Mostrar mensagens com a etiqueta Glénat. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Glénat. Mostrar todas as mensagens

08/02/2012

BD Reporter












Chappatte
Glénat + Courrier International + Le Temps (França, 23 de Novembro de 2011)
185 x 255 mm, 112 p., pb e cor, brochado
18,00 €


Resumo
Compilação de BD reportagens realizadas pelo autor na Tunísia, Nairobi, Gaza, Tshinvali, Costa do Marfim e no palácio presidencial francês…

Desenvolvimento
Terceira colectânea de bandas desenhadas curtas em pouco tempo aqui nas minhas leituras, ao contrário de Sábado dos meus amores e PontasSoltas – Cidades, que privilegiam a crónica social e urbana, este livro exemplifica um género que Joe Sacco (de alguma forma) celebrizou e mediatizou: as reportagens aos quadradinhos.
Habitualmente desenhador de imprensa, Chappatte é desde 1995 também “repórter desenhador” do jornal suíço Le Temps de Genéve, onde foram originalmente publicadas estas reportagens que chegam a ultrapassar a vintena de pranchas, igualmente veiculadas pelo Courrier International ou o International Herald Triobune.
Esta sua opção – explicada no prólogo –  “num tempo em que a actualidade está repleta de imagens, fotos, vídeos”, deve-se ao facto de o “traço negro, no seu despojamento, permitir uma relação única (…) dando a ver sem voyeurismo”.
As reportagens agora compiladas, são baseadas na sua experiência pessoal – “o que desenho, vi” – nas reportagens que trabalha “como qualquer jornalista, “fazendo entrevistas, tirando fotos”. E Chappatte reforça esse aspecto incluindo algumas fotos dos seus entrevistados para responder aqueles que lhe perguntam “se é verdade o que desenhou”.
Longe de delicodoces roteiros turísticos - até pelo traço utilizado, mais próximo do cartoon na sua (falsa) simplicidade, contrariada pela aplicação cirúrgica de sombras ou de alguma cor - estes instantâneos de cidades em estado de sítio ou devastadas por motins, revoluções ou guerras, ganham outra força pela combinação entre o tom factual que o autor utiliza, a inclusão de anedotas locais e as suas impressões, sensações e receios, surgindo, assim, o autor despojado da imagem heróica que (muitas vezes) os repórteres (televisivos) tanto gostam de (falsamente) ostentar.
E se tudo isto reforça a autenticidade destes relatos, confere-lhes igualmente um tom humano – acentuado pela exposição dos dramas pessoais a que estão sujeitos alguns daqueles com quem Chappatte se cruza - que se sobrepõem mesmo à “grande notícia” por detrás deles.O que redobra o interesse destas reportagens aos quadradinhos, que esta edição em livro permitiu resgatar à voragem natural que o tempo exerce sobre as suas versões originais nas páginas dos jornais.

A reter
- A combinação da reportagem com o factor humano.
- A ironia de incluir neste livro sobre algumas das cidades mais perigosas do mundo o palácio presidencial francês, dando relevo à sua costela de cartoonista.

Menos conseguido
- O principal problema da reportagem em BD: o desfasamento temporal entre a sua realização e a sua publicação, apesar de alguns destes relatos não terem perdido a sua actualidade.


02/12/2011

Sasmira

#2 - La fausse Note
Laurent Vicomte (argumento e desenho)
Claude Pelet (desenho)
Glénat (França, 30 de Novembro de 2011)
240 x 320 mm, 64 p., cor, cartonado
14,90 €

