06/12/2011

Sous L’Entonnoir

Sibylline (argumento)Natacha Sicaud (desenho)
Delcourt (França, 19 de Outubro de 2011)
194 x 255 mm, 144 p., cor, cartonado
17,50 €

Resumo
Aline ficou órfã de mãe aos 7 anos, quando esta se matou com um tiro de carabina na barriga. Aos 17 tentou suicidar-se ingerindo medicamentos.
Sous l’entonnoir aborda o período de cerca de um mês em que esteve internada numa instituição psiquiátrica.

Desenvolvimento
Mas desengane-se quem imagina aqui uma versão em BD do célebre Voando sobre um ninho de cucos ou uma denúncia desabrida dos métodos e tratamentos infligidos aos doentes por enfermeiros e médicos.
Obra autobiográfica, baseada na experiência real da argumentista, escrita cerca de 15 anos após as situações narradas no livro, Sous l’entonnoir é antes uma obra extremamente pudica e contida, mais uma catarse pessoal do que obra de auto-comiseração, denúncia ou louvor. Apenas um retrato – algo destorcido pela memória de uma paciente (não muito doente)? – do quotidiano e das situações banais – no contexto – da instituição.
Por isso – apesar disso? talvez por isso? – a obra é tocante e emotiva porque Sibylline e natacha Sicaud conseguiram passar para os quadradinhos do papel a angústia, a tensão, a demanda, o sofrimento, as dúvidas, os receios, as dificuldades de comunicação, a coabitação com o bizarro e o anormal, a solidão partilhada com quem se desconhece, com quem não se comunica, com alguém cujas histórias não se conhecem, experimentados no hospital psiquiátrico ao longo de um mês que – para os leitores e para a protagonista – pareceu muito mais tempo.
Efeito voluntário, acentuado pelo ritmo pausado da narrativa, pela sua estrutura, assente em capítulos curtos mas incisivos, pelo traço despojado mas seguro no retratar de poses e olhares, pelas poucas palavras e os muitos silêncios – incómodos – que percorrem as páginas de Sous l’entonnoir.

A reter
- O pudor da narrativa, completamente despido de qualquer pretensão sensacionalista.
- A forma como as autoras conseguiram materializar nos quadradinhos o ambiente opressivo e tenso da clínica.

Curiosidade
- A argumentista chama-se Sibyline porque o seu pai, grande leitor de banda desenhada, admirava bastante a pequena ratinha criada por Raymond Macherot.



05/12/2011

As Águias de Roma

Livro III
Marini (argumento e desenho)
ASA (Portugal, Novembro de 2011)
240 x 320 mm, 60 p., cor, cartonado
16,50 €

Resumo
Em território Germano, Armínio (ou Armanamer) hesita (?) entre manter a sua posição como cidadão romano ou aceitar a chamada do seu povo para o comandar numa rebelião contra o invasor, enquanto Marco chega com a missão de espiar ao serviço do imperador o que há de verdade numa eventual rebelião dos germanos.

Desenvolvimento
Apesar do que escrevi a propósito do Livro I desta série – opinião que mantenho inalterada e estendo ao segundo volume – confesso que a chegada de um novo tomo levou-me a lê-lo rapidamente.
Porque a época do Império Romano exerce sobre mim um grande fascínio, é uma das razões; outra é porque admiro o traço atraente de Marini, realista na reconstrução credível da época retratada, à vontade na representação de animais selvagens ou de seres humanos, quer se trate de másculos atletas, belas e sensuais mulheres ou seres a caminho da decadência física, muito dinâmico e e variado na planificação das páginas, magnífico no tratamento dos cenários, servidos por um colorido soberbo, assente numa diversificada paleta cromática, de tom global sombrio, mas adequada quer às gélidas florestas da Germânia, quer aos abafados salões das orgias romanas.
Essa leitura acabou por me revelar um Marini mais seguro como argumen-tista, a explorar novos caminhos que, embora conduzam ao inevitável confronto entre Armínio e Marco, prendem o leitor, enredado na teia que Marini vai tecendo, onde conspirações, traições, ambição, ódio, paixão, desejo e luxúria se vão cruzando e sendo alimentados por quem por eles se rege ou os utiliza para chegar aos seus fins.
Desta trama de ritmo acelerado, que por vezes leva o leitor de arrasto, impedindo-o de atentar aos pormenores que suportam e são mais valia para o enredo geral, fica como principal imagem um retrato cru e violento da fase final do Império Romano, sobrando à saciedade as razões que levaram à sua decadência.

