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06/11/2010

Leituras em português

Fruto de uma aposta continuada e consistente na promoção da banda desenhada portuguesa, o Festival da Amadora – e consequentemente a época de Outubro/Novembro – tem-se revelado o local ideal para o lançamento de novidades lusas aos quadradinhos.
O que é compreensível porque, no Amadora BD há exposições dos originais e estão presentes os autores o que potencia a sua divulgação junto dos seus potenciais leitores. E esta é uma realidade quer para as editoras de maior dimensão, quer para os pequenos editores independentes, cuja distribuição se limita depois a lojas especializadas e a uma ou outra cadeia nacional de livrarias. Este ano não foi excepção, tendo sido lançados quase uma dezena de novos títulos, sendo de destacar a sua diversidade temática e gráfica.


O de maior impacto talvez seja “A cidade dos espelhos”, que marca o regresso de Eternus 9, nascido nas páginas da mítica revista Visão, que, animada pela revolução de Abril, agitou as águas da BD nacional no verão quente de 1975. “Eternus 9 – Um filho do cosmos”, era um complexo relato de ficção-científica e filosófico, que seria suspenso ao fim de 6 números, surgindo em 1979 em forma de álbum (reeditado em 2009).
Agora, 35 anos depois, a sequela que Victor Mesquita há muita anunciara, está finalmente disponível, e nela “um portal caleidoscópico atravessará um mundo cujo coração será Lisboa, depois da Guerra Nuclear que transfigurou a face do planeta. A placa tectónica deslocada por efeito de subducção ao longo do rio Tejo, fragmentou a Lisboa de hoje até quase não se poder reconhecê-la, mas onde continuam as referências que a distinguem, o espírito de lugar que a possui”. E Mesquita avançou já ao JN com um resumo do tomo seguinte, “Cidadela 6”, no qual, depois de “dois primeiros volumes que respiram de uma certa serenidade contextual”, encontraremos “um universo de grande violência e denúncia dos aspectos mais crus que se vivem nas sociedades de hoje, onde se constatará que até os santos são humanos e como tal muitas vezes saem dos limites da santidade”.


Por outro lado, aquele que tem maior potencial fora do círculo habitual de leitores de BD é “NewBorn – 10 dias no Kosovo” (ASA), de Ricardo Cabral, uma espécia de foto-reportagem desenhada que surge na sequência de “Israel – Sketchbook”. Numa fronteira ténue entre a sequência narrativa e a ilustração, é fruto de uma estadia do autor no Kosovo e traça um retrato mais humano – e, por isso, mais real – do país, para lá dos estereótipos tantas vezes veiculados pelos meios de comunicação social

.
Também de fundo político é “Agentes do C.A.O.S. – A conspiração Ivanov” (Kingpin Comics), de Fernando Dordio, Filipe Teixeira e Mário Freitas, que compila em livro – como nova cor e páginas extras - os 3 comics editados em 2006/2007. Com a acção situada em 1981, e a acção das FP 25 de Abril como pano de fundo, é uma movimentada história de acção, vingança e espionagem, condimentada como muitos tiros, violência e perseguições automóveis, que abarca um período de 12 anos e envolve operacionais da polícia portuguesa e mafiosos russos.


Bem mais intimista é a proposta de Paulo Monteiro em “O amor infinito que te tenho e outras histórias”, colectânea de bandas desenhadas curtas, algumas das quais inéditas, de cariz autobiográfico, onde o traço fino e os tons cinzentos salientam os sentimentos.


Projecto colectivo que tem como “objectivo principal o desenvolvimento e divulgação
da banda desenhada e ilustração em Portugal”, a Zona, apresentou na Amadora o seu sexto tomo em ano e meio, “Zona Negra 2”, que tem o terror como tema aglutinador, daí a aposta no preto e branco, para fortalecer “o ambiente obscuro do seu conteúdo”.


Também colectiva, da autoria de Álvaro Áspera e Marta Portela (argumento) e António Brandão, João Martins, Pedro Alves, Pedro Colaço, Pedro Serpa e Ricardo Cabrita (desenhos), mas de carácter institucional é “Sete histórias em busca de uma alternativa”, uma edição do Grupo de para a Resolução Alternativa de Litígios (GRAL) do Ministério da Justiça, que reúne uma série de histórias em torno dos serviços públicos de resolução alternativa de litígios, ao mesmo tempo que homenageia personagens e autores da banda desenhada portuguesa, como o Corvo, de Luís Louro,oue A Pior Banda do Mundo, de José Carlos Fernandes.


Diferente, no propósito e na forma, é o “BDJornal” #26 (pedranocharco), uma publicação semestral que alia à publicação de BD, artigos de crítica e análise, que neste número destacam Dinis Conefrey e Fernando Relvas.


Apresentados no festival, onde têm exposição, mas ainda não disponíveis emboram as suas edições estejam anunciadas para este mês, estão dois outros títulos.

O primeiro é “É de noite que faço as perguntas” (Gradiva), uma narrativa ficcionada dos acontecimentos que levaram à implantação da República, escrita por David Soares e desenhada por Richard Câmara, Jorge Coelho, João Maio Pinto, André Coelho e Daniel Silvestre Silva.

Finalmente, temos “O Menino Triste – Punk Redux” (Qual Albatroz), um passeio semi-autobiográfico pelas origens, valores e ideias por detrás do movimento Punk, em Londres, em 1976.
São, sem dúvida, um lote de propostas diversificadas que mostram que a BD portuguesa existe e está à procura do seu público.

(Versão revista e expandida do texto publicado no Jornal de Notícias de 3 de Novembro de 2010)