Pré-história
“Stanislas… Stan…”
É este débil murmúrio, ao crepúsculo, numa rua de Paris, um simples sussurrar do seu nome por uma velhinha que ele desconhece e que morrerá nos seus braços instantes depois, que vai mergulhar Stan numa estranha aventura.
A ele e a Bertille, a sua namorada, pois estarão juntos na busca da casa representada numa fotografia que a velhinha possuía.
Será essa fotografia, bem como um estranho anel que ela dá a Stan antes de morrer, e a conjugação de desejos (ainda inconscientes?) que os guiarão num regresso ao passado para descobrirem, entre outras coisas, como sabia ela o seu nome, como é que Stan aparece à janela da casa, na fotografia tirada cerca de 90 anos antes e o porquê do estranho fascínio exercido nele pela jovem da fotografia. Para saber a resposta a estas questões, será necessário conhecer a misteriosa Sasmira, de olhar tão penetrante, e Prudence, que parece saber tanto sobre viagens no tempo.
“Sasmira”, sendo uma homenagem aos sonhos que muitos (de nós) tiveram perante velhos baús encontrados nos sótãos dos nossos avós, revela uma faceta até agora ignorada de Laurent Vicomte: a de um argumentista sólido, capaz de elaborar uma narrativa densa, bem estruturada, que transmite uma atmosfera opressiva, onde cada aparente acalmia esconde nova revelação, num crescendo surpreendente. Aguardam-se novos volumes, para ver até que ponto consegue dar resposta a todas as questões que colocou. (…)
(Excerto do texto publicado no Jornal de Notícias de 28 de Julho de 1998)

Actualidade
Se normalmente a publicidade é enganosa, no caso concreto deste álbum a editora não exagerará muito ao anunciá-lo como “O álbum mais aguardado da banda desenhada franco-belga”!
Na verdade, os cerca de 15 anos que mediaram entre os dois tomos possivelmente não têm paralelo e a qualidade do primeiro volume fez com essa espera fosse ainda mais custosa.
Agora, como álbum nas mãos – é real, não uma miragem, asseguro! – após a sua leitura, encontro-me dividido.
Por um lado, porque este é apenas o segundo volume de Sasmira e o seu historial faz-me temer ter que aguardar mais alguns anos pela sua continuação (ou conclusão?).
Por outro lado, sem que consiga manter o elevado nível do tomo inicial – algo que seria extremamente difícil – a continuação da história de Stanislas e Bertille, prisioneiros no início do século XX, quase 100 anos antes do seu tempo, responde e corresponde aos pressupostos que o primeiro tomo avançara, mantendo a capacidade de encantar, o fascínio, a sedução, o tom de mistério e fantástico que perpassava as pranchas do primeiro tomo.
Sem querer estará desvendar a história, para não estragar o prazer da sua leitura, adianto que, como esperado, a atracção de Stanislas pela bela Sasmira se acentua, assim como se acentua a estranha ligação entre esta e Bertille. Em paralelo, num ambiente tenso, misterioso e fantástico, no qual a acção decorre quase sempre em ritmo lento, que dá ao leitor tempo de interiorizar e reflectir sobre o que lhe vai sendo mostrado ao mesmo tempo que são desenvolvidas e aprofundadas as personagens principais e se estabelecem diversos tipos de relações entre elas, se muitas questões estão ainda por desvendar, é-nos revelado um pouco mais sobre as razões que provocaram a viagem ao passado dos dois protagonistas e são lançadas pistas que, deixando ainda muito em aberto, permitem antever um desfecho bem trágico para esta cativante saga.
Apesar da entrada de Claude Pelet para o desenho, no qual trabalhou durante os últimos dois anos, o grafismo do álbum não se ressente demasiado, mantendo um elevado nível assente no magnífico traço realista, detalhado na representação de edifícios, viaturas ou cenas naturais, proporcionado e expressivo no tratamento dos protagonistas, em especial das belas e sensuais mulheres, e muito impressivo nas cenas mais espectaculares ou fantásticas.
Para a irresistível atracção do conjunto contribuem também as belíssimas cores de Patricia Faucon, mais conseguidas até do que as do tomo inicial, que contribuem para definir as tensões latentes e o espírito que preside às diferentes cenas.

A reter
- Sasmira #2 está publicado, é real!
- E consegue dar respostas, firmes e coerentes – mas ainda não definitivas – às pistas avançadas no tomo 1.
- O belíssimo traço de Vicomte e Pelet.

