Javier de Isusi (argumento e desenho)
Edições ASA (Portugal, Março de 2009)
172 x 241 mm, 136 p., pb, capa brochada com badanas
Era uma vez uma revolução – chamou-se zapatista – que a 1 de Janeiro de 1994 se revelou ao mundo, ocupando as cidades mais importantes da província de Chiapas, no México. Deixaram-nas pacificamente dias depois, defendendo uma revolução pacífica, não imposta pelas armas. Pretendiam, entre outras coisas, a participação directa da população, a partilha da terra e das colheitas, igualdade para os indígenas…
Alguns anos depois – em 2004, para a edição original – acompanhamos Vasco, mais elo de ligação da narrativa do que protagonista, nos passos dados antes por Isusi, numa viagem até La Realidad, uma pequena aldeia em pleno coração do zapatismo, onde convivem indígenas e alguns europeus e por onde passam quotidianamente soldados, numa pretensa demonstração de força. À boleia da busca de um amigo, o Juan sem Terra que dá nome à série, desaparecido 6 anos antes, para lhe entregar o cachimbo, descobrimos também em que ponto está a revolução.
Porque, na estranha realidade de La Realidad, ninguém admite a realidade, vivendo como que para forçar um sonho que, 10 anos depois, pouco mais é que isso. Por isso, perante o relato de Isusi, sentimo-nos numa casa de espelhos. Não daquelas vulgares, das feiras, em que superfícies côncavas e convexas reflectem, deformada, a nossa imagem, mas numa outra, perante as imagens já deformadas das (pelas) várias personagens – incrivelmente fortes e definidas - que se apresentam como aquilo que ambicionam, sonham, aspiram, desejam, nunca como são na realidad(e).
Os zapatistas acreditam que a revolução continua viva e que há que viver em segredo, com medidas de segurança extremas e cuidados especiais com espiões ou traidores… E os europeus, crêem-se peças fundamentais de uma engrenagem especializada em pleno funcionamento, enquanto sonham conhecer o famoso subcomandante Marcos, líder do movimento…
Desta forma, Isusi cria um relato envolvente, reforçado pelos diálogos de tom falsamente misterioso, traçado num preto e branco contrastante que contrasta com os muitos “tons cinzentos”, dúbios, que os protagonistas assumem. Um relato que, qual reportagem, transmite uma visão em primeira-mão daquilo que se tornou uma das últimas revoluções da História, ao mesmo tempo que, ficcionando a vivência, consegue equilibrar-se entre um saudável romantismo incurável e o tom desiludido e descrente com que mostra a realidade dos últimos vestígios do zapatismo…
Um relato a que não falta paixão e distanciamento, utopia e amargura, ritmo e ironia, esta última reforçada pelo traço semi-caricatural e bem presente no derradeiro capítulo, que mostra que todos podemos ser “Marcos” e o quão estranho a ele pode ser aquilo que o define: o seu cachimbo.
(Texto publicado originalmente a 18 de Abril de 2009, na página de Livros do suplemento In’ da revista NS, distribuída aos sábados com o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias)
Edições ASA (Portugal, Março de 2009)
172 x 241 mm, 136 p., pb, capa brochada com badanas
Era uma vez uma revolução – chamou-se zapatista – que a 1 de Janeiro de 1994 se revelou ao mundo, ocupando as cidades mais importantes da província de Chiapas, no México. Deixaram-nas pacificamente dias depois, defendendo uma revolução pacífica, não imposta pelas armas. Pretendiam, entre outras coisas, a participação directa da população, a partilha da terra e das colheitas, igualdade para os indígenas…
Alguns anos depois – em 2004, para a edição original – acompanhamos Vasco, mais elo de ligação da narrativa do que protagonista, nos passos dados antes por Isusi, numa viagem até La Realidad, uma pequena aldeia em pleno coração do zapatismo, onde convivem indígenas e alguns europeus e por onde passam quotidianamente soldados, numa pretensa demonstração de força. À boleia da busca de um amigo, o Juan sem Terra que dá nome à série, desaparecido 6 anos antes, para lhe entregar o cachimbo, descobrimos também em que ponto está a revolução.
Porque, na estranha realidade de La Realidad, ninguém admite a realidade, vivendo como que para forçar um sonho que, 10 anos depois, pouco mais é que isso. Por isso, perante o relato de Isusi, sentimo-nos numa casa de espelhos. Não daquelas vulgares, das feiras, em que superfícies côncavas e convexas reflectem, deformada, a nossa imagem, mas numa outra, perante as imagens já deformadas das (pelas) várias personagens – incrivelmente fortes e definidas - que se apresentam como aquilo que ambicionam, sonham, aspiram, desejam, nunca como são na realidad(e).
Os zapatistas acreditam que a revolução continua viva e que há que viver em segredo, com medidas de segurança extremas e cuidados especiais com espiões ou traidores… E os europeus, crêem-se peças fundamentais de uma engrenagem especializada em pleno funcionamento, enquanto sonham conhecer o famoso subcomandante Marcos, líder do movimento…
Desta forma, Isusi cria um relato envolvente, reforçado pelos diálogos de tom falsamente misterioso, traçado num preto e branco contrastante que contrasta com os muitos “tons cinzentos”, dúbios, que os protagonistas assumem. Um relato que, qual reportagem, transmite uma visão em primeira-mão daquilo que se tornou uma das últimas revoluções da História, ao mesmo tempo que, ficcionando a vivência, consegue equilibrar-se entre um saudável romantismo incurável e o tom desiludido e descrente com que mostra a realidade dos últimos vestígios do zapatismo…
Um relato a que não falta paixão e distanciamento, utopia e amargura, ritmo e ironia, esta última reforçada pelo traço semi-caricatural e bem presente no derradeiro capítulo, que mostra que todos podemos ser “Marcos” e o quão estranho a ele pode ser aquilo que o define: o seu cachimbo.
(Texto publicado originalmente a 18 de Abril de 2009, na página de Livros do suplemento In’ da revista NS, distribuída aos sábados com o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias)