29/06/2011

Le Photographe – Tome 3












Collection Aire Libre
Emmanuel Guibert (argumento e desenho)

Didier Lefèvre (fotografias)
Frédéric Lemercier (montagem e cor)
Dupuis (Bélgica, Fevereiro de 2006)
240 x 320 mm, 102 p., cor, cartonado
19 €

Resumo
No fim de Julho de 1986, Didier Lefèvre parte para a sua primeira grande missão fotográfica: acompanhar uma equipa dos Médecins Sans Frontières ao interior do Afeganistão, em plena guerra entre soviéticos e afegãos.
Guibert e Lemercier transformaram o seu relato, utilizando o desenho do primeiro e as fotos de Lefèvre, numa banda desenhada em três tomos que é a um tempo autobiográfica, documental e um relato de viagem.
Ler aqui o texto sobre os tomos 1 e 2.

Desenvolvimento
Depois de um álbum, o primeiro, dedicado à preparação e à viagem – sobre a organização – e de outro, o segundo, sobre a concretização no terreno do objectivo dos Médicos sem Fronteiras – sobre a missão – este terceiro tomo é sobre o homem - e o seu regresso a casa.
O homem é Didier Lefèvre, fotógrafo. Um homem para quem o propósito da sua ida ao Afeganistão – fotografar a missão dos MSF - se tinha esgotado após algumas semanas de permanência e que aspirava regressar ao seu país, à sua casa, aos seus entes queridos. Um homem que, possivelmente, se sobrevalorizou e que desvalorizou os perigos da viagem de regresso, atenuados pela ida em grupo. Por isso, no final do segundo tomo, encontramo-lo decidido, pronto a partir, para regressar, só, ao Paquistão, de onde poderia então seguir para França.
Este álbum, por isso, relata esse regresso feito, ao longo de algumas semanas, a solo – inicialmente sozinho com um guia, depois sozinho com quatro guias, depois sozinho com uma caravana – num país desconhecido mas que começa a sentir um pouco seu – há de lá regressar mais oito vezes! – cruzando-se com os seus habitantes, com as caravanas de traficantes de droga e de armas, desconfiados, curiosos…
Uma viagem a solo, num país cuja língua mal arranha, num país cujo contacto com os locais se torna difícil, onde qualquer conversa por mais simples que seja obriga à manipulação aturada do seu pequeno dicionário, onde tantas vezes coisas tão simples de dizer – como “deixem-me só, preciso de urinar”… - se revelam intensamente complicadas, como coisas aparentemente fáceis como equilibrar a carga no cavalo, orientar-se no meio da paisagem desoladora, equilibrar as caminhadas e os períodos de descanso se transformam em problemas quase irresolúveis…
Tudo agravado pela falta de solidariedade do primeiro guia, pela falta de vontade de andar do grupo de quatro que se lhe seguiu e o abandonou só, no meio de nada, pelas exigências constantes de dinheiro e mais dinheiro da caravana que o salvou de morrer gelado no meio de uma qualquer montanha afegã… A que se há-de juntar a exigência de suborno de um guarda já na fronteira...
Aos poucos, progressivamente, tudo isto começa a pesar, a pesar demais, a tornar-se incomportável, insuportável para Lefèvre. Sobre quem a solidão, o desespero, a desconfiança em relação aos que o rodeiam, o medo puro e simples de não chegar ao seu destino, de não deixar aquele país, se abatem pesadamente.
É nesses momentos, em que avança como que sozinho, num país imenso, no meio do nada, por paisagens desoladoras, sem saber se chegará nesse dia ao destino programado, sem saber – por vezes – se acordará do sono que devia ser retemperador, que a sua câmara fotográfica surge como refúgio, como forma de fixar, de guardar aqueles momentos aterradores, de deixar um testemunho do que foi, do que fez, do que lhe aconteceu, de passar o tempo, de se manter entretido, fotografando, fotografando sempre, fotografando tudo, fazendo fotos, mais fotos, cada vez mais fotos, “para uma reportagem já terminada”.
(E no final, uma vez de regresso, serão 130 rolos – esta é uma história do tempo em que não havia máquinas digitais…) – mais de 4000 fotos das quais apenas 6 – seis, tantas, dirá ele! – serão publicadas no jornal francês Libération…
A tudo o que atrás fica (d)escrito, a tudo o mais que não citei porque o livro é de leitura obrigatória, acrescente-se o progressivo e acentuado declínio físico: perda completa de reservas do corpo, uma furunculose em avanço, orelhas feridas pela armação dos óculos, gengivas inflamadas, diarreias, febres, o esgotamento físico e psicológico… Reflexos, consequências de uma experiência única cujos efeitos sentirá a longo prazo: de regresso a casa, sofrerá de furunculose crónica, no ano seguinte perderá 14 dos seus dentes…
E Guibert, Lemercier, Lefèvre, conseguem transmitir todas essas emoções através desta foto-BD, de forma tocante, próxima e sentida, pela utilização das imagens desenhadas, pelas fotos incluídas, pela montagem feita, pela planificação escolhida, pelo recurso a formas aparentemente simples de narrar, de que são exemplo a sequência das pp. 54 a 56, em que perde as estribeiras com o cavalo, ou a sequência de múltiplas e curtas vinhetas negras na p. 63, em que descreve de forma sucinta como passou uma noite só, no topo de um monte, sob neve…
Por isto, por tudo isto, por tudo o mais que convém descobrir, este é um relato pungente, emotivo, forte, profundamente humano – sobre o ser humano, a sua força, as suas fraquezas, os efeitos do desespero, do medo… mas também sobre a solidariedade, a amizade, a entrega, a disponibilidade... - que não deixa – não pode deixar – ninguém indiferente.

A reter
- A força do relato, real, realista, sentido, vivido, emocionante. Como poucas vezes uma BD conseguiu ser, o que se acentua ainda mais neste tomo final.
- A forma harmoniosa como texto, desenho e fotos se conjugam. Numa verdadeira Banda Desenhada, embora seja atípica na sua forma.
- As mini-biografias dos principais intervenientes contidas no final deste terceiro tomo, que acentuam e tornam (ainda mais) credível o relato.

Curiosidades
- Para saber mais sobre a obra e os autores recomendo uma visita ao site Le Photographe.
- Os três tomos originais desta obra podem ser encontrados em versão integral francesa da Dupuis ou inglesa da First Second Books.
- Um texto mais completo e aprofundado sobre estes dois volumes pode ser lido no catálogo do Salão Lisboa 2005.
- O terceiro tomo inclui um DVD com uma reportagem de 40 minutos filmada e montada por uma das médicas dos MSF.
- Didier Lefèvre faleceu vítima de um ataque cardíaco, em Janeiro de 2007.

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