Menos conseguido
- 15 anos entre dois volumes é demasiado. Ainda mais quando o primeiro tomo criou tantas expectativas.
- O receio, incontornável, de que o tomo #3 demore, de novo, demasiado a ser publicado.

Preview
- No site da Glénat estão disponíveis para leitura as primeiras 12 páginas do álbum.

16/11/2011

Hotel

Boichi (argumento e desenho)
Glénat (França, 19 de Outubro de 2011)
130x180 mm, 178 p., pb e cor, brochado com sobrecapa com badanas
10,55 €

Resumo
Antologia de histórias curtas do coreano Boichi, nascido em 1973, apresenta o fim do mundo (ou da vida) como temática omnipresente.

Desenvolvimento
Um hotel com ADN de todas as espécies – excepção feita ao seu humano) – guardado por uma entidade mecânica com consciência (e coração) (em “Hotel”) ou o desejo de fazer regressar o atum (entretanto extinto) aos oceanos terrestres, para o poder degustar novamente sob a forma de sushi (em “Rien que pour les thons”), eis o tema de duas das narrativas deste volume, que marcam o seu tom global: por um lado a divagação sobre o (quase sempre catastrófico) futuro (altamente tecnológico) do planeta, no qual quase sempre o ser humano não tem lugar; por outro, o humor negro com que Boichi pincela os seus argumentos, desconcertando o leitor e atenuando a sua visão pessimista desse futuro.
Dono de um traço hiper-realista agradável e bem expressivo, do qual consegue conjugar os cambiantes (realismo, objectividade, aspecto caricatural, equilíbrio texto/imagem) que julga necessários para o adaptar ao tom das histórias que narra, o autor coreano revela também um excelente domínio da cor, presente nas primeiras pranchas de algumas das histórias, deixando uma grande vontade de o (re)descobrir numa obra totalmente colorida.
Pelo meio há ainda “Present”, uma história que, apesar dos contornos futuristas de que também se rodeia e do tom aparentemente rude e agreste do protagonista masculino, se revela no final profundamente humana e tocante, versando sobre paixão, amor, sentimento, e dor.

A reter
- O contraste entre visão futurista e humor negro que o autor apresenta.
- O excelente traço de Boichi e o seu trabalho de cor.
- A bela capa desta edição de Glénat, com aplicações localizadas de verniz que dão uma outra consistência à ilustração pós-apocalíptica nela impressa.

Menos conseguido
- Como acontece em muitos relatos de ficção-científica, existem nalguns dos contos alguns hiatos temporais desnecessários e difíceis de engolir por quem lê.



20/10/2011

12 Septembre #1

Le Califat de Stockholm
Collection Grafica
Roger Seiter (argumento)
Simone Gabrielli (desenho)
Glénat (França, 7 de Setembro de 2011)
240 x 320 mm, 48 p., cor, cartonado
13,50 €

Resumo
Duncan Campbell é um agente da NSA, especialista em questões do Médio-Oriente. Durante uma acção de vigilância a um suposto terrorista, perde a sua colega (que é também a mulher que ama), não conseguindo confirmar as linhas principais de um grande atentado que supostamente está em preparação. Corria o dia 6 de Setembro de 2001.
Já depois da concretização dos atentados de 11 de Setembro, um acidente aéreo provocado por Duncan, fá-lo recuar no tempo, para uma estranha Europa do século XV, recheada de anacronismos no qual, o confronto entre as civilizações ocidental e oriental faz perigar o futuro de ambas.