A reter
- O belíssimo trabalho gráfico de Marini.
- A maior consistência e originalidade do argumento, em relação aos dois tomos iniciais.
- O bom ritmo a que a ASA está a editar esta série…

Menos conseguido
- … lamentando-se apenas que Marini não trabalhe mais depressa, pois esta é uma obra que dá vontade de ler de um só fôlego - quem sabe, no futuro não muito distante, num apetecível integral…

04/12/2011

BD ao som da guitarra

Do tempo dos lusitanos até à actualidade, o fado, canção nacional por excelência, agora tornado património da humanidade, tem sido abordado de várias formas pelos quadradinhos nacionais.

Cronologicamente, se assim se pode escrever, a referência mais antiga ao fado surge nas aventuras de Tónius, herói lusitano empenhado em expulsar os mouros da Península Ibérica. Criação de Tito e André, o émulo nacional de Astérix, em “Uma Aventura nas Astúrias” (Pública), datada de 1981, numa passagem por Aeminium (Coimbra), brinda companheiros e leitores com uma anacrónica mas animada noite de fados!

Uma década mais tarde, a Câmara Municipal de Lisboa lançava “Noites de Vidro”, um roteiro sobre a noite lisboeta, em que dúzia e meia de autores nacionais retratavam, em ilustração ou banda desenhada, alguns dos mais conhecidos bares, discotecas e casas de fado da capital, neste último caso a Severa, desenhada por Alice Geirinhas.

Em 1994, a adaptação em BD, por Jorge Magalhães e Rui Lacas, do musical de Filipe la Féria “Maldita Cocaína” (Página a Página), encerra o seu último e trágico capítulo ao som do fado, na voz de um dos meliantes que a protagoniza.

E se o fado é o tema de uma das bandas desenhadas curtas inseridas na compilação “A minha vida é um esgoto” (Baleia Azul, 1999), de Ana Cortesão, bem pode dizer-se que alguns dos relatos nele inseridos são verdadeiros fados “aos quadradinhos”, pelo retrato cru de uma certa marginalidade da capital e pelo tom triste, trágico, melancólico e desiludido dessas histórias.

Mas se o que até agora foi citado não passa de apontamentos de maior ou menor dimensão inseridos em obras de maior fôlego, dois álbuns destacam-se por neles o fado surgir como verdadeira banda sonora ou mesmo protagonista maior.
“Fado – Estórias da Noite” (ASA, 2003), uma incursão nos quadradinhos do cartoonista Rui Pimentel, desenvolve uma história de tom policial nos meandros da noite fadista. Nele, na sequência do desaparecimento de Amália (com origem criminosa no livro), começam a surgir assassinadas todas as grandes senhoras do fado, tendo o protagonista, um inspector da PJ, que assumir o papel de fadista para descobrir quem quer ocupar o lugar deixado vago pela rainha do fado. De traço caricatural e muito expressivo, o álbum de cores vivas e fortes, traça um retrato mordaz, mas em muitos aspectos credível, da noite lisboeta.



Já o “O fado Ilustrado” (Plátano), datado de Fevereiro deste ano, orquestra conspirações políticas, atentados bombistas, o fado popular, paixões e vinganças, para traçar uma cronologia das razões que levaram ao derrube da monarquia e à implantação da República, no início do século passado. A trama da autoria de Jorge Miguel, é protagonizada por Adelaide da Facada e Amâncio da Navalha, presentes no quadro “O fado”, que José Malhoa pinta durante a narrativa, na qual o rei D. Carlos, Eça de Queirós e Ramalho Ortigão também desempenham um papel.




Falar de fado sem falar de Amália não parece possível e os quadradinhos também não esqueceram essa diva da canção.
Não em Portugal, curiosamente, mas em França, onde, em 2008, as Éditions Nocturnes incluíram na sua colecção de BD World uma biografia de Amália, acompanhada de dois CD, gravados entre 1945 e 1955, em Lisboa, no Rio de Janeiro e em Londres.
Aude Samana, aluna da escola de BD de Angoulême, assina essa obra de tom intimista, próxima da pintura expressionista, que foi editada entre nós nesse mesmo ano com o título BDFado.







