20/07/2011

O Western na BD portuguesa (III)

Depoimentos (II)
A propósito dos 70 anos de “O Cavaleiro Misterioso”, primeiro western realista dos quadradinhos portugueses, eis o depoimento de dois autores que experimentaram o género, José Ruy e João Amaral:

1. Qual a importância do western na sua obra?
José Ruy - Este género não tem realmente uma incidência muito grande no conjunto de bonecos que tenho feito. No que hoje se chama «fanzine» que publicava em 1943, garatujei uma história de Cow-Boys assinando «Domador», para dar a ideia de ter mais colaboradores na revistinha, com uma tiragem de 50 provas para distribuir pelos amigos. Já colaborador de «O Papagaio», quando o Roussado Pinto passou a fazer parte da Redacção, achou que eu devia fazer um Western e elaborou um argumento. Chamava-se «Os Cavaleiros do Vale do Negro», e depois de muitos episódios, ao sair da Redacção, disse-me para continuar a história, pois não lhe dava jeito manter essa colaboração, e que eu tinha condições para tal. E o resto desse Western foi de minha inteira autoria. Quando se publicou a 2ª série de O Mosquito, editada pelo Ezequiel Carradinha e depois por mim, fiz um Western para as páginas centrais da publicação, só porque não tinha na colaboração importada uma história desse género.


João Amaral - Sobre a importância do western na minha obra, devo dizer que apesar de não ser muito visível no imediato, ela se encontra lá de alguma forma. Basta dizer que este foi um dos primeiros géneros que conheci em miúdo, com as revistas de O Falcão, Tex Tone ou Relâmpago, entre aquelas que agora me lembro, e mais tarde no Mundo de Aventuras e no Tintin, onde me lembro de acompanhar a saga do Tenente Blueberry, com muita satisfação e emoção. E essas revistas motivavam de tal forma a minha imaginação, que me tenho a ideia de, aos oito anos, fazer uma história baseada nesses heróis que lia.
Depois, veio o cinema e foi aí que colhi muitas influências, algumas das quais se encontram patentes (ainda que de forma muito indirecta) na própria “A Voz dos Deuses”. Lembro-me que, apesar de me querer manter fiel à obra de João Aguiar, queria, dentro da medida do possível, narrar algumas sequências, um pouco de uma forma semelhante à de um western. Sobre isso, lembro-me desse tipo de influência, numa cena em que Tôngio se encontra com um grupo de desertores romanos.
E, já posteriormente, elaborei para as Selecções BD, “O Fim da Linha” que se pode traduzir como um falso western. É verdade que a acção se passa numa aldeia portuguesa no último dia do ano 2000, mas em tudo é um western, apesar da época ser a actual. Afinal, não é mais do que um remake e uma homenagem a um dos meus filmes favoritos: O Comboio Apitou Três Vezes, de Fred Zinneman. E, apesar da acção diferir nalguns aspectos do original, tentei que as influências ficassem todas lá. E lembro-me de ter visto e revisto vários filmes para conseguir imagens fortes, por exemplo, para o duelo final que a história representa.
Mais recentemente e, depois de falar com o Jorge Magalhães, decidimos fazer “OK Corral”, para o Festival de Moura, uma história curta de quatro páginas que misturava dois géneros aparentemente distintos: o western (um claro pastiche do célebre filme de John Sturges, com Kirk Douglas e Burt Lancaster) e a ficção científica. Mais não fosse, só por isso, é um género para mim muito importante, porque, como poucos, consegue captar ambiências, que se podem estender a outras áreas.

2. Quais os autores e obras nacionais que considera mais significativos?
José Ruy - Em relação ao Western de autores portugueses, vou referir os autores, pois as histórias dos que menciono, considero-as todas boas. O Vítor Péon, que inicialmente sofria de grandes influências de autores estrangeiros e do português E.T. Coelho, veio a criar um estilo próprio, mas as histórias eram de qualidade. Curiosamente, foi o Cardoso Lopes, Tiotónio, quem lhe «ensinou» os pormenores deste tipo de personagens.
Gosto do Western de Eduardo Teixeira Coelho, e considero muito bem conseguido o que o Fernando Bento realizou. Presentemente aprecio as histórias deste género do José Pires, que neste momento está a elaborar uma belíssima história, na minha opinião, de grande envergadura, com muito rigor e acabamento impecáveis. Talvez a melhor das que ele já publicou.