Desenvolvimento
Entre muitos dos seus méritos, a banda desenhada francófona, em séries (relativamente) curtas como (parece ser) esta, (quase) sempre soube criar primeiros álbuns fortes e de grande impacto, capazes de prender o leitor e de criar nele a vontade de ler a continuação.
Não é esse, no entanto, completamente o caso presente pois, apesar do prometedor início, há depois algumas incongruências – a começar pelo acidente aéreo que o protagonista provoca, credível num relato de humor negro mas difícil de aceitar no actual contexto. O próprio ritmo narrativo, com alguns saltos temporais, não ajuda ao todo até porque ficam (ainda) por explicar, por exemplo, a forma como tantos conhecimentos futuros estão presentes na época em que o relato decorre – mesmo considerando que este é apenas um tomo inicial.
E no qual também Gabrielli parece ainda em busca do melhor equilíbrio gráfico, com notórias dificuldades ao nível da representação humana que contrasta com páginas francamente conseguidas (em especial aquelas em que as vinhetas são maiores e detalha mais o desenho ou o combate marítimo quase no final), sendo inegável o maior à-vontade do desenhador proveniente dos comics na época contemporânea e na espectacularidade dos estranhos navios que Duncan encontra no seu retrocesso temporal.
Aquelas limitações acabam por penalizar (demasiado?) uma proposta base interessante, que em lugar de batar mais uma vez nos acontecimentos em torno dos atentados de 11 de Setembro, procura no passado a origem e (algumas) explicações para as actuais tensões entre as duas civilizações. Resta esperar que em próximos volumes, esta opção, a combinação entre ficção e factos históricos e a exploração dos anacronismos, possam fazer a narrativa descolar e encontrar o tom mais adequado.

A reter
- A abordagem proposta a uma temática que é, hoje em dia, (relativamente) recorrente (também) nos quadradinhos.
- Os aspectos já referidos do trabalho de Gabrielli.

Menos conseguido
- A forma pouco convincente como a abordagem narrativa é feita.
- O seu tom hesitante e ainda em busca das melhores opções.

05/10/2011

Une nuit de pleine lune

Yves H. (argumento)
Hermann (desenho)
Sébastien Gérard (cor)
Glénat (França, Setembro de 2011)
240 x 320 mm, 56 p., cor, cartonado
13,50 €

Resumo
Cinco jovens decidem assaltar um casal idoso que vive numa casa isolada, atraídos por um cofre supostamente bem recheado.

Desenvolvimento
Surpresa: o abrir do álbum deu a sensação de um regresso ao passado, ao tempo (já algo distante) em que Hermann não trabalhava em cor directa, fazendo o desenho a tinta-da-china, posteriormente colorido. Opção que o autor me tinha referido numa conversa no Festival de Beja, em 2010, que de imediato me veio à mente.
Por isso, o grafismo surge algo estranho, diferente, evocando em parte os últimos tomos de “Comanche” ou os primeiros de “Jeremiah”. Apesar da cor, aplicada por Sébastien Gérard, surgir menos exuberante, baseada em tons mais frios e sombrios, evidentemente ajustados ao tom da narrativa e à penumbra, apenas parcialmente quebrada pela lua cheia, em que quase toda ela decorre.
O relato começa de forma lenta, dando a conhecer os cinco jovens envolvidos no golpe. Cinco jovens – quatro rapazes e uma rapariga; quatro brancos e um negro; um inadaptado e quatro acomodados… – com razões e motivos diferentes para estarem ali: o regresso ao Marrocos natal, o desejo de uma vida com luxo, álcool e mulheres, o jeito para a electrónica, o conhecimento do local…
Cinco jovens cujas diferenças vêm de imediato ao de cima, revelando pontos de atrito, desentendimentos, formas de estar e de agir que farão com que rapidamente entrem em choque, pondo em causa o objectivo (que devia ser) comum mas que, afinal não os move a todos de igual modo. Num retrato ajustado de uma certa realidade comum a (quase) todos os países ocidentais, o que confere a “Une nuit de pleine lune” uma incómoda actualidade.
Depois, após cerca de um terço do livro que serve então como introdução e apresentação dos principais (serão?) intervenientes, o ritmo torna-se mais intenso, ao mesmo tempo que a tensão sobe, com a chegada à casa (já invadida) do casal idoso. Momento em que o plano, aparentemente tão bem traçado, começa a descarrilar.
Primeiro, porque as divergências quanto ao modo de acção vêm claramente ao de cima; depois, porque um infeliz acidente (será?) provoca uma morte e desencadeia um banho de sangue de consequências de todo inesperadas; finalmente, porque afinal o casal – o homem – não era tão dócil e submisso quanto os cinco jovens esperavam…
Thriller de acção, intenso e dramático, “Une nuit de pleine lune”, escrito de forma competente e muito legível (o que nem sempre tem acontecido…) por Yves H., revela mais uma vez Hermann como um dos grandes desenhadores de BD da actualidade, mesmo neste seu regresso (gráfico) ao passado.

