O homem que passeia... vai ao restaurante
Se o título acima me surgiu após poucas páginas da leitura deste livro, ao preparar este texto descobri que já tinha utilizado o artifício noutra ocasião: no museu!
No entanto, decidi repeti-lo porque ele faz todo o sentido e realça a unidade que existe na obra de Jiro Taniguchi.
Mesmo quando - como no caso presente - não é ele o seu próprio argumentista.
Conjunto de quase duas dezenas de relatos curtos, aconselha-se uma degustação espalhada no tempo deste O Gourmet Solitário, pois o seu consumo total no acto poderá transmitir uma ideia errada ou menos interessante desta dissertação sobre o prazer de comer e a cozinha típica japonesa, inclusive devido à muita informação complementar sobre cada um dos pratos.
Voltando à minha ideia inicial, se o protagonista é - fisicamente, mesmo psicologicamente, outro - a verdade é que são diversos os pontos em comum, em especial o gosto pelo passear, a capacidade de apreciar os pequenos nadas e a fruição dos pequenos prazeres da vida.
Sem nome, o homem que nestas pranchas deambula pelas ruas de diversas cidades japonesas, (quase) sempre em busca de um lugar onde possa satisfazer o seu apetite, é vendedor, sem loja física, pouco dado a relações íntimas e apreciador da solidão.
E apreciador, também, de boa comida. Mais do que requintados pratos gourmet, fosse ele português e diríamos que gosta especialmente de frequentar tascas ou pequenos restaurantes de comida caseira.
Antes ou após cada negócio, de manhã, à tarde ou à noite, à horas das refeições ou fora delas, acompanhamo-lo em cada nova investida gastronómica, num conjunto de pequenos relatos que, cada um por si só, poderiam perfeitamente ter lugar nas páginas de sugestões de restaurantes de uma qualquer revista, pelo pormenor das suas localizações, pela análise da comida servida, pelas referências ao melhor e pior do local, pela indicação do preço dos alimentos consumidos.
Embora, quero realçar, não seja esse o objectivo primário das narrativas ou do protagonista, mesmo sendo verdade que geralmente sai de barriga (bem) cheia após cada refeição.
O que não invalida que, em cada um dos lugares que visita, pelo menos tanto quanto pela comida, se interessa pelos donos, os frequentadores, as características do local - de forma mais íntima e pessoalmente exposta, pelas memórias que alguns deles evocam.
Sem a carga emocional - e mesmo a profundidade de outras (grandes!) obras de Taniguchi, esta não deixa de ser um relato que cumpre o que esperamos sempre do autor nipónico: um traço fino, realista e de grande eficácia narrativa, perfeito na representação e na movimentação da figura humana, humanidade, sensibilidade e uma grande atenção aos pequenos nadas da vida que - paradoxalmente - são tão importantes.
O Gourmet Solitário
Colecção tsuru
Masayuki Kusumi (argumento)
Jiro Taniguchi (desenho)
Devir
Portugal, Setembro de 2020
120 x 240 mm, 200 p., pb, capa mole e sobrecapa
19,99 €
(imagens disponibilizadas pela editora; clicar nelas para as apreciar em toda a sua extensão)
A ideia intelectualoide e "muito original" de apresentar a escrita à maneira japonesa, de trás prá frente, leva-me a não adquirir esta bd!
ResponderEliminarÉ uma opção completamente válida.
ResponderEliminarNo entanto, não se trata de uma escolha "intelectualoide e muito original", é apenas a publicação da obra tal como ela foi concebida. A alteração do sentido de leitura tem custos significativos - nalguns casos pode não ser aceite autor ou pelos detentores dos direitos - e nalgumas páginas desvirtua a planificação.
Boas leituras!
Certo, mas não fico convencido com os seus argumentos! Tenho as 2 novelas gráficas do Jiro Taniguchi da Editora Levoir, felizmente com a leitura normal e à portuguesa. Penso que se tratou de uma opção - e mantenho os termos anteriormente utilizados (que não me agrada) da editora.
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