26/06/2010

BD nacional cresce à margem das grandes editoras – Machado-Dias*

- Qual o objectivo do BDjornal?
Machado-Dias - Os principais objectivos do BDjornal foram enunciados logo no editorial do #1 em Abril de 2005: 
a) Chegar às Bibliotecas Municipais através de assinaturas a preços reduzidos, para fazer circular a informação sobre Banda Desenhada por um público mais vasto; 
b) Conseguir a colaboração dos editores de Banda Desenhada, com informação sobre as suas novidades e colocação de publicidade; 
c) Conseguir a adesão dos Festivais e Salões de BD deste país, através de informação a publicar e de publicidade paga dos mesmos e 
d) Conseguir a congregação em torno do projecto, dos homens e mulheres que neste país escrevem sobre Banda Desenhada. Destes quatro grandes objectivos, apenas o último se veio a verificar, mesmo depois de chegarmos à conclusão de que não era possível continuar a pagar aos colaboradores. Do primeiro objectivo ainda se conseguiram assinaturas de trinta e duas Bibliotecas (em cerca de duzentas e tal existentes). 
Dos editores, apenas a Devir contribuiu com alguma publicidade no primeiro ano do BDjornal. Nenhum outro editor (especialmente a Asa) fez alguma vez publicidade no BDjornal. Quanto aos Festivais e Salões, apenas o de Beja manteve sempre um contacto informativo assíduo, porque no que toca a publicidade não se conseguiu qualquer colaboração, dando como resposta às nossas solicitações nesse sentido, a condicionante dos escassos meios de produção – mesmo o Festival de BD da Amadora, que teve sempre publicidade paga em vários meios de comunicação, nunca colocou qualquer anúncio no BDjornal, esquivando-se com o mesmo tipo de resposta. Quanto aos objectivos de conteúdo, foram, desde o início, incluir doses equilibradas de textos de divulgação, de investigação, de crítica, de reportagem, de entrevistas, e com o leque mais abrangente possível de notícias sobre tudo o que se relacionasse com Banda Desenhada (em Portugal e no estrangeiro). 
É claro que a pesquisa de notícias foi a parte que exigiu o maior esforço, sendo notável o trabalho, sobretudo de Clara Botelho – há que dizê-lo – durante três anos e tal, todos os dias, à cata de notícias sobre BD, a procurar confirmações em duas ou três fontes, a traduzi-las e a vertê-las para um português compreensível. Ao perceber que tanto esforço deixava de fazer sentido, dada a profusão de sites e blogues que na internet publicam cada vez mais notícias em catadupa sobre o tema, resolvi reduzir a dose de notícias, a partir do BDj #23 e depois acabar definitivamente com elas a partir do #25. No que diz respeito à publicação de trabalhos em Banda Desenhada, essa nunca foi uma prioridade – não era esse o objectivo do BDjornal – mesmo assim, optei por incluir algumas peças, mais para aligeirar as leituras, do que outra coisa. 
E algumas das bandas desenhadas publicadas no BDjornal, chegaram mesmo ao álbum, apesar de não terem terminado a pré-publicação. Caso de “Sexo, Mentiras e Fotocópias”, de Álvaro, pela Pedranocharco; “Morgana – O Castelo nas Núvens”, de José Abrantes, pela Gailivro e “BRK”, de Filipe Pina e Filipe Andrade, pela Asa. Mas não era uma prioridade porque continuo convencido de que não é viável uma revista de BD em Portugal. A partir da experiência algo frustrante da segunda série das Selecções BD, é notório que uma revista de BD não é viável neste país, simplesmente porque não há público que a sustente. Uma publicação com os conteúdos que apontei atrás, parece-me mais sustentável, embora a paulatina redução da tiragem, me comece a colocar algumas dúvidas. De qualquer modo vou continuar a tentar fazer, pelo menos, duas edições anuais… até ver. Já agora e como curiosidade, vamos ver como se conseguirá aguentar o projecto Zona (quanto a mim, de grande qualidade e com bom potencial de vendas… noutro país qualquer), ou se, como penso, não conseguirá sair da fase fanzinesca de tiragem, aliás como o próprio BDjornal nesta altura. 

- Até onde consegue chegar/que visibilidade tem? 
Machado-Dias - Ao fim de cinco anos, o BDjornal é, apesar da actual reduzida tiragem, conhecido por toda a “tribo” da BD em Portugal e não só. Este não só, refere-se a alguns livreiros com quem contacto por vezes e que, insuspeitadamente e para meu espanto, sabem exactamente do que estou a falar quando falo no BDjornal. E também ao facto de cada vez mais gente no Brasil adquirir o BDj via internet – e já agora, o BDjornal vai estar à venda numa loja do Rio de Janeiro, que adquiriu determinado número de exemplares, pagos antecipadamente (refira-se que em Portugal, apenas a Vilelivros e a Central Comics, durante algum tempo, fizeram compras do BDjornal, pagas antecipadamente). Ou de algumas lojas especializadas da Galiza que, de vez em quando me escrevem emails a perguntar quando sai o próximo BDjornal e para as quais o tenho enviado – só que, o problema das contas com o outro lado da fronteira, acaba por se tornar complicado, inviabilizando uma colaboração permanente. Portanto, com a internet, as coisas chegam longe, muito longe até. Mas o que interessa, de facto, são as vendas, e essas não são, nem de perto nem de longe, o que faziam antever as expectativas. O que me parece é que a persistência pode dar frutos, como o demonstra o caso do Brasil, que é, a meu ver, o grande mercado a explorar, embora não saiba ainda muito bem como.