A reter
- A surpresa do registo gráfico de Hermann.
- A boa adequação da cor à narrativa.

Menos conseguido
- Alguma previsibilidade do desfecho final.
- A “falta de páginas” para aprofundar as motivações individuais e as tensões entre os cinco jovens.
Curiosidade
- O álbum encontra-se também disponível numa edição a preto e branco, com capa diferente com aplicações de verniz em zonas seleccionadas, lombada em tela e tiragem limitada, que inclui um caderno extra com 8 páginas de esboços, cujo preço é de 25,00 €. E que permite admirar melhor o magnífico traço de Hermann.






05/07/2011

Fulù

Les Intégrales
Carlos Trillo (argumentista)
Eduardo Risso (desenho)
Glénat (França, Maio de 2011)
180 x 243mm, 248 p., pb, cartonado
15,00€

Resumo
Publicado inicialmente em 5 tomos coloridos, entre 1989 e 1992, a saga de Fulù, uma negra raptada em África e vendida como escrava no Brasil, surge agora pela primeira vez em versão integral e a preto e branco, um registo em que Trillo e Risso dão cartas.

Desenvolvimento
Esta é uma longa história – longa de 5 anos em tempo real da acção, longa de 5 tomos “tradicionais” franco-belgas, longa de mais de 240 pranchas. A história de Fulù, uma jovem africana levada do seu país para ser escrava no Brasil e a sua longa luta pelo regresso à sua terra natal.
A história de uma jovem negra, bela e sensual, dona de estranhos poderes – mágicos, místicos – que aos poucos vai descobrindo, desenvolvendo e aprendendo a usar em proveito do seu sonho: regressar à terra que a viu nascer e – sabê-lo-á apenas mais tarde – ao seu prometido.
Ao longo desta saga, desta longo périplo pelo Brasil e pela América Central, por terra e por mar, como cativa e como fugitiva, conta com Nder Saba, o seu espírito protector, que a vai guardando e guiando.
Guiando-a até ao seu destino, apesar dos múltiplos obstáculos e problemas que tem que enfrentar e vencer.
Guardando-a da luxúria dos homens – pois ela está reservada para alguém especial – e do ódio das mulheres – invejosas por verem o que ela faz aos homens -, guardando do medo, do rancor, do despeito, da vingança daqueles com quem se vai cruzando, daqueles cujo destino vai alterando, dando-lhes por vezes o que desejam, outras mostrando-lhes o que lhes está destinado.
Esta é uma saga em crescendo – de dúvidas, de intensidade, de mistérios, de respostas também – que Trillo vai desenvolvendo, dando ao tom aventuroso inicial (também) um tom místico e fantástico que se vai sobrepondo aquele à medida que o relato avança, prendendo o leitor à medida que o surpreende, envolvendo-o em dúvidas e curiosidade – da mesma forma que Fulù usa os seus poderes (e o seu corpo) para “enfeitiçar”, “controlar”, “dispor” daqueles que a rodeiam ou que a sua aura atraiu.
Ao mesmo tempo, Trillo traça um fresco cru e violento da época da caça aos escravos, em que negros e brancos eram diferentes, uns objectos outros senhores, e de uma forma de vida no Brasil, nas Américas, também em África, enquanto mostra como a Humanidade evoluiu tão pouco naquilo que a move e faz avançar (?): ódio, cobiça, desejo, luxúria, vingança…
Para isso criou uma vasta galeria de personagens, algumas obedecendo aos estereótipos esperados, outras ricas e interessantes, bem para lá de convenções, que dão o seu contributo – tantas vezes único, original e inesperado, para o desenvolvimento do todo.
A arte de Risso, neste integral a preto e branco despojada das cores da edição original que em nada beneficiaram o desenho, surge na sua pureza, depurada, mais rica, mais intensa, em pranchas de claro contraste entre brancos límpidos e luminosos e negros profundos e sombrios, através dos quais traça personagens, cenários, adereços, tudo aquilo que serve para contar e fazer avançar a história.

