Os 35 anos de Garfield,
que se cumpriram há dois meses, foram o pretexto para evocar no Jornal de
Notícias de 19 de Junho alguns dos outros gatos dos quadradinhos, cujo texto –
revisto e aumentado – vem já a seguir. É uma relação não exaustiva, que desafio
os meus leitores a completar com outros bichanos desenhados.
Criação de Jim Davis, Garfield, possivelmente o mais famoso
gato da banda desenhada, estreou-se em 1938 em 40 jornais; hoje é publicado por
cerca de dois milhares de periódicos de todo o mundo.
Laranja com riscas pretas, gordo, preguiçoso, devorador de
lasanha, esmagador de aranhas e implicativo com o seu dono, Jon, e com Oddie, o
cão (parvo) da casa, Garfield terá nascido inspirado nas duas dúzias de gatos
com que o seu criador conviveu na adolescência, numa quinta em Indiana.
O início modesto rapidamente deu origem a um sucesso raramente
igualado nos quadradinhos, baseado na capacidade de observação de Davis, no
reciclar contínuo de situações e desfechos e na facilidade com que o leitor se
pode identificar com Garfield, nas suas características mais humanas - cinismo,
maldade, preguiça, ódio a segundas-feiras, despertadores e dietas…
Dos quadradinhos, o êxito saltou – espreguiçou-se será mais
adequado… - para a animação, o merchandising e o cinema, transformando o autor
num homem rico e o gato num ícone a nível mundial.
Garfield não é, no entanto, o único felino que protagoniza
tiras de imprensa e, neste contexto, é de salientar uma honrosa criação
nacional, Hórus, que viveu em mais de uma centena de tiras diárias, publicadas
entre 1996 e 1998, chegando mesmo a interagir com o seu autor, José Abrantes.
Editados em português há pelo menos mais três casos: Mutts (Devir), de Patrick McDonnel, uma abordagem bem diferente, terna e poética,
centrada no comportamento dos animais e na sua interacção – curioso e dinâmica
– com a natureza, os seres humanos e os outros animais; O Gato do Simon (Objectiva), de Simon Tofield, felino de dupla personalidade, tão capaz de ser preguiçoso,
pachorrento, mimado como de destruir a casa em que vive; Aqui há gato (Bizâncio), de Darby Conley, que opõe Satchel, o cão, pacato, preguiçoso,
comilão e estúpido até dizer chega a Bucky, o gato, cruel, violento, sádico e
abusador.
Mas existem outros exemplos da secular inimizade entre gatos
e cães, ratos ou pássaros… Na revista “Tintin” portuguesa, encontrávamos Cubitus
recorrentemente às voltas com o irascível Sénéchal, Clorifila que defrontava a
cruel Celimene ou Milu que não perdia uma oportunidade de perseguir o gato do
castelo de Moulinsart; importados de outros meios, mas vivendo também aventuras
aos quadradinhos, vemos Silvester e Tweety, Tom e Jerry ou Geronimo Stilton
face aos malvados gatos Piratas.
Mas, já bem antes de Garfield, a BD explorava os felinos (ou
será o contrário?). Um dos exemplos mais antigos é “Cicero’s Cat”, criação de Bud
Fisher estreada no final de 1933, que o “Mundo de Aventuras” rebaptizou como “A
gata do Tobias”. Na mesma época, os quadradinhos herdavam “Felix, the cat”,
nascido na animação muda em 1919, onde chegou a contracenar com a sensual BettyBoop.
“Fritz the cat”, de Robert Crumb, versão satírica, mordaz e
politicamente incorrecta deste último, explodiu em meados da década de 1960,
quando o movimento underground levou os quadradinhos norte-americanos a
descobrirem que todas as temáticas eram possíveis, que fez uma breve aparição em
Portugal, no jornal "Lobo mau" (1979). Igualmente de abordagem (bem)
adulta é “Omaha, the cat dancer”, BD erótica criada nos anos 70 por Reed Waller
e Kate Worley.
De temática mais fantástica são “Billy the cat” (ASA), de
Desberg e Colman, que narra as aventuras de um menino malvado transformado em
gato ou “Chats”, que revela uma terra pós-apocalítica sem seres humanos, em que
lobos e gatos se confrontam pelo domínio das (ruínas) do planeta.
De tom filosófico podemos citar “Sua excelência o gato”, de
Géluck, com um desconcertante humor nonsense repleto de trocadilhos e segundos
sentidos, ou O gato do Rabino (ASA), de Joann Sfar, que fala e discute
religião com o seu dono, enquanto que Catherine Labey se lembrou de
reiterpretar, com algum humor, ditos e provérbios populares, à luz da sua
aplicação ao quotidiano dos gato nos seus "Provérbios com gatos".
Mas, claro está, na banda desenhada também existem gatos que
são apenas isso, gatos: Mingau, que pertence à Magali da Turma da Mônica, Toni,
a gata de Julia Kendall, a criminóloga da Bonelli, ou, a um nível mais assustador, o terrível gato sem nome,
parceiro de disparates de Gaston Lagaffe são exemplos populares.
Para o final, ficou uma gata muito especial, a lânguida e
sensual Catwoman, supervilã da DC Comics que nos quadradinhos ou no cinema, já
deu certamente a volta a muitas cabeças, mesmo daqueles que não gostam de
animais…