- Nos moldes actuais, que futuro antevês para a BD nacional?
Machado-Dias - Devo recordar que estes moldes (os actuais), especialmente na questão editorial, têm sido mais ou menos cíclicos. Mas os problemas são mais amplos. Reportando-me a 1993 (ano em que comecei nas lides da edição, nessa altura ainda com fanzines), a Meribérica dominava o mercado e assim continuou até 2002 – ano da morte do seu fundador e proprietário, Telmo Protásio – aguentando-se em estertor por mais um ano. Foram cerca de dez anos, com uma crise editorial forte em 1994/96 de onde nasceram a Polvo, a BaleiAzul, a Pedranocharco, etc… Destas, a BaleiAzul e a Pedranocharco ficariam pelo caminho e a Polvo passaria por um mau bocado. Seguiu-se um crescimento nas edições de BD, em que apareceram mais editoras: Witloof, Círculo de Abuso, Nova Comix (tudo em 2000) e a Booktree, em 2002, com pessoal saído da Meribérica, já em crise profunda. Todas estas editoras desapareceram na voragem da crise editorial de 2005/2006. Com o colapso da Meribérica, a Asa voltou à Banda Desenhada, depois de uma hibernação de quase dez anos no sector e aproveitando o desemprego e o respectivo know haw da ex-responsável editorial daquela editora. Caso um pouco à parte, a brasileira Devir aparece em Portugal em 1996 e constrói um bem recheado catálogo virado para os comics, mas não consegue sobreviver à crise de 2005/2006… até ver. Falta aqui a VitaminaBD, que Pedro Silva (depois de arrumada a casa BDmania) resolve criar em 1999 e que, quanto a mim, é a editora que melhor tem trabalhado, de forma criteriosa na escolha de títulos e com edições pontuais e sustentadas do ponto de vista económico e financeiro. A seguir à crise de 2005/2006 aparecem novas pequenas editoras, a Polvo volta à edição, depois de uma rocambolesca venda de existências em armazém, agora como chancela pessoal de Pedro Brito, tal como a Pedranocharco, agora também como minha chancela pessoal. Surge a Mangaline (editora dedicada à mangá, que apenas editou 2 ou 3 títulos), a MMMNNNRRRG, a ElPep, a Livros de Papel (que depois da zanga José Vilela/Manuel Caldas, deu origem à Bonecos Rebeldes, de José Vilela, e à Libri Impressi, de Manuel Caldas), a Kingpin Comics (agora Kingpin Books), a Plana Press, a QualAlbatroz, etc… Portanto, tudo isto para mostrar que ao desencadear das cíclicas crises económico-financeiras neste país, pelo menos desde 1993, correspondem o encerramento de editoras e, no pico das crises, à criação de novas pequenas editoras. Sendo que em 2005, após o desenvolvimento da impressão digital tornar possíveis pequenas tiragens, fez com que o aparecimento de novos editores, fosse muito superior a 1995. Mas há aqui um factor a reter: a falta de realismo, que levou ao encerramento de algumas editoras, por inundarem o cada vez mais escasso (?) mercado português, com catadupas de títulos, destinados em grande parte ao armazém ou à guilhotina. Refiro-me a casos como a Witloof, e a Devir, por exemplo, que não souberam gerir as doses de títulos editados e acabaram por implodir. De todo este movimento de aparecimento e desaparecimento de editores, resta dizer que ninguém sabe nada do que fizeram, para além do óbvio – os títulos editados. De resto, não são públicos nem os números de tiragens nem os de vendas. Isto, à boa maneira portuguesa, de que “o segredo é a alma do negócio”, contrariamente, por exemplo, ao que acontece em França, onde a ACBD (Associação de Críticos de Banda Desenhada) tem, logo no início de Janeiro de cada ano, um relatório impressionantemente pormenorizado com a quantificação de todos esses dados. É a diferença entre um semi-artesanato e uma verdadeira indústria. Por outro lado também não existem dados de quantificação sobre o público leitor de BD em Portugal. O último relatório da APEL (Associação Portuguesa de Editores e Livreiros), referente a 2005 (sic), aponta que 31,8 % dos leitores portugueses inquiridos (cerca de 2.000) têm em casa livros de Banda Desenhada – que podem ser 1, 5, ou 500… o que torna o relatório irrelevante e ridículo. Quanto aos números de visitantes dos festivais de BD (actualmente só Beja e Amadora), o da Amadora fornece sempre com pompa e circunstância a quantidade de visitantes – sejam eles consumidores de BD ou não –, mas não tem qualquer informação quanto a números de livros vendidos, nem parece sequer interessar-se por essa questão. Mas o de Beja costuma fornecer esses dados – o que ainda não aconteceu este ano –, uma vez que, como optou por um mercado colectivo do Livro, gerido por um único operador, consegue sempre saber quantos livros se venderam. Mas como não se sabe o que se passa na Amadora nesse aspecto e porque é o que tem mais afluência de visitantes, não podemos tirar qualquer conclusão pela via dos Festivais. Navega-se portanto às cegas. Falta referir ainda um outro factor importantíssimo: os livreiros. Sabendo-se que muitas livrarias não aceitam determinado tipo de publicações, ou exigem – como desconto – uma fatia salomónica dos preços de capa (os grandes grupos, actualmente, não aceitam nada que seja inferior a 45%), restam as pequenas livrarias e as especializadas. E estas, além de não serem mais de meia dúzia, estão, a maioria delas a atravessar graves dificuldades. Para ilustrar isto, por exemplo, as livrarias Bulhosa, devolveram o BDjornal #25, com a nota de que “não foi pedido”, e quando os contactei, foram taxativos: além de não ter sido pedido, não aceitam um desconto de menos de 45%. Ora as Bulhosa sempre venderam o BDjornal (e todos os livros Pedranocharco) desde 2006, com descontos de 25% e 30%. Este ano, parece que se uniformizaram, pelas mesmas condições da FNAC e Bertrand. Se a estas percentagens se somarem os habituais 20% cobrados por um distribuidor, os descontos vão para a ordem dos 65%. O que quer dizer que, ou os preços dos livros têm que ser substancialmente aumentados para absorverem aqueles descontos, ou não são colocados nas grandes livrarias, passando a ter muito menos visibilidade e por via disso, muito menos vendas. Só resta pois a venda via internet que, como sabemos, não funciona (ainda?) em Portugal como em outros países. São estes os “moldes actuais” do trinómio editores-livreiros-consumidores, que mexem com a circulação da BD neste país. Antevejo portanto que o futuro da BD em Portugal vá continuar assim por muito tempo, um caminho aos solavancos, com poucos ganhos e muitas perdas, tudo porque não se conseguem quantificar as coisas, impedindo cada editor de ter uma planificação e uma acção em conformidade. Mas, se calhar, nada disto é importante… porque ninguém parece preocupar-se com o assunto e, se toda a gente diz mal destes “moldes actuais”, a verdade é que ninguém faz rigorosamente nada para os modificar. Não falo, propositadamente, do sector primário da banda desenhada: os autores. Porque me parece que não é aí que estão os problemas. Existem neste país autores de banda desenhada em número e qualidade suficientes para alimentar uma verdadeira indústria, desde que sejam publicados e… pagos. Os problemas só começam depois deles. Para terminar, deixo aqui uma ideia – já antiga, diga-se – que, se implementada, poderia vir a ser um princípio de solução para sabermos, pelo menos, “a quantas andamos”. Tratar-se-ia de constituir uma associação, talvez do tipo da ACBD francesa, mas com editores e livreiros especializados (e dos generalistas, os que o quiserem). Tem-se falado algumas vezes de uma associação de autores de Banda Desenhada, apesar de já existir a FECO, mas sinceramente não sei para que serviria. Estou a falar de coisas práticas: contabilizar títulos editados, respectivas tiragens e quantitativos de vendas, abarcando vendas em livrarias generalizadas e especializadas, grandes superfícies, Festivais, Salões e outros eventos e produzir anualmente (logo em Janeiro) um relatório de tudo isto, para ser publicado. Mas não algo como “o estado da BD”, que foi tentado pela Bedeteca de Lisboa em 1999 – com as conclusões algo atabalhoadas a serem publicadas em livro (“Hoje, a BD 1996 a 1999”) – e continuado daí para cá, com os, também atabalhoados “dossiers” anuais, publicados on-line e que não servem para nada.

* Editor da pedranocharco e director do BDjornal

25/06/2010

BD nacional cresce à margem das grandes editoras – Inquérito a Mário Freitas*


- A edição é para ti um projecto pessoal ou surge para suprir uma falta (por parte das “grandes” editoras)?
Mário Freitas -
As minhas edições surgiram inicialmente como forma de editar o meu projecto pessoal, o Super Pig, mas quis o destino que surgisse na altura outro projecto embrionário interessante, o CAOS. Assim, o que se pretendia ser apenas uma breve incursão editorial começou a tornar-se num projecto estruturado e pensado, independentemente da pequena dimensão que assume agora e que dificilmente deixará de assumir, mesmo depois dum grande êxito como A Fórmula da Felicidade. De qualquer forma, a minha missão e a dos meus colaboradores é de produzirmos BD cada vez melhor e cada vez mais profissional, capaz de ombrear com o melhor que é feito pelas editoras mais profissionais e mais capazes.

- Até onde conseguem chegar/que visibilidade têm estas edições (como as tuas)?
Mário Freitas -
Estas edições saem fora da lógica das distribuidoras, a quem interessa apenas editoras maiores com inúmeros títulos em carteira. Nesse sentido, elas chegam às livrarias às quais conseguimos chegar através duma distribuição própria. Mas mesmo esta questão da distribuição, per si, nada resolve. Que interessaria, por exemplo, colocar os livros nas Bertrand, cujas livrarias demonstram um total desinteresse, e mesmo ignorância, na forma como tratam e expõe a BD?

- Nestes moldes, que futuro antevês para a BD nacional?
Mário Freitas -
Um futuro em que continuarão a haver e a aparecer excelentes autores, nomeadamente artistas, e em que os melhores ou mais afortunados conseguirão chegar aos mercados realmente relevantes, como o americano ou o francês. De resto, persistirá sempre uma leva de wanna-bes, has beens e never will bes que teimará em não evoluir, em não crescer e a perpetuar a troca entre si de elogios vácuos e palmadinhas nas costas.

