Fruto de uma aposta continuada e consistente na promoção da banda desenhada portuguesa, o Festival da Amadora – e consequentemente a época de Outubro/Novembro – tem-se revelado o local ideal para o lançamento de novidades lusas aos quadradinhos.
O que é compreensível porque, no Amadora BD há exposições dos originais e estão presentes os autores o que potencia a sua divulgação junto dos seus potenciais leitores. E esta é uma realidade quer para as editoras de maior dimensão, quer para os pequenos editores independentes, cuja distribuição se limita depois a lojas especializadas e a uma ou outra cadeia nacional de livrarias. Este ano não foi excepção, tendo sido lançados quase uma dezena de novos títulos, sendo de destacar a sua diversidade temática e gráfica.
O de maior impacto talvez seja “A cidade dos espelhos”, que marca o regresso de Eternus 9, nascido nas páginas da mítica revista Visão, que, animada pela revolução de Abril, agitou as águas da BD nacional no verão quente de 1975. “Eternus 9 – Um filho do cosmos”, era um complexo relato de ficção-científica e filosófico, que seria suspenso ao fim de 6 números, surgindo em 1979 em forma de álbum (reeditado em 2009).
Agora, 35 anos depois, a sequela que Victor Mesquita há muita anunciara, está finalmente disponível, e nela “um portal caleidoscópico atravessará um mundo cujo coração será Lisboa, depois da Guerra Nuclear que transfigurou a face do planeta. A placa tectónica deslocada por efeito de subducção ao longo do rio Tejo, fragmentou a Lisboa de hoje até quase não se poder reconhecê-la, mas onde continuam as referências que a distinguem, o espírito de lugar que a possui”. E Mesquita avançou já ao JN com um resumo do tomo seguinte, “Cidadela 6”, no qual, depois de “dois primeiros volumes que respiram de uma certa serenidade contextual”, encontraremos “um universo de grande violência e denúncia dos aspectos mais crus que se vivem nas sociedades de hoje, onde se constatará que até os santos são humanos e como tal muitas vezes saem dos limites da santidade”.
Por outro lado, aquele que tem maior potencial fora do círculo habitual de leitores de BD é “NewBorn – 10 dias no Kosovo” (ASA), de Ricardo Cabral, uma espécia de foto-reportagem desenhada que surge na sequência de “Israel – Sketchbook”. Numa fronteira ténue entre a sequência narrativa e a ilustração, é fruto de uma estadia do autor no Kosovo e traça um retrato mais humano – e, por isso, mais real – do país, para lá dos estereótipos tantas vezes veiculados pelos meios de comunicação social
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Também de fundo político é “Agentes do C.A.O.S. – A conspiração Ivanov” (Kingpin Comics), de Fernando Dordio, Filipe Teixeira e Mário Freitas, que compila em livro – como nova cor e páginas extras - os 3 comics editados em 2006/2007. Com a acção situada em 1981, e a acção das FP 25 de Abril como pano de fundo, é uma movimentada história de acção, vingança e espionagem, condimentada como muitos tiros, violência e perseguições automóveis, que abarca um período de 12 anos e envolve operacionais da polícia portuguesa e mafiosos russos.
Bem mais intimista é a proposta de Paulo Monteiro em “O amor infinito que te tenho e outras histórias”, colectânea de bandas desenhadas curtas, algumas das quais inéditas, de cariz autobiográfico, onde o traço fino e os tons cinzentos salientam os sentimentos.
Projecto colectivo que tem como “objectivo principal o desenvolvimento e divulgação
da banda desenhada e ilustração em Portugal”, a Zona, apresentou na Amadora o seu sexto tomo em ano e meio, “Zona Negra 2”, que tem o terror como tema aglutinador, daí a aposta no preto e branco, para fortalecer “o ambiente obscuro do seu conteúdo”.
Também colectiva, da autoria de Álvaro Áspera e Marta Portela (argumento) e António Brandão, João Martins, Pedro Alves, Pedro Colaço, Pedro Serpa e Ricardo Cabrita (desenhos), mas de carácter institucional é “Sete histórias em busca de uma alternativa”, uma edição do Grupo de para a Resolução Alternativa de Litígios (GRAL) do Ministério da Justiça, que reúne uma série de histórias em torno dos serviços públicos de resolução alternativa de litígios, ao mesmo tempo que homenageia personagens e autores da banda desenhada portuguesa, como o Corvo, de Luís Louro,oue A Pior Banda do Mundo, de José Carlos Fernandes.
Diferente, no propósito e na forma, é o “BDJornal” #26 (pedranocharco), uma publicação semestral que alia à publicação de BD, artigos de crítica e análise, que neste número destacam Dinis Conefrey e Fernando Relvas.
Apresentados no festival, onde têm exposição, mas ainda não disponíveis emboram as suas edições estejam anunciadas para este mês, estão dois outros títulos.
O primeiro é “É de noite que faço as perguntas” (Gradiva), uma narrativa ficcionada dos acontecimentos que levaram à implantação da República, escrita por David Soares e desenhada por Richard Câmara, Jorge Coelho, João Maio Pinto, André Coelho e Daniel Silvestre Silva.
Finalmente, temos “O Menino Triste – Punk Redux” (Qual Albatroz), um passeio semi-autobiográfico pelas origens, valores e ideias por detrás do movimento Punk, em Londres, em 1976.
São, sem dúvida, um lote de propostas diversificadas que mostram que a BD portuguesa existe e está à procura do seu público.
(Versão revista e expandida do texto publicado no Jornal de Notícias de 3 de Novembro de 2010)
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