16/12/2009

Efeméride – Comanche foi criada há 40 anos


Há 40 anos, os leitores do “Tintin” belga, descobriam no nº50 uma nova série intitulada “Comanche”. Se as primeiras pranchas, ambientadas num vasto espaço selvagem e com um duelo logo a abrir davam o mote para mais um western aos quadradinhos, poucos imaginavam que esta seria uma das mais referenciadas (e reverenciadas) abordagens realistas a um género que a banda desenhada explorou até à exaustão, então (ainda) na moda.
O seu argumentista era Greg, rigoroso na construção e desenvolvimento das histórias, mestre na escrita dos diálogos, que situou a acção da nova série no período de transição entre o Oeste selvagem em que imperava a lei das armas e dos mais fortes e a chegada da civilização às regiões mais inóspitas do vasto continente americano.
E como protagonistas, um lote de personagens de todo improvável - Comanche, uma jovem, dona do rancho “666”, Ten Gallons, um velho vaqueiro, o negro Toby, o miúdo Clem e o índio “Mancha de Lua” – todos excluídos socialmente, que lhe permitiu abordar problemas como o lugar da mulher, o racismo ou o massacre dos peles-vermelhas. E, claro, Red Dust, a estrela da companhia, o elo de união entre todos, capaz de potenciar o melhor de cada um, irlandês, ruivo, ex-pistoleiro, decidido e humano. E talvez este seja, também, o adjectivo que melhor define a série: humana porque, apesar de abundarem os tiroteios, os confrontos com bandidos e pele-vermelhas, as emboscadas, as armadilhas, a corrupção e os negócios pouco claros, ficando como um marco o tríptico “Os lobos do Wyoming”/”O céu está vermelho sobre Laramie”/”Deserto sem luz”, que narra a passagem do protagonista pela prisão após desrespeitar a proibição do uso de armas para por fim a um impiedoso bando de assassinos. E cujo final (sugerido por Hermann) hiper-violento (para a época) do segundo daqueles títulos – o último dos irmãos Dobbs é abatido por Dust, semi-nu e desarmado, caindo no meio do lixo e sujidade - valeu à série ser “excluída” das páginas da revista Tintin.
Também por (tudo) isto, “Comanche” é antes de tudo um tratado sobre seres humanos, sobre a sua adaptação às circunstâncias e a um novo mundo, sobre superação e sobre amizade.
O desenho foi entregue a Hermann que, após alguma experimentação nas primeiras histórias – vinhetas grandes, planos de pormenor, pontos de vista ousados – se revelou progressivamente como um dos grandes mestres europeus do género, com uma planificação multifacetada e dinâmica, tal como o traço, nervoso, violento, com o evoluir da série mais belo e depurado, ágil e servido por belas cores, tão capaz de retratar os grandes espaços como o ser humano, de mostrar o quotidiano como os (muitos) momentos de tensão e violência.
Em Portugal, a série foi publicada integralmente na revista “Tintin” e (de forma desordenada) oito dos seus dez tomos foram editados pela Bertrand e/ou a Distri.
Anos mais tarde, em 1989, Greg (ninguém é perfeito) voltou a Comanche para mais cinco aventuras (a última terminada por Rudolphe, devido à sua morte, em 1990). Mas a verve narrativa já não era a mesma, o tempo do western tinha também passado e o traço de Rouge (mostrado em “As Feras”, publicada na 1ª série das Selecções BD, do #38 ao #40) ficava muito distante da arte de Hermann.

(Versão revista e aumentada do artigo publicado no Jornal de Notícias de 16 de Dezembro de 2009)

4 comentários:

  1. A minha série preferida no espaço dos "Westerns"!
    Só tenho pena de não ter sido completamente editada em português, sim porque para mim é superior a Blueberry! Como dizes, uma série muito humana e ao mesmo tempo com grandes rasgos de violência, mas infelizmente o ser humano é mesmo assim.

    Abraço

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  2. Manuel Caldas17/12/09 22:31

    Eu também gosto mais de "Comanche" do que de "Blueberry". É uma série excelentíssima, a nível de desenho (claro), da cor, das personagens, dos enredos, dos diálogos... E a forma como os sucessivos episódios se ligam, indo aqui buscar uma ponta que tinha sido deixada num episódio anterior e ali deixando uma pista para um futuro episódio! Até os pequenos episódios feitos à parte dos álbuns encaixam com uma precisão científica na narrativa geral.
    Nunca perdoei à Bertrand e à Distri o terem deixado um buraco a meio, não publicando o episódio "O Deserto sem Luz"

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  3. "O Deserto sem Luz" foi uma grande falha...

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  4. Caros Bongop e Manuel Caldas,
    Em relação a Blueberry, Comanche possivelmente tem a vantagem de ter sido bem mais curta...
    É realmente incompreensível porque não foi editado o Deserto sem Luz, que concluía um ciclo, no caso da Bertrand porque editou os dois títulos anteriores, e no caso da Distri, porque voltou a editar um título já existente.
    E também é pena que Les Sheriffs tenha sido ignorado pelas duas editoras...
    Abraço!

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