Há dois anos, no âmbito do projecto “Amália Nossa”, que revisita os primeiros 15 anos de gravações de Amália em 12 CD/livros ilustrados por artistas nacionais, foi anunciada também uma biografia ficcionada em BD da autoria de Nuno Saraiva, que deveria ter três volumes, mas que até hoje continua por editar.

(Texto publicado no Jornal de Notícias de 30 de Novembro de 2011)

03/12/2011

A revista de BD mais cara do mundo

Um exemplar da revista norte-americana Action Comics #1, com a estreia de Superman, foi vendido por 2,161 milhões de dólares num leilão online, organizado pela Comic Connect, que terminou ontem. A publicação, com a origem do Homem de Aço, uma criação de Joe Schuster e jerry Siegel, datada de Junho de 1938, que originalmente custava apenas 10 cêntimos de dólar, estava em excelente estado de conservação, tendo obtido a classificação de 9.0 segundo o Certified Guaranty Company (CGC), uma tabela utilizada igualmente para moedas e notas, cuja escala varia de 0 a 10 segundo a raridade e o estado de conservação da peça.O valor agora atingido, supera a meta de dois milhões de dólares que tinha sido apontada e pulveriza o anterior máximo, estabelecido em Março de 2010 por um outro exemplar da Action Comics #1, com a classificação de 8.5. Até atingir o valor final, foram feitas 50 licitações, nove das quais nuns últimos loucos 10 minutos, durante os quais o valor de licitação subiu mais de meio milhão de dólares.
Em torno deste exemplar há uma rocambolesca história que daria um bom argumento para uma banda desenhada. Comprada no final da década de 1990 pelo actor Nicholas Cage, reconhecido fã de comics de super-heróis, a revista foi-lhe roubada em 2004, tendo sido recuperada por acaso pela polícia no ano passado. Agora, com a sua venda, o actor que tinha sido indemnizado pelo seguro, vê largamente compensado o investimento então feito, comprovando mais uma vez que este é um segmento de mercado em que vale a pena investir.

(Texto publicado no Jornal de Notícias de 2 de Dezembro de 2011)

02/12/2011

Sasmira

#2 - La fausse Note
Laurent Vicomte (argumento e desenho)
Claude Pelet (desenho)
Glénat (França, 30 de Novembro de 2011)
240 x 320 mm, 64 p., cor, cartonado
14,90 €

Pré-história
“Stanislas… Stan…”
É este débil murmúrio, ao crepúsculo, numa rua de Paris, um simples sussurrar do seu nome por uma velhinha que ele desconhece e que morrerá nos seus braços instantes depois, que vai mergulhar Stan numa estranha aventura.
A ele e a Bertille, a sua namorada, pois estarão juntos na busca da casa representada numa fotografia que a velhinha possuía.
Será essa fotografia, bem como um estranho anel que ela dá a Stan antes de morrer, e a conjugação de desejos (ainda inconscientes?) que os guiarão num regresso ao passado para descobrirem, entre outras coisas, como sabia ela o seu nome, como é que Stan aparece à janela da casa, na fotografia tirada cerca de 90 anos antes e o porquê do estranho fascínio exercido nele pela jovem da fotografia. Para saber a resposta a estas questões, será necessário conhecer a misteriosa Sasmira, de olhar tão penetrante, e Prudence, que parece saber tanto sobre viagens no tempo.
“Sasmira”, sendo uma homenagem aos sonhos que muitos (de nós) tiveram perante velhos baús encontrados nos sótãos dos nossos avós, revela uma faceta até agora ignorada de Laurent Vicomte: a de um argumentista sólido, capaz de elaborar uma narrativa densa, bem estruturada, que transmite uma atmosfera opressiva, onde cada aparente acalmia esconde nova revelação, num crescendo surpreendente. Aguardam-se novos volumes, para ver até que ponto consegue dar resposta a todas as questões que colocou. (…)
(Excerto do texto publicado no Jornal de Notícias de 28 de Julho de 1998)