* editor da Kingpin Books

24/06/2010

BD nacional cresce à margem das grandes editoras – Inquérito a Osvaldo Medina *

- Publicar em pequenas editoras é uma opção pessoal ou a única alternativa face ao desinteresse por parte das “grandes” editoras?
Osvaldo Medina -
Publicar numa editora pequena foi simplesmente fruto do acaso, ao desenhar o livro «A tua carne é má» , escrito pelo Pep, despertei a atenção do Nuno Duarte e do Mário Freitas que apostaram em mim para “A Fórmula da Felicidade”. Se isto tivesse acontecido com uma editora grande provavelmente faria o mesmo. Mas a verdade é que numa editora grande há um medo terrível em apostar em novos autores - vai vender? Não vai vender? Vale a pena? Não vale? Mais depressa apostam num nome desconhecido americano, japonês ou de outra qualquer nacionalidade - desde que venha de fora de portas - que num nome nacional. A questão é simplesmente esta, não apostam no “prato” da casa! Isto acontece em todos os ramos, porque não neste ramo também? Claro que isto arrasta um sem número de consequências para a BD nacional.

- Até onde conseguem chegar/que visibilidade têm estas edições?
Osvaldo Medina -
A visibilidade é pequena, não vale a pena andarmos com rodeios nesse aspecto. Se a editora é pequena, como é óbvio, não terá os meios para uma grande divulgação. Há as feiras, os salões (quantos, em Portugal, por ano?)e pouco mais. Se conseguirmos um espacito na FNAC não é mau, mas normalmente estas edições ficam num cantito empoeirado sem qualquer destaque, nada que diga “gosta de BD? Venha cá ver isto!!” Não é preciso puxarmos do orgulho nacional e salientar “isto é luso!!” porque na verdade, acho que afasta mais do que chama. Existe um preconceito brutal por parte dos leitores no que diz respeito à BD nacional. A maior parte acha chata e sem piada nenhuma e se calhar não é de todo mentira. Temos que mostrar o produto, sem vergonha, e pedir a opinião das pessoas, dos clientes, dos leitores. Porque se queremos que isto vá a algum lado é assim - temos um produto e queremos passá-lo para as mãos das pessoas - mais nada.
A visibilidade chega, acima de tudo, onde chegam os “carolas” da BD. Quem gosta fala do que gosta a outros “carolas” e a coisa vai passando de boca em boca. Blogues, sites e por aí fora.

- Nestes moldes, que futuro antevês para a BD nacional?
Osvaldo Medina -
Temos cada vez mais pessoas a fazer, cada vez mais e cada vez melhor, temos cada vez mais pessoas a serem editadas fora do país. Isto só pode ser bom! Mas no nosso país não há cultura de BD. As pessoas não lêem - a não ser a ”Maria” e “A Bola” - e não estão habituados a gastar dinheiro em livros. A BD será sempre algo de nicho, para especialistas. A não ser que se chegue às pessoas. Temos que ir atrás delas. O que querem ler? Que tipo de histórias?
Se calhar estou a ir contra as ideias de muitos “artistas” mas, na minha opinião, os artistas morrem de fome e só são reconhecidos a título póstumo.
Neste momento temos uma massa crítica em termos de autores muito boa, que abarca todos os géneros, mas quantos vivem da BD? Nenhum? Um? Porquê? Porque não há leitores suficientes! Não há editoras a apostar! Não há mercado de base, logo não há dinheiro de retorno para os autores que preferem deixar a BD ( ocupa muito tempo) e ir trabalhar noutros meios.

* Desenhador de A Fórmula da Felicidade e Mucha

23/06/2010

BD nacional cresce à margem das grandes editoras – Inquérito João Tércio*


- Publicar em pequenas editoras é uma opção pessoal ou a única alternativa face ao desinteresse por parte das “grandes” editoras?
João Tércio -
É as duas coisas. No meu caso foi com grande satisfação que vi o meu primeiro álbum editado por um amigo, colega e pessoa ligada à BD portuguesa há mais de 20 anos, Pepedelrey. Alguém que sempre acreditou no meu trabalho. Aliás, estou a trabalhar num novo livro com ele mas de momento não posso adiantar pormenores; top secret!
Por outro lado, não sei se tem a ver com o efeito crise, as grandes editoras não mostram grande interesse em apostar em novos autores e preferem por enquanto dedicarem-se a reedições de clássicos e a continuar a trabalhar com os talentos já confirmados. Este ano em Angoulême não vi grandes novidades.

- Até onde conseguem chegar/que visibilidade têm estas edições?
João Tércio -
Tudo depende da capacidade de distribuição... se conseguirmos entrar no mercado brasileiro penso que a BD em língua portuguesa pode crescer muito nos próximos anos. Nos outros mercados temos de pensar em edições bilingues ou trilingues para angariar o máximo número de leitores. Mas mesmo lá fora e em países onde se consome BD como França, Itália, Espanha, o mercado varia muito. E se retirarmos a percentagem maior, que são os comics americanos e a manga japonesa, a fatia que sobra é muito pequena mas muito variável. Hoje quer-se uma BD politicamente correcta, amanhã uma viajem introspectiva de autor, e depois quer-se é erotismo kafkiano, etc...

- Nestes moldes, que futuro antevês para a BD nacional?
João Tércio -
O habitual futuro negro de autor de banda desenhada...
Penso que em Portugal é muito devido à determinação e talento dos autores se tenta revolucionar a 9ª arte, que ao longo dos anos tem sido de alguma maneira menosprezada como uma arte menor. Se esta revolução de vários estilos, cores e feitios chegará a bom porto, só a médio prazo o saberemos. Continuo a sublinhar a importância que o mercado brasileiro pode vir a ter para a BD portuguesa, porque vejo aí uma grande vontade de ler projectos novos em português.

* Autor de Março Anormal

22/06/2010

BD nacional cresce à margem das grandes editoras – Inquérito Nuno Duarte*


- Publicar em pequenas editoras é uma opção pessoal ou a única alternativa face ao desinteresse por parte das “grandes” editoras?
Nuno Duarte -
Apesar de considerar que não há "grandes" editoras de BD em Portugal, a resposta seria que as "pequenas" são uma alternativa interessante, face à liberdade temática, estilística e de formato que permitem.

- Até onde conseguem chegar/que visibilidade têm estas edições?
Nuno Duarte -
Com o advento das redes sociais a visibilidade é cada vez mais resultado do empenho dos editores/autores, enquanto que a a distribuição comercial está adstrita à necessidade das editoras em abrir cada vez mais concessões quanto maiores forem os canais de distribuição.

- Nestes moldes, que futuro antevês para a BD nacional?
Nuno Duarte -
Com a explosão dos meios de leitura digital surge uma possibilidade das "pequenas editoras" se implementarem cada vez mais. Nesse sentido será a qualidade e a diferença do "produto" a ditar as regras do seu próprio sucesso.

