Marjane Satrapi (argumento e desenho)
L’Association (França, 2004)
165 x 240 mm, 88 p., pb, brochado com badanas
14,00 €
Resumo
Nasser Ali, famoso tocador de tar (instrumento tradicional iraniano) decide deixar-se morrer após diversas tentativas goradas de substituir o instrumento que a sua esposa partiu.
Desenvolvimento
“Poulet aux prunes” (galinha com ameixas), de Marjane Satrapi, após o muito (justamente) mediatizado “Persepolis”, revela uma autora mais madura no que diz respeito à narração sequencial e ao grafismo, embora mantenha o seu traço naif personalizado, assente num traço unidimensional e em fortes contrastes de branco e negro, sem tons intermédios.
No entanto, é narrativamente que melhor se revela o amadurecimento e o crescimento autoral de Satrapi, que gere com mestria a narrativa, que se passa em Teerão, nos anos 1950, surpreendendo logo de início o leitor para depois desenvolver a história que quer contar até ao final esperado, apesar da surpreendente conclusão.
Mantendo de forma ligeira o tom próximo da autobiografia – Nasser Ali é seu tio – Satrapi desconcerta o leitor pois ao fim de poucas páginas já revela o fim da história: a morte do protagonista. O que pode inclusive levar o leitor menos informado a supor que está e presença de um livro de contos e não de uma narrativa longa e única.
Impressão que desaparece de imediato, quando Satrapi começa a narrar o primeiro dos oito dias que Nasser levou a cumprir o último propósito da sua vida: morrer, melhor, deixar-se morrer.
Oportunidade para o leitor conhecer um pouco do seu percurso - ao mesmo tempo que Ali, com um olhar introspectivo, passa em revista os momentos mais marcantes da sua existência: a relação com a mulher, com os filhos, com a música e o tar (instrumento tradicional iraniano) que toca, com a mãe, com o irmão…
Compreendo assim o que está por detrás das suas opções, o que motivou o seu fim, o que, antes disso, motivou a sua inexistência. E se esta se revela pouco interessante – nada na vida de Ali é especialmente diverso ou motivador, altruísta ou digno de nota – a verdade é que a forma como Satrapi a expõe leva o leitor a simpatizar – a identificar-se até? - com um homem que passou ao lado de uma vida feliz, da auto-realização, sentindo-se constantemente em segundo lugar – atrás do irmão, atrás da mulher, relativamente aos filhos. Embora descubramos – ao contrário dele – que nem sempre a sua visão da vida correspondeu ao que ela realmente foi.
E, na conclusão desta “Poulet aux prunes” – o prato preferido de Ali, que a sua mãe tão bem confeccionava – Satrapi consegue ainda deliciar-nos com um final surpreendente, especialmente saboroso, ao mostrar a vida deprimida daquele homem, afinal, como resultado de uma intensa história de amor que explica a razão da relação tão profunda de Nasser Ali com o seu tar.
A reter
- O crescimento de Satrapi, após o já notável “Persepolis”.
- O modo como a autora iraniana gere a sua história, começando pelo fim mas conseguindo, mesmo assim, surpreender o leitor.
- A forma intensa e humana como descreve os diversos relacionamentos de Nasser Ali.
Menos conseguido
- Pode ter sido opção narrativa, mas o facto de o “sétimo dia” de Ali, aquele em que recorda a irmã e o facto de afinal “ter servido para alguma coisa” – o único dia “bom”, afinal - surgir como página ilustrada e não em banda desenhada, deixa a sensação de que faltou à autora tempo para uniformizar esta sequência com o restante relato…
Curiosidades
- “Poulet aux prunes“ valeu a Marjane Satrapi o Alph’Art de Angoulême para Melhor Álbum, em 2005.
-A exemplo de “Persepolis“, Satrapi também adaptou esta sua obra para o cinema juntamente com Vincent Paronnaud, desta vez não em animação mas com actores de carne e osso, num filme que estreará em França a 26 de Outubro deste ano.
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