A reter
- A forma como a arte de Risso se desenvolve ao longo da trama, soltando-se, (re)descobrindo-se, explodindo frequentemente em pranchas intensas e belíssimas!
- O crescendo do enredo de Trillo, com inflexões que surpreendem e prendem o leitor, mesmo que o ponto de chegada da narrativa seja algo díspar daquele em que ela se iniciou.
- A edição, magnifica e barata, ideal para descobrir o final de quem comprou os dois volumes editados em português.

Menos conseguido
- Alguns exageros caricaturais na caracterização – gráfica e psicológica – de algumas personagens…
- … em contraste com o facto de a maior parte delas fugir aos estereótipos que poderiam ser esperados, o que leva a lamentar o seu abandono, ou melhor a sua intervenção limitada, ao longo do relato

Em Portugal
Fulú foi uma das muitas séries iniciadas e nunca concluídas pela Meribèrica/Líber. Os dois primeiros tomos – O Sortilégio e A Dança dos Deuses - foram publicados em 1992 e 1994, respectivamente, a cores, nas variantes de capa brochada e capa cartonada e ainda hoje se encontram com alguma facilidade nas muitas feiras de saldos que actualmente se realizam um pouco por toda a parte.

18/04/2011

Far Away

Jean-François e Maryse Charles (argumento)
Gabrielle Gamberini (desenho)
Colecção Roman BD
Glénat (França, 23 de Março de 2011)
185 x 260 mm, 144 p., cor, cartonado, 25 €


Resumo
Martin Bonsoir é um camionista a quem o demasiado tempo passado na estrada fez esquecer a capacidade de apreciar o que o rodeia.
O acaso – uma tempestade de neve – vai fazer com que se cruze com Esmé, uma mulher mais velha do que ele, que, em troca da sua ajuda, o convence a levá-la consigo no camião.


Desenvolvimento
Por vezes, não há como dourar ou desenvolver os textos sobre um livro. Não pela sua fraca qualidade ou interesse, mas porque há histórias simples que não precisam de ser mais do que isso.
Este Far Away é um desses casos. A história de uma relação (não tão improvável como um primeiro olhar pode inferir) entre dois seres aparentemente muito diferentes. Cujas motivações, desejos, necessidades vamos conhecendo conforme eles as vão descobrindo ou expondo. Até porque a sua relação, para crescer e se fundamentar, tem que passar por momentos tensos, por crises de confiança, mesmo por separações, retratadas com grande realismo e credibilidade.
Mais resumidamente, este é um relato agradável sobre relacionamento, confiança e partilha. Sobre apreciar o mundo, o que nos rodeia, a vida (enquanto dura).
Não que o seu tom seja lamechas, até porque o final, apesar de relativamente (in)feliz – sim, possui esta dualidade… - convida mais a pensar do que a chorar ou a abrir a boca num sorriso de irreal felicidade tonta. E a seguir em frente, de preferência com uma nova perspectiva da existência e da forma de a aproveitar.
O argumento, do casal Charles, embora consistente e bem sustentado – dentro da (falsa) simplicidade já referida - é bastante linear, apenas com duas (relativas) inflexões, a inicial, já desvendada no resumo, necessária para que o resto funcione, e a que conduz ao desfecho, que o leitor adivinha mais cedo que o protagonista.
Quanto ao desenho de Gabrielle Gamberini, é nele evidente o facto de esta italiana ser também pintora, pois faz de cada vinheta um quadro a guache. E se denota alguma falta de dinamismo, de alguma forma compensado pelo reduzido número de vinhetas por prancha, o que ajuda a BD a respirar, isso acaba por ser uma limitação menor pois o argumento também não o exige. Sobram, também, para compensar, algumas vinhetas belíssimas, como a que abre a história, de página inteira, que obrigam o olhar a demorar-se em contemplação.
Contribuindo, assim, também, para que se cumpra uma das premissas da história: a importância de prestar atenção às coisas pequenas, aos pormenores.