* Associado das Produções Fictícias e argumentista de A Fórmula da Felicidade

21/06/2010

BD nacional cresce à margem das grandes editoras – Inquérito a Miguel Rocha*


- Publicar em pequenas editoras é uma opção pessoal ou a única alternativa face ao desinteresse por parte das "grandes" editoras?
Miguel Rocha -
Tanto quanto me apercebo a Asa (ou a Maria José) modificou a sua política e já publica autores nacionais. (Não há outra grande editora a publicar BD, pois não? A Tinta da China fá-lo mas de forma muito errática).
Eu gosto das pequenas editoras, sinto que tenho um maior controle sobre o processo, mas também não tenho outra experiência e portanto pode ser tudo ilusão.

- Até onde conseguem chegar/que visibilidade têm estas edições?
Miguel Rocha -
Os livros melhor ou pior vão fazendo o seu caminho, com um numero de edições tão pequeno geralmente qualquer edição é notícia independentemente da editora. No meu caso, porque já tenho um público muito definido, geralmente o boca a boca (ou blog a blog) funciona para a divulgação do livro. Faço excepção ao Salazar (publicado numa pequena editora sem qualquer tradição de BD) e que teve uma super-atenção mediática, mais por obra da personagem do que dos méritos próprios do livro.
Onde esta questão mais se põe será provavelmente na internacionalização dos livros, mas disso também não sei, apenas suponho.

- Nestes moldes, que futuro antevês para a BD nacional?
Miguel Rocha -
Os formatos de distribuição electrónicos parecem-me interessantes. Para o formato livro creio que os autores têm que se virar para editoras estrangeiras de modo a ganharem mercados que permitam a profissionalização.

* Autor de livros de banda desenhada como “Salazar – Agora na hora da sua morte, A noiva que o rio disputa ao mar ou Hans, o cavalo inteligente

20/06/2010

BD nacional cresce à margem das grandes editoras – Inquérito a Fil*



- Qual o objectivo das vossas edições?
Fil -
O objectivo da Zona é essencialmente publicar BD, nacional ou internacional, com a maior qualidade possível, mas mantendo a porta aberta a autores mais novos ou inexperientes, mas que apresentem trabalhos com qualidade e uma boa margem de progressão.
O objectivo passa ainda por divulgar o trabalho de autores desconhecidos do grande público, ou não, e motivar a produção de mais e melhores trabalhos nesta área.

- Até onde conseguem chegar/que visibilidade têm estas edições?
Fil -
Neste momento eu diria que não deveremos conseguir grande visibilidade fora do meio da BD pois não temos uma estrutura profissional que apoie a produção e divulgação. E francamente, além da falta de tempo a verdade é que não somos muito fortes em termos de capacidade de divulgação, não temos por exemplo grande experiência em contactar a imprensa e na realidade não sabemos sequer bem como abordar esse meio. A falta de tempo também impede que tenhamos mais acções de divulgação. O ponto onde somos mais fortes será talvez a divulgação pela internet, em que todos os autores colaboram e penso que fazemos um bom uso sobretudo dos blogs e redes sociais, mas mesmo aí, há margem de progressão.
Seja como for tem havido um progresso grande, e pretendemos criar uma associação cultural que espero possa dar um apoio mais forte e consistente a este projecto e a outros. A colaboração entre autores é fundamental neste caso.

- Nestes moldes, que futuro antevês para a BD nacional?
Fil -
Imagino que por estes moldes, te refiras à edição independente e de autor.
Penso que o futuro deste tipo de publicação depende sobretudo do gosto pelo que se faz, ou mais a paixão, gosto não deve chegar. Pois dá muito trabalho, perde-se muito tempo, e pela minha experiência é possível não perder o dinheiro investido, mas por outro lado também não se ganha.
Por outro lado, penso que faz falta uma publicação do género da Zona para a divulgação e como motivação para os autores produzirem mais e melhor. Eu penso que neste ano fizemos com que a BD nacional crescesse mais um pouco. Pusemos autores a trabalhar mais, a produzir mais e melhor.
No panorama nacional penso que seria difícil muitos destes autores encontrarem um veículo tão interessante para divulgar e expor o seu trabalho. E viemos agitar um bocado o meio também.
Penso que temos muitos autores de grande nível e muitos outros com potencial para chegar a níveis elevados. A Internet veio abrir muitas portas e como tal vemos agora muitos autores a trabalhar para grandes empresas de BD estrangeiras, mesmo sem ter de sair do país.
A BD nacional tem futuro, mas é preciso muito trabalho e não desistir.

* Editor do projecto Zona Gráfica

19/06/2010

BD nacional cresce à margem das grandes editoras – Inquérito David Soares*



Publicar em pequenas editoras é uma opção pessoal ou a única alternativa face ao desinteresse por parte das “grandes” editoras?
David Soares -
Quanto à questão do desinteresse das grandes editoras, aquilo que elas demonstram não é isso, mas algum temor em publicar autores menos conhecidos e tal não acontece apenas no mercado da BD. Publicar o álbum "Mucha" pela Kingpin Books começou por ser o desejo que eu tinha de trabalhar com o Mário Freitas, porque somos amigos e achámos que seria enriquecedor fazer algo em parceria. No que diz respeito ao meu trabalho de banda desenhada, eu não teria problemas nenhuns em publicá-lo por qualquer editora que eu escolhesse, fosse ela mais pequena ou maior, considerando o currículo que tenho e isso é factual. Eu gosto é de trabalhar com quem gosto, por conseguinte a dimensão da Kingpin Books nunca foi uma questão que tivesse sido sequer equacionada por mim.

- Até onde conseguem chegar/que visibilidade têm estas edições?
David Soares -
Os distribuidores não querem saber se as editoras com quem trabalham são pequenas ou grandes: apenas estão preocupados em distribuir o maior número possível de edições, a um ritmo constante. Garantir a distribuição dos álbuns de BD depende, em exclusivo, do capital do editor. Se tiver capital para publicar muitos títulos com regularidade assegura uma boa distribuição. Se não, pode defender-se oferecendo livros de características únicas. O leitor "normal" de BD é conservador, lê sempre a mesma coisa e, quase sempre, desconfia da BD nacional. Os leitores "especializados" que compram BD nacional sabem que podem encontrá-la nas livrarias de BD ou encomendá-la pela Internet aos próprios editores, por isso nem sequer vale a pena falar sobre distribuição nas grandes superfícies, porque os leitores "especializados" não precisam dela para nada.

- Nestes moldes, que futuro antevês para a BD nacional?
David Soares -
O mercado da BD nacional sempre foi de nicho, feito com obras de qualidade sismográfica realizadas por autores que, na sua maioria, nunca se profissionalizaram - ou seja, nunca chegaram a viver da BD ou (para não ir tão longe) a produzir trabalhos de qualidade a um ritmo constante. Existiram e existem autores que fogem a esta caracterização, mas de maneira geral o que se passou e passa é isto. Logo, se não crescemos mais até agora é porque o nosso estado natural é este. Em termos de proporção, se calhar até temos o mesmo número de autores que Espanha: países maiores, e com mais leitores, têm de ter mais autores, mais editores e mais livros - isso parece-me evidente. Acho que o futuro da BD portuguesa vai ser idêntico ao que tivemos ontem. Mudarão os actores, as linguagens, os veículos de expressão, mas as mecânicas continuarão a ser as mesmas. Hoje continuamos a ter autores que nem sequer pensam em publicar cá e publicam directamente lá fora (como sempre tivemos, verdade seja dita) e essa mecânica irá manter-se, senão acentuar-se.

