14/10/2009

Fora das Livrarias - Léo, o puto surdo

Yves Lapalu (argumento e desenho)
Surd’Universo (Portugal, Dezembro de 2006)
172 x 240 mm, 104 p., cor, brochado


O autor deste álbum foi o francês Yves Lapalu, falecido em Março de 2001, um bretão que adorava futebol americano e ficção científica e que foi o primeiro surdo a estudar na Escola Superior de Artes Gráficas, em França.

Partilhando o problema auditivo com Léo, o protagonista (tantas vezes involuntário) das histórias curtas nele narradas, fez desta obra um caso singular, pela forma como aborda, com assinalável humor, muitas das dificuldades que os surdos vivem no dia-a-dia num mundo bem mais ruidoso do que o recomendável, mostrando como situações perfeitamente normais para pessoas que ouvem bem, se podem tornar perigosas, constrangedoras, surpreendentes ou apenas divertidas para as pessoas surdas.
Desenhado num estilo humorístico, agradável e simpático, e servido por cores vivas e atraentes, "Léo, o puto surdo", que "resolve todos os seus problemas com humor, ensinando-nos que o melhor remédio para a surdez é sorrir dela", torna essas situações engraçadas para todos, como é o caso da narrativa em que tenta à força ajudar um cego a atravessar a rua, apesar dos seus protestos (ruidosos)!
A actual edição, da responsabilidade da Surd'Universo, que se apresenta como "um sonho colectivo de todos aqueles que pertencem, ou simplesmente se interessam pela Comunidade Surda", teve uma tiragem de 2.000 exemplares (disponíveis naquele endereço) e compila os dois volumes originais de 1998 e 2002, o que permite acompanhar o desenvolvimento dos talentos gráfico e narrativo do autor ao longo do tempo.
A sua tradução teve uma dificuldade inusitada e inultrapassável: as diferenças substanciais entre a Langue des Signes Française (LSF), utilizada em "Léo" por Lapalu, e a Língua Gestual Portuguesa (LGP); assim, não sendo viável a alteração dos desenhos originais, eles podem causar alguma confusão a quem domina a LGP. Isto acontece, explica Rui Pinheiro da Surd'Universo "porque foi um sueco que veio cá ensinar as bases da língua gestual e portanto estamos mais perto da Língua Gestual Sueca do que de outra qualquer…".O que não impede a compreensão plena de "Léo, o puto surdo", que mostra como a banda desenhada é uma arte com inúmeras potencialidades, que tem sabido abordar, sob diversos prismas, as diferenças que podem afectar os seres humanos (ver caixa).

Curiosidades
Existem outros casos de heróis de BD portadores de deficiência; eis alguns exemplos:
- Professor Xavier (1963)
Líder e mentor dos X-Men por inspiração de Stan Lee e Jack Kirby, defende a convivência entre humanos e mutantes e vê a sua paralisia motora compensada pelo poder telepático que possui.
- Demolidor (1964)
Criado por Stan Lee e Bill Everett, Matt Murdock, agora um advogado famoso, cegou num acidente com um camião de produtos químicos que desenvolveu os seus outros sentidos, com os quais combate o crime, sob o uniforme do Demolidor.
- Silêncio (1979)
Romance gráfico que narra, com contornos fantásticos, o amor entre o atrasado mudo e a feiticeira da aldeia, amados e temidos por todos. E é um libelo acusatório contra os que usam a violência como arma do ódio contra a diferença.
- L'Ascension du Haut Mal (1996)
Relato autobiográfico em que David B. conta como a epilepsia do irmão, o levou a refugiar-se nos sonhos e no desenho, face à incompreensão dos pais, obcecados pela procura de uma cura.
- Bouncer (2001)
Protagonizado por um herói maneta, é um western amoral e violento, onde a justiça e a honra raramente têm lugar, criado por Jodorowsky e Boucq.
- Dorinha e Luca (2004)
Uma cega e um deficiente motor que "são apresentadas de uma forma positiva, mostrando o que sabem fazer de melhor. Existem na vida real e também na Turma da Mónica, que a retrata", afirmou Maurício de Sousa.
(Versão revista e actualizada do texto publicado no Jornal de Notícias de 17 de Dezembro de 2006)

4 comentários:

  1. Manuel Caldas19/10/09 12:22

    Ainda bem que há um surdo que usa, precisamente ele, a palavra surdo, pois irrita-me cada vez mais a aversão, dos media principalmente, ao emprego de palavras que se usaram durante séculos e que nos últimos anos passaram a tomar-se como ofensivas: cego, cocho, manco, maneta, mouco, mudo…

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  2. Boa tarde caro Caldas,
    Compreendo o teu desabafo - e em parte partilho da tua opinião - mas suponho que há duas razões para isso: por um lado, o sentido pejorativo que esses termos ganharam com o passar do tempo, por outro lado a forma doentia como o "politicamente correcto" impera hoje por toda a parte...
    Abraço,
    Pedro

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  3. Manuel Caldas20/10/09 19:33

    É principalmente o políticamente correcto

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  4. tás Fixe, surdo e Leo.

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