Tanto sangue, tantas lágrimas...
Na actualidade, no regresso a casa após uma vitória em tribunal que o inocenta da morte de uma criança devido a uma mina anti-pessoal, um magnata da indústria do armamento vê o filho vitimado por um desses engenhos, ditos "inteligentes", no próprio jardim.
Avançando uma página, em meados do século XIX, duas jovens mulheres fogem pelos telhados, perseguidas pela polícia. Isoladas no alto de um edifício, vêem as autoridades incendiá-lo, em lugar de tentar capturá-las.
Virada nova página, recuamos a Maio de 1851, em Londres, numa visita em família de um importante militar britânico à primeira Exposição Universal. A pose e a ostentação evidentes serão quebradas pela descoberta de que uma das figurantes, uma jovem japonesa, segura no colo um bebé morto... o que só afecta Jennifer, a filha mais nova, embora espolete uma violenta reacção dos polícias presentes.
Este novo momento de suspense, ficará igualmente por resolver, pois o relato avança para nova cena díspar, o aniversário do irmão mais velho da jovem, antecâmara da sua iniciação no seio de uma organização secreta de nobres britânicos que visa a reconquista do território dos Estados Unidos.
É desta forma que Zidrou, que até agora conhecíamos especialmente como argumentista de obras marcadas pelo tom poético, a sensibilidade e o humanismo - Verões felizes, A Adopção, Lydie... - nos revela as primeiras páginas de Shi, que a Ala dos Livros propõe num volume duplo intitulado No princípio, era a fúria...", correspondente à primeira metade do ciclo inicial da série.
Ao seu lado, desta vez, está Joseph Homs, cujo traço, distante das linhas claras que têm marcado o percurso do argumentista, se revela realista e caricatural, com a acentuação dos traços a marcar um relato tenso em que a barbaridade de uns é apenas reflexo de uma época não tão distante, sendo que os nossos dias não estão isentos de outras manifestações - mais elaboradas? - do pior do ser humano.
Cada avanço, entre a tragédia, a violência e o suspense, faz subir exponencialmente a tensão, prendendo completamente o leitor, levado como que num pesadelo vivo de que não se consegue libertar, sempre sedento de mais, através de uma história em que Zidrou consegue equilibrar mistério, exotismo, manipulação, emancipação feminina, acção e um toque de fantástico... Mas há muito mais para além disto, numa história em que o suspense é superiormente gerido e em que preconceitos, o prazer de espezinhar os outros e o combate pelos direitos se perpetuam no tempo, embora o final deste volume nos deixe quase no ponto de partida, com mais dúvidas do que certezas, e ansiosos por conhecer a sua continuação.
Shi
- Ciclo Um, tomo 1 e 2
Zidrou
(argumento)
Homs
(desenho)
Ala
dos Livros
Portugal,
Outubro de 2024
235
x 320 mm, 128
p., cor,
capa dura
32,00
€
(versão revista do texto publicado na edição online do Jornal de Notícias de 1 de Fevereiro de 2025 e na edição em papel do dia seguinte; imagens disponibilizadas pela Ala dos Livros; clicar nesta ligação para ver mais pranchas ou nas aqui reproduzidas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)
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