* Romancista e argumentista de Mucha
e do álbum É de noite que faço as perguntas

18/06/2010

BD nacional cresce à margem das grandes editoras – Inquérito a Pepedelrey*


- A edição é para ti um projecto pessoal ou surge para suprir uma falta (por parte das “grandes” editoras)?
Pepedelrey - São, talvez, dois dos motivos válidos para ter decidido a criar a El Pep. Creio que a criação de um registo editorial é um passo natural depois de anos envolvido na edição de fanzines. O espírito do it yourself continua na base de todas as decisões editoriais. A El Pep não existe para suprir a inexistência de grandes editoras de BD em Portugal. Afinal, não existem em Portugal verdadeiras casas editoriais de BD. A existência de micro estruturas editoriais, a editar BD em Portugal, compensa essa inexistência. Felizmente que estamos a assistir à criação de algumas dessas micro estruturas editoriais. Todas elas passam pelo espírito da auto-edição. Ou quase todas. Portugal continua a não ter um mercado, uma indústria de BD, apesar de existirem diversos autores e de grande qualidade e de existirem consumidores. Continua a falhar a existência de verdadeiras casas editoriais e distribuidores/lojistas.

- Até onde conseguem chegar/que visibilidade têm estas edições (como as tuas)?
Pepedelrey - Depende da vontade e do trabalho feito por essas micro estruturas. Sei que algumas conseguem ter alguma visibilidade, dentro da pequenez de mercado livreiro nacional. A El Pep tem tido mais visibilidade fora da fronteira nacional, com a presença em certames internacionais como Angoulême. Os livros editados tem sido vendidos em diversos países, dentro e fora da união europeia.

- Nestes moldes, que futuro antevês para a BD nacional?
Pepedelrey - Lamento mas não tenho uma visão nacionalista da BD. Em Portugal existem grandes autores, sejam desenhadores, argumentistas ou arte finalistas. O mercado nacional não existe e como tal, o que não existe não tem futuro. Acredito que actualmente estamos a assistir ao nascimento de uma plataforma editorial e de negócio de BD, apesar de micro estruturas, que no futuro vai se transformar num verdadeiro mercado de BD. Como é claro, não estou a referir-me às vendas de BD pelos lojistas. Porque os lojistas vendem BD mas não a nacional. Com diversas argumentações ridículas como aquela de que o consumidor não está interessado. Acredito que a produção de BD em Portugal está a aumentar em quantidade e qualidade e que ainda estamos a dar os primeiros passos.

- Gostava também que explicasses brevemente o propósito e os objectivos do TLS Mag.
Pepedelrey - O The Lisbon Studio MAG#1 é uma co-edição do The Lisbon Studio e da El Pep. A revista vai ser editada de 6 em 6 meses. A revista nasceu da vontade dos membros do The Lisbon Studio editarem um Art Book como portfólio do estúdio. Após as diversas reuniões de estúdio, decidimos que com a frenética produção nas áreas da BD, Ilustração, Fotografia, Arquitectura, Design e outras mais, justificava-se a edição de uma revista com a periodicidade de 6 meses, escoando assim muito trabalho produzido e que iria ser guardado para memória futura. Não é objectivo do estúdio colmatar a falta de revistas de BD no mercado.
* Editor da El Pep

10/06/2010

BD nacional cresce à margem das grandes editoras

O lançamento de quase uma dezena de títulos de autores nacionais durante o VI Festival de BD de Beja, veio reforçar uma evidência dos últimos anos, a vitalidade da 9ª arte nacional faz-se à margem das grandes editoras.
Essa ideia era defendida por Paulo Monteiro, director do festival que decorre até ao próximo domingo, quando, no lançamento do festival, afirmou ao Jornal de Notícias que “a BD portuguesa é um fabuloso caldeirão de estilos e tendências em que os autores fervilham de criatividade e todos os anos surgem projectos assombrosos!”. Mas, ao mesmo tempo, lamentava que “muitos destes projectos não conseguem a visibilidade que merecem, pois dificilmente ultrapassam a auto-edição em fanzine ou o esquema da pequena editora”, o que é quase sempre sinónimo de pequena tiragem e circulação limitada.
Exemplo paradigmático é “A Fórmula da felicidade”, uma edição da Kingpin Books, premiada e aplaudida pela crítica, mas cuja tiragem do segundo tomo, agora lançado, não chega a meio milhar de exemplares. Se é verdade que as novas tecnologias de impressão permitem fazer novas edições com facilidade (o que reduz ou quase elimina a existência de stocks), o que não poderia ter sido a carreira deste díptico no catálogo de uma editora maior. Nuno Duarte, o seu argumentista, associado das Produções Fictícias, considera que “não há "grandes" editoras de BD em Portugal”, defendendo que “as "pequenas" são uma alternativa interessante, face à liberdade temática, estilística e de formato que permitem”. Pelo mesmo diapasão alinha Miguel Rocha, nome marcante da nova 9ª arte nacional que em Beja lançou pela Polvo “Hans, o cavalo cansado”, baseado na peça homónima de Francisco Campos, quando afirma que gosta das pequenas editoras pois sente que tem “um maior controle sobre o processo”, embora reconheça que não tem “outra experiência e portanto pode ser tudo ilusão”.
Já João Tércio, que lançou “Março Anormal” pela El Pep, avança que “talvez por efeito da crise, as grandes editoras não mostram grande interesse em apostar em novos autores, preferindo dedicar-se à reedição de clássicos e a trabalhar com os talentos já confirmados”. David Soares, argumentista e romancista (“O Evangelho do enforcado”) acredita que a não aposta das “grandes editoras na BD, não é desinteresse mas que se deve a algum temor em publicar autores menos conhecidos, mas tal não acontece apenas no mercado da BD”.
Mas, se aqueles dois títulos potencialmente podem ser considerados de “grande público”, outros há cujos propósitos são bem diferentes. É o caso do projecto Zona, com cinco números no espaço de um ano, dois deles – Zona Gráfica I e II - agora mostrados durante o festival, do “Venham +5” (edição da Bedeteca de Beja) ou do Seitan Seitan Scum (El Pep+Chili Com Carne) que têm por preocupação, face à inexistência de revistas especializadas, proporcionar uma montra aos “autores mais novos ou inexperientes, que apresentem trabalhos com qualidade e uma boa margem de progressão” e “motivar a produção de mais e melhores trabalhos nesta área”, refere Fil, um dos responsáveis pela Zona, corroborado por Paulo Monteiro que acrescenta que “a edição constitui, em si mesmo, um incentivo à produção”. Herdeiros dos antigos fanzines policopiados (no espírito, não na forma, porque as novas tecnologias permitem qualidade quase profissional), por vezes trocando colaborações com publicações congéneres estrangeiras, acolhem nas suas páginas algumas dezenas de autores, do mais ilustre desconhecido a nomes já com um percurso assinalável no meio nacional ou mesmo como Filipe Andrade, que actualmente colabora com a Marvel. Não sendo colectivo mas comungando das mesmas prerrogativas, o sexto número da colecção Toupeira, “Há sempre um eléctrico que espera por mim”, de André Oliveira e Maria João Careto, distingue-se por os seus autores terem “ousado” explorar de forma ficcionada uma temática que, apesar de potencialmente rica, tem sido quase ignorada pela BD nacional: o período que antecedeu o 25 de Abril.
Muitas das condicionantes referidas aplicam-se também ao BDJornal (da pedranocharco), dedicado ao estudo e análise da BD, cujo nº 25 saiu 18 meses depois do anterior destacando o festival de Beja, Hermann, Fábio Civitelli e o novo projecto de Hugo Teixeira, e também à nova revista “The Lisbon Studio Mag”, que se anuncia semestral e tem por objectivo servir de montra e portfolio para os 19 autores que formam aquele estúdio, onde se contam Jorge Coelho, Ricardo Tércio ou Rui Lacas, já com obras publicadas nos mercados norte-americano e francófono.
E se dando voz ao sentir de todos, Paulo Monteiro refere que estas edições têm “grande visibilidade dentro do meio da BD”, acrescentando Nuno Duarte “a divulgação que é feita nas redes sociais”, todos os envolvidos reconhecem que a distribuição é o maior entrave, muitas vezes limitada apenas às lojas especializada e eventos do género.
Por isso, se Tércio vê o futuro ”negro, como é habitual, para os autores de BD”, embora pense que “se conseguirmos entrar no mercado brasileiro a BD em língua portuguesa pode crescer muito nos próximos anos”, já Miguel Rocha considera “interessantes os novos formatos de distribuição electrónicos”, que Nuno Duarte aponta como “uma possibilidade das pequenas editoras se implementarem cada vez mais”.
Em jeito de conclusão, Paulo Monteiro defende que só a existência de “uma visão estratégica que só se consegue juntando autores, críticos e editores para estabelecer um plano de divulgação e leitura” congregará mais pessoas em torno da BD” e permitirá “estabelecer um plano de divulgação e leitura” que lhe permita crescer para além do seu nicho habitual, indo “buscar leitores a outros sítios, nomeadamente à literatura”.


