21/12/2009

The Simpsons - 20 anos de riso… amarelo!

Num fim de tarde semi-nublado numa pequena cidade americana, um rapazinho escreve a giz no quadro negro da escola. Numa fábrica, um homem termina o seu turno enquanto uma menina tem aulas de música. No supermercado, uma mulher vê a empregada embalar as compras que acabou de fazer.

Esta seria a descrição de um quotidiano perfeitamente normal de qualquer família, não fosse a cidade em questão Springfield, as cinco pessoas citadas os Simpsons, a mais disfuncional família da história da televisão, e o que acima fica escrito a descrição do genérico da série, recentemente remodelado em HD, com a inclusão de vários pormenores deliciosos que apelam ao seu passado.
Por isso, o rapazinho – Bart – com cerca de 10 anos, repete como castigo uma frase do género “Não volto a fotocopiar o meu rabo.” (e são mais de 400 as frases que já escreveu) e, mal a campainha toca, sai pela porta de skate nos pés, circulando em ziguezague pelos passeios da cidade, assustando os transeuntes e planeando – concretizando mesmo – algumas partidas, pois apesar de inteligente, é cábula, traquina, irrequieto e, por vezes, mesmo mau, devido à gota de champanhe (sic) que a mãe inadvertidamente engoliu durante a gravidez… Por isso, passa mais tempo no gabinete do director Skinner, um dos seus ódios de estimação, do que na sala de aula.
O homem, quase quarentão, calvo e barrigudo, é o seu pai – Homer Jay Simpson – e tem a mesma atitude quando soa o sinal sonoro para mudança de turno na central nuclear que abastece Springfield, deixando a meio a tarefa que executa. Já no carro, a caminho de casa, retira das costas um pedaço de matéria radioactiva (sic!!!) que lança pela janela sem qualquer pejo. Egoísta e glutão é o chefe (mas pouco) da família, que, bem lá no fundo, adora. Eterno indeciso, é perito em fazer sempre a pior escolha.
Na escola de música, Lisa Simpson distrai-se e deixa que a melodia simples que interpretava em conjunto com os outros alunos, se transforme num jazzístico solo de saxofone que leva o professor a expulsá-la. Com 8 anos, é o génio da família, onde destoa pela sua sensibilidade, inteligência e empenho em causas sociais e ambientais.
Finalmente, no supermercado, Marge Bouvier Simpson, a mãe, destaca-se pelo seu alto penteado e pelo enorme poder de encaixe que lhe permite manter a família unida. Dona de casa exemplar, divide o seu tempo entre a obsessão compulsiva pela limpeza, o cuidado dos filhos e evitar que Homer provoque (mais) danos. De repente, descobre aflita que lhe falta a filha mais nova, Maggie (Margaret) Simpson, malabarista da chupeta, célebre por passar a vida a tropeçar, mas que acaba por aparecer dentro de um dos sacos de compras.
Depois de percursos mais ou menos atribulados, acabam por se juntar todos em casa, em frente ao ecrã de televisão que, mais do que um vício que partilham, é o mínimo denominador da série, o mundo que ela explora, desmistifica e satiriza de forma exemplar e, antes de mais, o berço onde nasceram e construíram uma carreira de fama e sucesso que agora completa 20 anos.
Pelo menos se se considerar o percurso a solo, iniciado a 17 de Dezembro de 1989, com um episódio especial de Natal que serviu de teste à primeira temporada da série regular, iniciada a 14 de Janeiro do ano seguinte.
Até hoje, foram mais de 440 episódios distribuídos por 21 temporadas (incluindo a que está a decorrer nos EUA), o que faz dela a mais antiga em exibição. Entre os muitos prémios conquistados, contam-se 23 Emmy, 22 Annie, um Peabody, uma estrela na Calçada da Fama em Hollywood e a distinção da Times que em 1998 a considerou a melhor série televisiva do século XX. O que então significava de sempre.
Mas, antes disso, na pré-História dos Simpsons, conta-se um percurso de cerca de dois anos, iniciado a 19 de Abril de 1987, como rubrica de 30 segundos do “The Tracey Ullman Show”. E, antes disso, a sua criação, por Matt Groening, então com 33 anos que, diz a lenda, enquanto esperava por uma entrevista para uma possível adaptação para TV da sua série de banda desenhada “Life is Hell” decidiu modificá-la para não perder os direitos sobre ela, dando origem à disfuncional (e amarela) família.


Há duas décadas no pequeno ecrã, resistiram incólumes ao passar do tempo - sem rugas, com aspecto melhorado até, se compararmos os desenhos originais com os mais recentes, e continuam a ser o melhor (e o mais conhecido…) exemplo de uma típica família americana (ou ocidental?). Exemplo satírico, mordaz e cruel, através do qual os seus criadores – Matt Groening, Sam Simom e James L. Brooks – atacam e ridicularizam todos os estratos e todos os aspectos da sociedade, sejam eles política, religião, racismo, desemprego, vida social, fama, televisão, imprensa, saúde, educação, consumo, guerra, ecologia, direitos dos animais, vícios, cultura, morte, terrorismo, sexo… e tudo o mais que se possa imaginar! Seja em pura ficção, na colagem à actualidade ou em versões de êxitos da literatura, do cinema ou da própria televisão.
Por isso, aliás, apesar de serem uma animação, The Simpsons são antes de mais direccionados para um público adulto, o que não impede que sejam habituais as reclamações provocadas pelos episódios exibidos havendo até registo de (quase) incidentes internacionais com governos de países como o Brasil, Argentina ou Venezuela.

Ao seu lado, vive uma vasta e heterogénea galeria, cujos componentes potenciam ao limite o pior do ser humano: egoísmo, desinteresse, incompetência, corrupção, mentira, desonestidade, preguiça, maldade... Galeria essa que inclui o senil avô Simpson, o beato Flanders, o (pouco convicto) reverendo Lovejoy, um polícia (muito) gordo e incapaz, um mafioso de meia-tigela, um milionário com aspirações a ditador(zinho), dono da central nuclear e adulado por um secretário com um fraquinho pelo patrão, Apu Nahasapeemapetilon, indiano oportunista dono do supermercado onde a maior parte dos produtos estão fora de prazo, os (pouco competentes) médicos Nick Riviera e Julius Hibbert, o director da escola Skinner que (ainda) mora com a mãe que teve um tórrido envolvimento com a professora Edna Krabappel, os amigos de Bart e Lisa: Milhouse, Nelson, Ralph, o pouco profissional repórter Kent Brockman, o criminoso Sideshow Bob, o viciado palhaço Krusty, o barman Moe, o bêbedo Barney Gumble, rei dos arrotos, o fanático por revistas de BD, Disco Stu, o ídolo dos anos 80, Malibu Stacy (uma versão em amarelo da Barbie), Troy McClure, o canastrão do cinema e tantos, tantos outros, que semana após semana nos cativam em frente ao televisor e com os quais nos divertimos e soltamos boas gargalhadas.
Pelo menos, enquanto não nos lembrámos que o quotidiano de Springfield, afinal, tem tanto de comum com o nosso próprio quotidiano e que nos retratos que nos são apresentados, podemos encontrar tanto de nós e daqueles com quem convivemos no dia-a-dia. O que acabará por transformar as nossas gargalhadas num comprometido riso… amarelo.
Que, convenhamos, combina na perfeição com os Simpsons!

(Artigo publicado originalmente a 19 de Dezembro de 2009, na revista NS, distribuída aos sábados com o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias)

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