou O Grão-Duque, sendo o mais recente a colecção As Grandes Batalhas Navais. O volume inaugural - em português - intitula-se Jutlândia e tem a assinatura de Jean-Yves Delitte, desenhador e argumentista especializado nestes temas bélicos, e que é também Pintor Oficial da Marinha belga e Membro Titular da Acadèmie des Arts & Sciences de la Mer.

Autor de todos os tomos da colecção, nalguns casos só como argumentista, noutros, como em Jutlândia, como autor completo, Delitte é garante de rigor histórico e de fidelidade na reconstrução das embarcações representadas, omnipresentes ao longo das pranchas, entremeadas pontualmente com espectaculares vinhetas de página dupla.

Tendo como principal qualidade a reconstituição de época de uma das batalhas decisivas da Primeira Grande Guerra, o argumento de Delitte acrescenta-lhe um factor humano ao incluir na narrativa algumas personagens que servem para balizar os horrores dos conflitos armados e para criar alguns laços com o leitor: um oficial em vésperas de se divorciar e outro apaixonado pela mulher; um veterano marinheiro alemão; um francês morador em territórios ocupados, que se voluntariou para a aviação para poder cumprir o sonho de voar mas acabou num navio - e os seus pais.

Em torno deles, num relato pontuado por informações sobre a situação política e militar e o valor e constituição das frotas britânica e alemã prestes a enfrentar-se ao largo da península dinamarquesa que dá título à obra, Delitte constrói um relato que foge à frieza do simples documentário e ganha alguma consistência e calor humano.

Se o final surge algo abrupto, deixando a sensação - para quem está à distância - de que a montanha - a grande batalha naval em perspectiva - pariu um rato - as baixas perdas relativamente à dimensão que poderiam ter atingido pelo muito superior número de embarcações e homens em confronto - isso é atenuado pelo dossier final que ajuda a contextualizar e dimensionar o acontecimento.


Nota final

A edição da Gradiva, que teve o cuidado de entregar a tradução e revisão a oficiais da Marinha Portuguesa, para reforço da precisão técnica e histórica referidas acima, inicia-se pelo segundo volume da edição francesa. Desconheço qual a razão para esta opção - o tema em si? o autor completo? - mas não me incomoda, numa colecção em que todos os volumes são autónomos e independentes entre si.

O mesmo se passa, por exemplo, com as colecções Descobridores, Eles fizeram História ou até os Clássicos da Literatura em BD, em que a selecção dos editores nacionais tem recaído - acredito eu - nos volumes que aparentam ser mais apelativos e vendáveis.

O que é natural, digo eu.


As Grandes Batalhas Navais - Jutlândia
Jean-Yves Delitte
Gradiva
Portugal, Janeiro de 2022
233 x 313 mm, 64 p., cor, capa dura
19,50€

(versão revista do texto publicado no Jornal de Notícias online a 3 de Fevereiro de 2023 e na edição em papel do dia seguinte; imagens disponibilizadas pela Gradiva; clicar nesta ligação para ver mais ou nas aqui mostradas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar no texto a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)

5 comentários:

  1. Nada de batalha naval e as caras não são de todo o forte de Delitte!...

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  2. Acabei de ler. Aplaudo mais esta iniciativa da Gradiva. Edição muito apelativa e cuidada. Contudo, o traço de Delitte, sendo muito bom na reconstrução dos modelos navais, desiludiu-me um pouco na figura humana. Isso já me tinha acontecido na série ASA/PÚBLICO, U-Boot. Também, sendo a reconstituição da maior batalha naval., tem pouca batalha e um final quase que "metido a martelo". Apesar disso continua a ser um livro muito recomendável.

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  3. Pois, o Delittle não é nenhum Hugault, este desenha tão bem os aviões como a figura humana, na verdade poucas vezes vi mulheres tão bem desenhadas. Este vou passar.

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. Posto isto é uma pena a série Angel Wings do Hugault continuar inédita em Portugal.

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