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21/04/2013

Spirou já tem 75 anos











Nascido como paquete de hotel a 21 de Abril de 1938, Spirou – palavra que significa esquilo em wallon – tornou-se rapidamente um viajante do mundo que vive grandes aventuras há 75 anos.

Mas, tão invulgar quanto a sua ocupação inicial foi a sua génese. Imaginado por Charles Dupuis, patrão da editora com o seu nome, para mascote de uma revista que ainda hoje se publica e que é um dos últimos bastiões do jornalismo infanto-juvenil, Spirou seria desenvolvido pelo francês Rob-Vel, que foi o seu responsável gráfico desde a sua estreia até 2 de Setembro de 1943.


Durante esse período – pela primeira vez reeditado integralmente este ano, no soberbo volume documental “Spirou par Rob-Vel” (Dupuis) - devido à sua mobilização para a II Guerra Mundial, seria substituído algumas vezes por outros desenhadores, entre os quais a sua esposa Blanche Dumoulin, também argumentista de muitas das suas aventuras iniciais.
Começando por protagonizar gags de uma página, o Spirou original, ainda em busca de definição, foi evoluindo sem rumo fixo, consoante as necessidades de cada episódio: traquina, espertalhão, patriota, fumador, apreciador de bom vinho, responsável por esquemas de honestidade duvidosa, cientista, ventríloquo, detective, monarca, astronauta… - embora acabasse por se tornar no globetrotter aventureiro justo, intrépido e que faz tudo pelos amigos que hoje conhecemos.
Esta génese fez de Spirou um herói diferente de quase todos os seus “contemporâneos” franco-belgas, sendo pertença da editora e não do seu criador. Por isso, ao longo das décadas, foram muitos os nomes que assumiram o seu destino.
Os mais importantes, sem dúvida, foram Jijé (entre 1943 e 1946, com regressos pontuais em 1949 e 1951) a quem se deve a criação de Fantasio, um jornalista solidário mas trapalhão e companheiro de aventuras de Spirou, e Franquin (1946-1968), que fez dele um dos maiores heróis dos quadradinhos pela equilibrada combinação de humor e aventura assente no seu traço nervoso e dinâmico, e que introduziu nas suas páginas o fantástico Marsupilami, Zantáfio, primo de Fantasio e vilão de serviço ou o genial e distraído Conde de Champignac.
Seguir-se-iam, sem grande rasgo nem génio – e privados do Marsupilami que Franquin levou consigo quando deixou Spirou – Fournier (até 1979) e Nic Broca e Raoul Cauvin (até 1983). A dupla seguinte seria Tome e Janry, que devolveram Spirou ao( gosto do)s leitores; a par da série principal, que assumiram até 1998, criaram também “O pequeno Spirou”, em 1987, uma versão infantil e endiabrada do herói.
O novo século encontrou-o sob os auspícios de Morvan e Munuera, com algumas influências gráficas do manga e com uma temática mais adulta que lhe retirou popularidade.
Actualmente nas mãos de Vehlmann e Yoann, Spirou em anos recentes foi também protagonista de diversos álbuns auto-conclusivos, muitas vezes situado fora do seu universo original.
Spirou estreou-se entre nós no Camarada, em Janeiro de 1959, rebaptizado Serapião; viria a ser igualmente Clarim, surgindo Fantasio como Flausino. A revista com o seu nome, teve duas vidas, ambas curtas, na década de 1970.
Praticamente todo editado em álbum em português, passou pelos catálogos da Arcádia, Publica, Meribérica e ASA mas a jóia da coroa é “O Feiticeiro de Vila Nova de Mil Fungos”, editado pelo Camarada na década de 1960, com capa feita especialmente para a edição por Franquin.
Para assinalar esta data festiva, a Dupuis, para além da reedição integral das aventuras de Spirou por Rob-Vel, lançou um número especial da revista Spirou (no passado dia 17 ) e editou igualmente “La Galerie des Illustres”, um volume de 400 páginas com Spirou desenhado por 200 desenhadores.
No dia 23 o jornal Le Soir lança um número especial com todas as imagens da autoria de desenhadores do groom e, no mesmo dia, o Centre Belge de la Bande Dessinée inaugura a exposição “Spirou de main en main” que ficará patente até Outubro.

(Versão revista e expandida do texto publicado no Jornal de Notícias de 21 de Abril de 2013)



08/02/2013

Spirou par Rob-Vel












L’Intégrale 1938-1943
Rob-Vel
Dupuis
(Bélgica, 18 de Janeiro de 2013)
220 x 300 mm, 312 p., cor, cartonado
24,00 €




Resumo
Compilação das pranchas originais de Spirou criadas por Rob-Vel (e não só…), introduzidas por um dossier muito completo e bem ilustrado sobre a (atribulada) génese do herói.