Para ler a versão integral das respostas dos diversos entrevistados:
- Paulo Monteiro
- Pepedelrey
- David Soares
- Fil
- Miguel Rocha
- Nuno Duarte
- João Tercio
- Osvaldo Medina
- Mário Freitas
- Machado Dias

(Versão revista e alargada do texto publicado no Jornal de Notícias de 8 de Junho de 2010)



20/01/2010

Portugal aos quadradinhos (II) – MKM, Mega-krav-maga #1

Lewis Trondheim (ideia) Mathieu Sapin e Frantico (argumento e desenho) Delcourt (França, Janeiro de 2010) 120 x 180, 190 p., pb, brochado com sobrecapa com badanas

Resumo Convidados para participarem no (fictício) Blogadores Festival de Lisboa, Frantico e Sapin acabam por se ver envolvidos numa mega-tramóia em torno do Mega-krav-maga, uma versão muito aperfeiçoada da arte de combate pessoal criada pelo exército israelita. 
Desenvolvimento A primeira meia centena de pranchas desta banda desenhada dizem respeito à presença dos dois autores no (fictício) festival português e apresentam, nos seus estilos peculiares, relativamente próximos, baseado num traço rápido, quase só esquemático, expressivo e legível, apesar de maioritariamente passadas em interiores (do hotel e de restaurantes) algumas paisagens da capital portuguesa que, possivelmente, não seriam reconhecíveis se não soubéssemos que ela servia de cenário à história. A isso, Sapin e Frantico, juntam alguns clichés e preconceitos pouco abonatórios dos portugueses, num inexplicável auto-convencimento de superioridade, postura também cultivada habitualmente por Lewis Trondheim em relação aos locais que a sua profissão obriga (!?) a visitar. Este, é o mentor do projecto, publicado no formato Tankobon próprio dos mangas, agora adoptado para a colecção Shampooing que dirige na Delcourt e inicialmente publicado num blog criado para o efeito (http://www.megakravmaga.com/index.php?id=2009-12-16). Se esta BD tem um início (aparentemente) autobiográfico (pois os dois autores vão intercalando pranchas desenhadas por um ou por outro com o relato da sua presença no festival português), transforma-se rapidamente num delírio ficcional em torno da eventual existência de uma versão melhorada do Krav-maga, a técnica de combate desenvolvida pelo exército israelita. Mas tudo vai precipitar-se quando Sapin e Frantico são abordados numa rua lisboeta por um ucraniano (!) que num anterior contacto lhes propusera droga próximo de uma esquadra de polícia. Neste segundo encontro propõe-se revelar-lhes os segredos do Mega-Krav-Maga, uma técnica de combate pessoal até hoje desconhecida por ser mantido em grande segredo pelos que o praticam, para atraírem maior atenção para o seu blog. Seduzidos pela demonstração do ucraniano, os autores exemplificam-na nas suas pranchas, divulgadas na net, ficando assim sob ameaça de morte por revelarem os segredos daquela arte, tão ciosamente mantidos até então. Começa então um périplo rocambolesco (quase) planetário, pontuado por segredos, confrontos, fugas e mortes, que leva os dois autores por percursos separados, cada um mantido cativo por uma das sociedades rivais que defende o MKM, que em tom leve e descontraído, apresenta alguns momentos divertidos mas peca pela extensão do relato, que só se concluirá num segundo tomo, a publicar já em Fevereiro.

A reter - A maneira como os autores conseguem subverter o espírito do Krav-Maga, exagerando no uso da capacidade de antecipação como sua principal arma. - Alguns momentos bem conseguidos, como a sequência em que Frantico simula a fuga por diversas vezes, sem nunca a concretizar. - As divertidas “cartas” MKM que ilustram a contracapa e o interior das badanas.

Menos conseguido - A extensão do relato. - Alguma confusão inicial na identificação das personagens, devido às diferenças entre o traço dos dois desenhadores que, no entanto, se atenua com o decorrer do relato.

Curiosidade - O Krav Maga ("combate próximo, fechado" em hebraico) é um sistema de defesa pessoal criado na década de 1940 para capacitar os grupos que lutavam pela independência do Estado de Israel. Não é considerado um desporto porque não tem uma vertente competitiva uma vez que não existem regras que limitem esta arte de combate. Todos os golpes são permitidos e treinados de forma a ultrapassar todo e qualquer tipo de situação de violência do modo mais rápido e eficaz possível.

04/01/2010

Portugal aos quadradinhos

Tal como as celebridades da música ou do cinema, também os heróis de papel por vezes escolhem Portugal como destino, para viverem emocionantes histórias aos quadradinhos. Shania Rivkas, aliás Lady S., é o caso mais recente.

