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02/02/2012

Alguns meses em Amélie













Jean-Claude Denis
ASA (Portugal, Julho de 2006
230 x 310 mm, 72 p., cor, cartonado
15,04 €


Aos cinquenta anos, Aloys Clark é um escritor (há muito tempo) sem inspiração, deprimido pelo morte do pai, desiludido com a sua vida, vazia, sem sentido nem objectivos, feita de pequenas conferências, em bibliotecas de província, sobre a sua obra (passada) e de promessas vagas a editores.
Mas tudo muda quando encontra, por acaso, na sua biblioteca, um livrinho que não recorda ter lido, cujo autor descreve um percurso errante que efectuara e no qual provocara encontros com desconhecidos. É então que Clark decide seguir os passos de Dorian - o autor do tal livrinho - embarcando num comboio e disposto a "impor" a sua presença ao acaso às pessoas com quem se for cruzando.
Só que a viagem, antes de mais em busca de si mesmo, leva-o para mais perto do percurso de Dorian do que alguma vez imaginara possível, fazendo-o não só reencontrar-se consigo mesmo mas também reencontrar a alegria de viver, uma paixão e, acima de tudo, a inspiração e o gosto pela escrita.
De contornos autobiográficos, "Alguns meses em Amélie" (ASA) é um passeio, com sucessivos avanços e recuos que nos vão ajudando a perceber Clark, pelos meandros da criação e pelo relacionamento entre os seres humanos, no qual Jean-Claude Denis, através de um desenho realista agradável e servido por uma paleta de tons ocres e verdes, que reforçam o tom intimista do relato, nos conduz com tacto e sensibilidade.

(Texto publicado no Jornal de Notícias de 5 de Novembro de 2006)

Nota
Jean-Claude Denis, também autor de L’Ombre aux Tableaux , foi distinguido no passado fim-de-semana com o Grande Prémio de Angoulême.


06/05/2011

L’ombre aux tableaux

et autres histoires
Jean-C. Denis (argumento e desenho)
Drugstore (França, 30 de Março de 2011)
215 x 293 mm, 184 p., cor, cartonada, 25 €


Resumo
Compilação de várias histórias de Jean-Claude Denis, publicadas em três álbuns no início da década de 1990, a saber: L’ombre aux tableaux, Bonbon Piment, Maï pen raï, Le jeux des animaux, Le Pélican.


Desenvolvimento
Acredito e defendo a banda desenhada enquanto arte na qual texto e desenho funcionam de forma una e indivisível.
Mas, paradoxalmente, escrevo de forma convicta que compro mais depressa um álbum pelo seu argumentista do que pelo seu desenhador. Aliás, há belíssimas histórias comprometidas por desenhadores pouco hábeis e excelentes desenhadores que brilhariam mais se tivessem boas histórias para desenhar. E ainda talentosos desenhadores que nunca serão sequer razoáveis autores de banda desenhada…
O que não implica, paradoxalmente mais uma vez, que não haja alguns desenhadores que me atraem especialmente, muitas vezes por razões que nem eu consigo explicar. Jean-Claude Denis é um desses casos.
Descobri-o há muitos anos quando (ainda só) folheava a revista (a suivre) e tive oportunidade de o ler, mais tarde, algumas vezes. Se enquanto argumentista o considero algo desequilibrado, com algumas obras francamente conseguidas e outras que não o são tanto, como desenhador a sua linha clara, geralmente de tons mais sombrios - ocres, verdes, cinzentos, azulados - raramente vivos ou quentes, em que predomina a figura humana, mais especificamente rostos expressivos, com especial destaque para as belas mulheres, satisfaz-me bastante e acaba por ser a principal razão para a ele voltar recorrentemente. E é dessa forma que Denis vai traçando retratos ternos mas desiludidos, e lúcidos, embora por vezes deformados, da sociedade, do nosso mundo.
Foi o caso desta compilação, recém-editada, que reúne uma mão cheia de histórias, entre curtas e longas, quase todas em lugares exóticos – Brasil, Tailândia, Reunião – nas quais a realidade – que geralmente predomina nos álbuns de Denis – convive estreitamente com o fantástico e/ou o sobrenatural, uma vezes apenas na aparência, outras vezes sendo mesmo concretizado.
É o que acontece na narrativa que abre o álbum e lhe dá título, em que um pintor pouco conhecido, uma vez falecido volta para progressivamente se apossar do corpo – da vontade - da última (da única?) pessoa que lhe deu valor em vida, servindo o conjunto para Denis divagar sobre o momento da criação, a arte, os seus criadores, o seu valor, a sua importância, os críticos…
Igualmente bem conseguidas são Bonbon Piment e Maï pen raï, a primeira sobre uma relação (impossível?) mal compreendida, a segunda sobre como um pormenor pode estragar um sonho de amor.
Aliás, convém referi-lo, os desencontros, as desilusões, as relações terminada ou desfeitas, os finais infelizes são uma constante na obra de Denis, onde abundam histórias sobre pessoas (nem sempre) normais, muitas vezes apanhadas em situações incomuns, ultrapassadas pelo acaso, pelo destino, pela própria incapacidade de se assumirem ou de afirmarem a sua vontade, pessoas solitárias, pouco sociais, incapazes de se relacionarem com os outros… e consigo.
Por isso, de forma resumida, talvez me atreva a escrever que este é um álbum sobre gente, sobre pessoas, sobre relações humanas, melhor, sobre como raramente essas relações devem ser conduzidas.
Sei que é um atrevimento grande fazê-lo porque o resumo acima - como (quase) todos os resumos - é redutor e, por natureza, incompleto, e Denis é um magnífico cronista do quotidiano e do ser humano.


A reter
- O traço de Denis, claro, pelo menos aos meus olhos.
- Os finais inesperados e o tom intimista da maior parte das narrativas.
- A combinação de sentimentos e emoções – por vezes opostos - que ressalta dos seus contos: ternura, tristeza, melancolia, solidão, paixão, incompreensão…


Menos conseguido
- O relato longo que fecha o livro, Le Pélican, povoado por seres humanos (muito) pouco normais…


Curiosidade
- No site da Drugstore pode folhear as primeiras pranchas do álbum (clicando na imagem sob “planches”).
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