Desenvolvimento
Há obra que se lêem com paixão, para outras é necessário utilizar a razão. É o caso desta.
Há muito sabedor que Rob-Vel tinha sido o criador (gráfico) de Spirou, quase nada tinha visto até hoje desses primeiros passos da carismática personagem. Ao saber desta edição, rapidamente subiu para o topo das minhas prioridades e a sua leitura impôs-se naturalmente. E, é sem dúvida pelo seu tom documental que ela se torna valiosa, pois esta é a primeira vez que todas as pranchas desenhadas por Rob-Vel são disponibilizadas após a sua publicação original, pois até esta data uma única vez tinham sido reproduzidas, em dois tomos, de tiragem limitada, no já muito distante ano de 1975.
Delineado por Jean Dupuis em 1937, para ser a figura principal de uma nova publicação dedicada aos mais novos que ele pensava editar, baptizado em reunião familiar dos Dupuis, Spirou seria entregue ao francês Rob-Vel, colaborador de “Le Moustique”, uma outra publicação da editora, e com vocação para desenhar grooms!
Dessa forma, a 21 de Abril de 1938, Spirou saltava (literalmente) do papel, para se tornar – ninguém o adivinhava ainda - um dos mais representativos e duradouros heróis da banda desenhada franco-belga.
O Spirou original, ainda em busca de definição, foi evoluindo sem rumo fixo, consoante as necessidades de cada episódio: traquinas, espertalhão, patriota, com um irmão gémeo (!), fumador, apreciador de bom vinho, responsável por esquemas de honestidade duvidosa, cientista, ventríloquo, detective, monarca, manager de um pugilista, astronauta… Um faz-tudo, em suma, no qual identificámos muito pouco do herói que hoje tão bem (re)conhecemos.
É dessa forma que protagoniza as suas primeiras 27 pranchas aos quadradinhos, episódios humorísticos auto-conclusivos. Depois, a 17 de Outubro desse mesmo ano, arranca a sua primeira aventura longa – 92 pranchas. Por elas e pelas seguintes, para lá de Rob-Vel, entretanto condicionado pelo serviço militar e pela ocupação da Bélgica pelos nazis, passarão a sua esposa, Blanche, Luc Lafnet e diversos colaboradores que permaneceram anónimos. Disso se ressente a obra, com o traço e a própria planificação a variarem segundo a inspiração e o estilo de cada um. Como curiosidade, fica uma nota para o facto de as duas últimas pranchas – que terminam bruscamente essa primeira narrativa longa – terem sido realizadas por Jijé, que poucos anos volvidos, a partir de 1944, haveria de deixar uma marca fundamental na série, modernizando-a e criando o temperamental Fantásio.
O mote desse relato primeiro relato em continuação – na qual Spirou, pela primeira vez, assumirá o papel de viajante pelo mundo – é, sem dúvida, curioso e original: Bill Honey, um norte-americano hospedado no hotel onde Spirou trabalha, recebe uma fabulosa herança, que perderá se não conseguir gastar um milhão por mês. Spirou encarregar-se-á de o ajudar, evitando que a fortuna vá cair nas mãos de outro.
Nela – como nos outros episódios posteriores, ao fim de poucas páginas, o ponto de partida é esquecido, coadjuvantes desaparecem misteriosamente e as peripécias e os locais da acção desdobram-se e multiplicam-se, tudo ao sabor da inspiração no momento criativo…

Esta belíssima edição, revela-se assim, antes de tudo, um documento fundamental, que descobre a génese de Spirou e espelha a forma de narrar aos quadradinhos, na Bélgica, nos anos que antecederam a II Guerra Mundial. E cuja leitura, uma vez terminada, nos faz pensar que só o talento único de dois génios dos quadradinhos, Jijé e Franquin, tornou possível que este Spirou se tenha tornado naquele que hoje conhecemos.

A reter
- O valor documental de uma edição deste calibre: foi preciso esperar 75 anos para ficar disponível a (longa) génese de um dos mais importantes heróis da BD franco-belga.
- O livro em si: um objecto magnífico, surpreendentemente leve (para a sua dimensão), bom papel, boa impressão.
- O dossier que abre o volume e detalha o percurso criativo dos autores do groom mais conhecido da BD.

Curiosidades
Simples coincidência ou Rob-Vel era leitor do Tintin de Hergé?
Deixo três momentos – que não são os únicos – que parecem inspirados (?) nas aventuras do “repórter que nunca escreveu uma linha”…

Spirou (1942) / Tintin (1930)



 Spirou (1939) / Tintin (1934)


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