Foi em “Salade Portugaise” (Dupuis), lançado há pouco mais de um mês, que a jovem estoniana, que trabalha como intérprete no Parlamento Europeu, e às ordens da CIA, sob o nome de código Lady S., chegou a Portugal para seguir uma pista que a podia levar a reencontrar o pai, que julgava morto há uma dúzia de anos, ao mesmo tempo que contribuía para desmantelar um atentado terrorista da Al Qaeda. Escrita por Jean Van Hamme e desenhada por Philippe Aymond, tem na capa a protagonista em trajos menores, tendo por fundo uma boa perspectiva da cidade e do castelo de S. Jorge, e no interior uma atribulada refeição à sombra da ponte 25 de Abril, uma animada perseguição pelas ruas lisboetas com um eléctrico envolvido e um vistoso acidente automóvel nos arredores de Sesimbra.
Pelas mesmas (?) ruas de Lisboa, pelo Bairro Alto em especial, pass(e)ou também Michel Vaillant em 1984, em “O Homem de Lisboa”, em que Jean Graton combina uma história de espionagem com a participação de Steve Warson e Julie Wood no Rali de Portugal, a que as estradas nacionais – e os pouco cívicos espectadores - servem de pano de fundo. As primeiras pranchas mostram um passeio turístico do par enamorado por locais como a Praça do Comércio, o Elevador de Santa Justa ou a Torre de Belém. E, mais uma vez, os típicos eléctricos lisboetas. E tal como em Lady S., os protagonistas utilizam um avião da TAP.
13 anos antes em “5 filles dans la course”, traduzido como “Rali em Portugal”, Michel e Steve já tinham corrido nas estradas portuguesas, com este último a fazer equipa com a lusa Cândida Maria de Jesus. Um outro português, o campeão Pedro Lamy, defrontou os Vaillant em “A Febre de Bercy” (1998).
Portugueses, também, são Oliveira de Figueira, o vendedor (de banha da cobra) com quem o Tintin de Hergé se cruzou algumas vezes, o António Alfacinha da Turma da Mônica, de Maurício de Sousa, bem como alguns escravos (!) com aparição fugidia em dois álbuns de Astérix, de Goscinny e Uderzo.
Foi ainda a Portugal, mais concretamente aos Açores, que Jacobs enviou Blake e Mortimer em “O Enigma da Atlântida”, para os dois aventureiros descobrirem no subsolo da ilha de S. Miguel os descendentes daquele continente mítico.

Também Monsieur Jean, o trintão celibatário imaginado por Dupuy e Berbérian, fez uma atribulada visita a Lisboa em busca de inspiração para escrever um romance, no segundo tomo das suas histórias, nunca editado na nossa língua.
E em “O segredo de Coimbra”, a cidade dos estudantes do século XVIII foi escolhida pelo belga Étienne Schréder como local de acção para uma narrativa sobre a construção de uma ponte sobre o rio Mondego, tendo por base anamorfoses.
Mas se podemos considerar de certa forma normal que heróis europeus nos visitem de vez em quando, será mais surpreendente saber que Hellboy, o demónio saído dos infernos que combate nazis, fantasmas e monstros, esteve em território nacional em 1992, como conta Mike Mignola “In The Chapel of Moloch" (Dark Horse, 2008), que tem inicio nas ruas estreitas de Tavira, mas que ainda está inédita em português.
No mesmo registo de terror, Dampyr, um caçador de vampiros, esteve em Trás-os-Montes, “na localidade de Riba Preta”, lê-se numa vinheta de “Lo Sposo della Vampira” (Sergio Bonelli Editore), que surgiu inspirada em diversas aldeias reais, visitadas pelo argumentista Mauro Boselli. Desenhada por Alessandro Bocci, permite acompanhar a investigação da lenda do Castelo de Monforte da Estrela, supostamente assombrado por uma vampira, no final da qual o protagonista é salvo in extremis por um pastor luso, Vitorino Rocha.
Mais natural, é o aparecimento da cidade do Porto nas páginas do diário ilustrado de James Kochalka, cultor da autobiografia em BD, a propósito da sua passagem pelo Salão de BD local, em 1999, em BD publicada na "Quadrado".
Para finalizar, referência a três livros sobre Lisboa, ilustrados por autores de banda desenhada: “Lisbonne, voyage imaginaire” (Casterman), em que o traço de De Crécy ilustra uma composição de textos (Camões, Voltaire, Alberto Caeiro ou Almada Negreiros) feita por Raphael Meltz, “Lisboa – cadernos” (Bedeteca de Lisboa), fruto de uma permanência de alguns dias na capital, em 2000, de Dupuy e Berbérian, e “Carta de Lisboa” (Meribérica/Líber), no qual belíssimas aquarelas de Miguelanxo Prado ilustram um texto de Eric Sarner.



O país na BD moderna portuguesa
Para além das óbvias utilizações de Portugal como cenário, em bandas desenhadas de temática histórica ou sobre cidades e vilas nacionais, geralmente de encomenda autárquica, são várias as criações da moderna BD portuguesa que têm revisitado, de forma inspirada, o nosso país. Eis alguns (bons) exemplos:

As aventuras de Filipe Seems
Nuno Artur Silva e António Jorge Gonçalves
ASA

Recentemente reeditadas numa caixa com os três álbuns, as aventuras de Filipe Seems, investigador privado num futuro indefinido, decorrem numa Lisboa retro futurista, semi-submersa e percorrida por gôndolas, que evoca múltiplos imaginários.

BRK, tomo 1
Filipe Andrade e Filipe Pina
ASA

História urbana de procura do seu lugar por um adolescente que acaba envolvido com uma organização terrorista, BRK, que se passa maioritariamente em Almada, fica marcado pelos atentados contra o McDonalds da Praça da Liberdade, no Porto, e o Cristo-Rei.

O Menino Triste – A Essência
João Mascarenhas
Qual Albatroz

Embora maioritariamente ambientada na “sereníssima” Veneza, é na sua Coimbra (natal?) que o Menino Triste inicia este percurso iniciático que se cruza com amizades, sociedades secretas, dúvidas existenciais e… muita(s) Arte(s).

Obrigada, Patrão
Rui Lacas
ASA

Com a paisagem serena da Zambujeira como fundo, esta é a história opressiva de um drama rural, que versa sobre as prepotências dos senhores das terras e a destruição dos sonhos de infância.

(Versão revista e aumentada do artigo publicado no Jornal de Notícias de 28 de Dezembro de 2009)



Adenda
O artigo publicado no Jornal de Notícias não pretendeu ser exaustivo, longe disso, mas apenas referir alguns casos, dentro de alguma diversidade.
Como entretanto o Manuel Caldas (quem mais?) e o João Mascarenhas e tiveram a gentileza de me fazer chegar mais dois exemplos, bem díspares e que encaixam na perfeição na tal diversidade citada, aqui ficam eles também referenciados: o medieval Príncipe Valente, de Hal Foster, aportou na nossa costa, como a imagem documenta e, em 2004, o Europeu de Futebol serviu de pretexto para uma história em que os heróis Disney nos visitaram que tem ainda a curiosidade de ter sido concebida de raiz em Portugal.
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