Uma séria casa em um sério mundo
Grant Morrison (argumento)
Dave McKean (desenhos)
Panini Comics (Brasil, Novembro de 2012)
170 x 260 mm, 216 p., cor, cartonado
No início dos anos 80, Batman, à imagem do mercado de comics,
era uma personagem que parecia gasta e esgotada.
Foi então que três obras (mais
o filme de Tim Burton) contribuíram para a sua renovação, em especial pela
forma como salientaram o lado mais negro do Homem-Morcego: “O regresso do
Cavaleiro das Trevas” (1986), de Frank Miller, “A piada mortal” (1988), de Alan
Moore e Brian Bolland, e “Batman – Asilo Arkham” (1989) que, como as
anteriores, é bem mais do que uma aventura de Batman, não só pela viagem
psicológica pela mente humana e pelos limites da sanidade/loucura, mas também
pelo brilhante trabalho experimental do ilustrador Dave McKean.
Como ponto de partida da narrativa, está uma revolta dos
criminosos internados no Asilo Arkham, que exigem a presença de Batman, que os
prendeu a todos, em troca da vida dos reféns que fizeram, desafio que Batman
aceita. Um Batman que nunca se vê, só se vislumbrando esboçado, como sombra ou
esbatido em ambientes enevoados.
Este é, aliás, o aspecto geral da obra, já que raramente as
imagens são nítidas e bem contrastadas. Excepções há poucas: um cinzeiro de
vidro, uma cartão do Teste de Rorschach, uma carta de Tarot…
Ou seja, só não é difuso o que é palpável, os pontos de
contacto com a sã (?) normalidade, como também acontece quando Batman se sangra
a si próprio para se manter alerta – lúcido – na sua fuga pelo manicómio,
acossado pelos vilões.
Um Batman que enfrenta este dilema (onde está a fronteira
entre a normalidade e a loucura?) ao longo de todo o livro. Por isso revela
“sentir-se em casa” quando entra no asilo ou o receio de estar louco, de se
poder equiparar aqueles que combate. Um Batman que parte ferido no seu
amor-próprio pelas alusões de homossexualidade que o Joker lhe faz à chegada,
que facilmente estropia e mata, ao lutar pela sua sobrevivência (só?) e por
manter a sua sanidade, mesmo que isso implique portar-se como um louco aos
olhos do leitor. A quem não surpreende, por isso, o tétrico convite que o
Joker, líder da rebelião, faz no final a Batman: “quando as coisas correrem
mal, há sempre um lugar para ti, aqui dentro”.
A narrativa vai sendo intercalada com a história do próprio
asilo - criado por um louco e regido por estranhas noções: “Por vezes é preciso
destruir” (a personalidade) “para se reconstruir”, para curar (!?) - imaginado
nos anos 70 por Dennis O’Neil, em homenagem à cidade fictícia de Lovecraft,
cuja influência, em termos de ambiente de terror, se reconhece nesta obra,
mostrando como ambas as histórias se interligam, como o edifício (a
instituição?) subverte e influencia quem nele entra.
Mas não só Lovecraft é citado, sendo diversas as referências
literárias que Grant Morrison vai deixando para o leitor descobrir, não sendo
de todo inocentes as citações de Lewis Carrol, que abrem e fecham esta
narrativa, a que só se pode apontar a excessiva linearidade de algumas
analogias.
O notável trabalho de Dave McKean, que revela aqui já a multiplicidade de
técnicas com que viria a salientar-se como reputado designer, autor de centenas
de capas de livros, revistas e discos e de bandas desenhadas como “Cages”, é o
primeiro sinal distintivo desta obra, pela forma como McKean combina design,
ilustração e colagem, de forma densa e expressiva, complementando o argumento
de Morrison e permitindo segundas leituras e sentidos, com os elementos que
servem de fundo a muitas das pranchas a poderem encaminhar o leitor para
diversas interpretações, todas válidas, todas possíveis.
À medida, talvez, da loucura de cada um…
(Versão revista do texto publicado no Jornal de Notícias de
20 de Fevereiro de 2005, a propósito da edição portuguesa da Devir; com
excepção da capa, as imagens que ilustram este texto também foram retiradas
dessa edição)
Confesso que li este livro à muitos anos e não consegui entender o que se estava a passar. Se calhar devi dar-lhe uma nova leitura.
ResponderEliminarO texto publicado no JN foi teu Pedro?
Um obra prima de Morrison.Devia estar sempre nas livrarias.
ResponderEliminarUm dos meus predilectos do morcego. Morrison e Mackean juntos foi magia :D
ResponderEliminarRui,
ResponderEliminarMerece sem dúvida uma nova leitura, à luz de mais alguns anos de maturidade... Reli-o recentemente e o tempo não passou por ele.
E sim, o texto é meu, como todos os que se podem ler aqui em As Leituras do Pedro, excepção feita às notas de imprensa das editoras.
Optimus,
Completamente em sintonia contigo!
Loot,
Mais do que magia, uma verdadeira ode à loucura!
Aos três,
Boas leituras!
Reli isto há bem pouco tempo. Tenho de admitir que apesar de gostar bastante da ilustração, achei a história um pouco arrastada. Admito que todas as cenas em que Joker entra são de nos prender a ferros a esta Bd, mas o resto da narrativa, especialmente a história por trás do Asilo, torna-se cedo previsivel e com raras surpresas pelo caminho.
ResponderEliminarAcho que é um livro que por várias razões vale a pena ler, mas não é o meu favorito nem do Batman, nem do Joker.
Caro Pedro
ResponderEliminarQueria (hum!!) conseguir esta obra mas, da Panini, só cromos! Telefone, não ligam patavina. Fax, devolvem-me a folha. Do site, parece-me manhoso. Um local de venda no Porto... existe?
Caro Mário Teixeira,
ResponderEliminarObrigado pela visita!
No Porto, que eu saiba, não há onde encomendar edições brasileiras da Panini. Aliás, em Portugal, só conheço a Casa da BD que importa essas edições.
Uma alternativa, será procurar em sites de leilões ou em alfarrabistas a edição portuguesa que a Devir lançou em meados da década passada...
Boa sorte na procura... e boas leituras!