João Amaral - Sobre os autores e obras nacionais que considero significativos, posso dizer que algumas delas só conheci muito posteriormente ou estou ainda a conhecê-las, como seja o caso das de Fernando Bento ou Vítor Péon. Os que mais me marcaram foram indiscutivelmente a dupla Augusto Trigo e Jorge Magalhães. Lembro-me que fiquei extasiado com uma história curta no Mundo de Aventuras, intitulada, se a memória não me falha, “A Sombra do Gavião”.
“Wakatanka”, dos mesmos autores, é uma história que ainda hoje leio e releio com muito agrado, tendo pena de ainda não ter conseguido arranjar o primeiro volume, que julgo ter visto pela primeira vez num suplemento de A Capital. O outro autor português que acho especialmente dotado para o western (que é aliás o seu género favorito) e cuja obra me maravilha desde há muito, é o José Pires, com os seus “Os Homens do Oeste”, mas sobretudo “Will Shannon - O Poço da Morte” e “Irigo”.

Nota: Pranchas destas duas bandas desenhadas podem ser vistas no blog de João Amaral.

Sobre o mesmo tema ler também:
- O Western na BD portuguesa
- O Western na BD portuguesa: depoimentos de Jorge Magalhães e João Paulo Paiva Boléo

3 comentários:

  1. Olá Pedro,

    Tem sido um prazer acompanhar aqui no blogue a série de artigos que dedicou aos 70 anos do western na BD portuguesa. As coisas aqui estão de facto muito mais completas do que no jornal que ainda tive oportunidade de arranjar. E é sempre bom poder aprender um pouco mais, sobretudo graças à qualidade do artigo e de alguns dos elementos que prestaram depoimento como o Jorge Magalhães (que tem um magnífico estudo sobre o assunto e, de quem espero ler em breve, o número que consagrou ao Vítor Péon) e o Paiva Boléo. Sinto-me também muito honrado por figurar aqui ao lado do José Ruy, um homem que em BD tem experimentado de tudo e que considero um verdadeiro mestre. Quanto a mim, como disse, o western na minha obra só figura de forma indirecta. Mas é, indiscutivelmente, a par da ficção científica, da fantasia e do suspense um dos meus géneros de eleição. Isso não posso negar. Por fim, só uma pequena correcção: só a página do OK Corral é que já apareceu no meu blogue com as outras que formam a história. Em relação ao Fim da Linha já lá publiquei algumas sequências, mas a dita página ainda não a coloquei ainda. Utilizei-a, para já, exclusivamente para aqui, porque penso ser uma daquelas onde a influência do western é mais evidente. Espero um dia destes publicar a obra na íntegra, justamente para aqueles que não tiveram ocasião de a ler nas Selecções BD a poderem ler. Um abraço.

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  2. Bem... de western portugueses só conheço mesmo o Wakatanka do Augusto Trigo e Jorge Magalhães, porque me agradou mesmo.
    O western não é o género de eleição, e só compro/leio se for mesmo de qualidade.
    Não posso opinar sobre os restantes porque não conheço, ou se já li não tenho presento o nome ou a estória, visto que de certeza que quando peguei neles já foi há muito tempo...
    ;)

    Abraço

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  3. Caro João Amaral
    Os dois estudos do Jorge magalhães são na verdade excelentes, bem escritos, completos e com muitas imagens e serviram de base ao meu texto.
    Relativamente ao Fim da Linha, não me referia à prancha que pude "estrear" online - o que agradeço! - mas sim ao facto de haver diversas páginas da Bd disponíevis no teu blog. E ficamos a aguardar pela história completa, embora o ideal fosse mesmo o livro...

    Olá Bongop,
    As boas bandas desenhadas não têm idade. Se tiveres oportunidade de ler algum western do ET Coelho e, principalmente, do Vítor Péon, não hesites!

    Abraço aos dois!

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