A reter
- Por vezes é bom parar com a correria diária, atentar nas coisas simples, repensar prioridades. Este (belo) livro contribui para isso.
- Algumas vinhetas que mostram que Gabrielle Gamberini, sem ser uma grande autora de banda desenhada, é, no entanto, uma boa pintora.


Menos conseguido
- A falta de dinamismo e de movimento das personagens.

23/02/2011

L’orfèvre

Collection Les Intégrales
Warnauts (texto e desenho)
Guy Raives (texto, desenho e cor)
Glénat (França, 9 de Fevereiro de 2011)
180 x 243 mm, 240 p., cor, cartonado, 15,00 €


Resumo
L’orfèvre (o ourives), é o apelido de Charles-André Lafleur, um agente ao serviço do estado francês, que encontramos envolvido em inquéritos de contornos políticos, numa qualquer república da América Central, Nova Iorque, Paris ou no Cambodja.
Ambientado nos anos 30, este álbum recolhe os 5 tomos que Lafleur protagonizou – La Mort commme um piment, La maison sur la plage, K.O. sur ordonnace, Le sourire de Bouddha e Les Larmes de la Courtisane, originalmente publicados entre 2000 e 2004.

Desenvolvimento
Comecemos por falar da colecção. Ao contrário da maior parte doutros volumes integrais que aqui tenho referido, geralmente dedicados à recuperação de séries clássicas, a colecção Les Intégrales da Glénat – tal como esta da Dupuis – tem uma orientação diferente. Assim, agrupa num único volume, no formato geralmente designado como de ‘livro’ – seja lá isso o que for… - alguns tomos de uma série (ou toda a série como neste caso), mais ou menos recente e de algum sucesso.
No caso presente, “L’orfèvre” compila os inquéritos de Lafleur, agente ao serviço do estado francês, envolvido em casos com contornos políticos, relacionados com tráfico de influências, contrabando de droga ou de objectos de arte. A apimentar cada um deles encontram-se elementos mais comuns em relatos policiais, como relacionamentos dúbios, racismo, sexo, traição e alguma violência.
Lafleur, cujo passado, algo nebuloso, vai sendo aflorado ao longo dos relatos, ao contrário de muitos dos seus pares detectives, privilegia a dedução, a intriga e a actuação na sombra em detrimento da acção directa, o que se traduz em narrativas de ritmo moderado que os autores aproveitam para definir e aprofundar o carácter dos principais intervenientes, bem como para tornar mais complicados os contornos de cada caso, cujos desfechos nem sempre são os esperados, o que por vezes obriga a uma releitura para que o leitor se aperceba de todos os pormenores disponibilizados (em texto, expressões, cenário…).
E também, importa dizê-lo, porque essa é uma das principais características deste álbum – bem como de outros da dupla Warnauts/Raives – pois esse ritmo pausado (apesar da diversidade da planificação) permite-lhes demorarem-se e aplicarem-se nos (belos) retratos de cada um dos lugares, exóticos (ou não) onde a presença de Lafleur é exigida, enquanto mostram apontamentos de como foram os agitados anos 30 do século passado. E, igualmente, em contraste com o tom algo caricatural usado para os homens, nos belos e chamativos retratos das belas mulheres que são outra constante nas suas obras.

A reter
- As belas mulheres de Warnauts e Raives.
- As soberbas cores que pintam cada prancha.
- A possibilidade de o leitor comprar 5 tomos pelo preço de um só, poupando na carteira - e no espaço de prateleira!

Menos conseguido
- Algum estaticismo das figuras humanas.
- O menor à vontade revelado pelos autores na representação das cenas de maior acção, como a perseguição automóvel das páginas 75 a 77.
- A redução do formato em relação aos tomos originais que, se não prejudica a leitura em si, não permite apreciar da mesma forma a arte de Warnauts e Raives.
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...