Actualidade
Se normalmente a publicidade é enganosa, no caso concreto deste álbum a editora não exagerará muito ao anunciá-lo como “O álbum mais aguardado da banda desenhada franco-belga”!
Na verdade, os cerca de 15 anos que mediaram entre os dois tomos possivelmente não têm paralelo e a qualidade do primeiro volume fez com essa espera fosse ainda mais custosa.
Agora, como álbum nas mãos – é real, não uma miragem, asseguro! – após a sua leitura, encontro-me dividido.
Por um lado, porque este é apenas o segundo volume de Sasmira e o seu historial faz-me temer ter que aguardar mais alguns anos pela sua continuação (ou conclusão?).
Por outro lado, sem que consiga manter o elevado nível do tomo inicial – algo que seria extremamente difícil – a continuação da história de Stanislas e Bertille, prisioneiros no início do século XX, quase 100 anos antes do seu tempo, responde e corresponde aos pressupostos que o primeiro tomo avançara, mantendo a capacidade de encantar, o fascínio, a sedução, o tom de mistério e fantástico que perpassava as pranchas do primeiro tomo.
Sem querer estará desvendar a história, para não estragar o prazer da sua leitura, adianto que, como esperado, a atracção de Stanislas pela bela Sasmira se acentua, assim como se acentua a estranha ligação entre esta e Bertille. Em paralelo, num ambiente tenso, misterioso e fantástico, no qual a acção decorre quase sempre em ritmo lento, que dá ao leitor tempo de interiorizar e reflectir sobre o que lhe vai sendo mostrado ao mesmo tempo que são desenvolvidas e aprofundadas as personagens principais e se estabelecem diversos tipos de relações entre elas, se muitas questões estão ainda por desvendar, é-nos revelado um pouco mais sobre as razões que provocaram a viagem ao passado dos dois protagonistas e são lançadas pistas que, deixando ainda muito em aberto, permitem antever um desfecho bem trágico para esta cativante saga.
Apesar da entrada de Claude Pelet para o desenho, no qual trabalhou durante os últimos dois anos, o grafismo do álbum não se ressente demasiado, mantendo um elevado nível assente no magnífico traço realista, detalhado na representação de edifícios, viaturas ou cenas naturais, proporcionado e expressivo no tratamento dos protagonistas, em especial das belas e sensuais mulheres, e muito impressivo nas cenas mais espectaculares ou fantásticas.
Para a irresistível atracção do conjunto contribuem também as belíssimas cores de Patricia Faucon, mais conseguidas até do que as do tomo inicial, que contribuem para definir as tensões latentes e o espírito que preside às diferentes cenas.

A reter
- Sasmira #2 está publicado, é real!
- E consegue dar respostas, firmes e coerentes – mas ainda não definitivas – às pistas avançadas no tomo 1.
- O belíssimo traço de Vicomte e Pelet.

Menos conseguido
- 15 anos entre dois volumes é demasiado. Ainda mais quando o primeiro tomo criou tantas expectativas.
- O receio, incontornável, de que o tomo #3 demore, de novo, demasiado a ser publicado.

Preview
- No site da Glénat estão disponíveis para leitura as primeiras 12 páginas do álbum.

01/12/2011

Melhores Leituras

Novembro 2011

A arte de Under Siege (ASA), de Filipe Pina e Filipe Andrade

Dustin, o com-abrigo (Bizâncio), de Steve Kelley e Jeff Parker

Fell - Cidade selvagem (Devir),
de Warren Ellis e Ben Templesmith

Habibi (Casterman), de Craig Thompson

J. Kendall #78 (Mythos Editora), de Berardi, Calza e Piccoli

Mônica #500 (Panini Comics), de Maurício de Sousa Produções

Níquel Náusea - A vaca foi pro brejo atrás do carro na frente dos bois (Devir), de Fernando Gonsales

Sasmira #2 - La Fausse Note (Glénat), de Laurent Vicomte e Claude Pelet

Sibylline 1965-1969 (Casterman), de Raymond Macherot

Sous l'entonnoir (Delcourt), de Sibylline e Picaud

Tif et Tondu - L'Intégrale #7 - Enquêtes à travers le monde (Dupuis), de Will e Tillieux

Y, O último Homem #4 - A senha e #5 - Anel da verdade (Panini Comics), de Brian Vaughan e Pia Guerra
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