Quando cheguei ao ‘mundo’ da banda desenhada portuguesa, no
início dos anos 1980, um dos mitos vigentes é que, para lá dos autores
clássicos, que abordavam temas históricos, não existiam argumentistas. António
José Simões (Jim del Monaco) ou José Carlos Fernandes contribuíram para o
destruir.
Hoje, a situação é diferente. A diferentes níveis, David
Soares, Mário Freitas ou Filipe Melo, são exemplos incontornáveis e
(re)conhecidos. André Oliveira também.
No percurso de André Oliveira, natural de Lisboa onde nasceu
em 1982, destaca-se a forma como sempre procurou – continua a procurar –
onde/como editar os seus trabalhos, mesmo que o caminho para isso seja o da
auto-edição – e esta postura choca frontalmente com o que era norma nos tais
anos 1980: ‘não criar porque ninguém edita’.
O primeiro (?) passo foram as antologias Zona, onde o seu
nome se desdobrava nos índices, já como escritor de vários géneros e estilos.
Essa ‘produção em massa’ - sem perda de qualidade... - acentuou-se nos últimos meses, com
os projectos a multiplicarem-se, dando vazão à necessidade – acredito eu – de
escrever, escrever sempre, escrever sem parar, de partilhar com quem a isso
estiver aberto as muitas histórias que tem dentro de si.
Na Ave Rara, a sua própria editora (com Living Will ou Gentleman), na Kingpin Books (Hawk,
Crumbs, Casulo), na El Pep (Tiras do Baralho), na Polvo (Volta – O Segredo do Vale das Sombras)
ou na revista Cais, muitas tem sido
as portas que construiu, a que bateu, que fez abrirem-se de par em par a um
talento narrativo multifacetado, diversificado e que se revela demasiado grande
para se ater a um único tema, género, projecto ou editora.
Living Will, romance gráfico em sete capítulos, foi iniciado com
Joana Afonso no desenho e acaba de apanhar em movimento Pedro Serpa, que
alternará com aquela ilustradora nos últimos 4 capítulos para que os leitores mais
rapidamente conheçam o seu desfecho.
É a história de um homem que, viúvo, sem o cão que desde há
muito era a sua companhia, ao sentir chegar o fim da sua vida tenta pôr em ordem uma
série de questões que foram ficando pendentes (ou mal resolvidas) ao longo dos
anos.
História intimista e sensível, revela que nem sempre uma boa intenção obtém bons resultados e que há feridas que nem o tempo consegue curar.
História intimista e sensível, revela que nem sempre uma boa intenção obtém bons resultados e que há feridas que nem o tempo consegue curar.
Living Will (publicados 4 de 7)
André Oliveira
(argumento)
Joana Afonso, Pedro
Serpa (desenho)
Ave Rara
160 x 235 mm, 16 p.,
pb+1 cor, brochado, 2,95 €
Ainda dentro do seu selo editorial Ave Rara, André Oliveira
apresentou no recente XI Festival Internacional de BD de Beja, o primeiro dos
quatro fascículos previstos para Gentleman,
sem dúvida até agora o mais surpreendente dos seus projectos, por sair daquela
que poderíamos chamar a sua zona de conforto, onde se desenrolam histórias de tom humano resultantes de uma apurada capacidade de observação da sociedade.
Com a acção a decorrer num mundo devastado na sequência de
uma invasão extraterrestre (?) é protagonizada por mr. Turner, um aventureiro algo cínico mas imperturbável, por um (imenso) leão marinho e(, em breve?), por um rapaz salvo
num dos muitos confrontos que a nova situação inevitavelmente provoca.
Gentleman (publicado 1 de 4)
André Oliveira
(argumento)
Ricardo Reis (desenho)
Ave Rara
160 x 235 mm, 16 p.,
pb+1 cor, brochado, 2,95 €
E se até agora quase só (re)conhecíamos André Oliveira como
escritor de contos curtos – mas nem por isso menos estimulantes – onde a excepção
seria Hawk pois, de alguma forma,
Living Will e Gentleman se têm apresentado em capítulos autocontidos embora no
âmbito de uma narrativa mais longa, Volta
– O Segredo do Vale das Sombras, veio confirmá-lo também como autor de
maiores fôlegos.
Primeiro de três livros, decorre em Rest du Monde, uma
aldeia perdida, parada no tempo, isolada no meio de uma floresta e aterrorizada
por um monstro que a sitia e pelos mandantes dele que de alguma forma a
governam – com todas as diferenças evidentes, um pouco à Wayward Pines…
A chegada, inesperada mas providencial, do Campeão – como
lhe hão-de chamar – um ciclista em busca das suas próprias memórias e de
redenção para o que não sabe/se lembra se fez, vai alterar os frágeis
equilíbrios existentes em Rest du Monde e levar alguns dos seus habitantes a
redescobrirem-se.
Volta – O Segredo do Vale das Sombras
André Oliveira (argumento)
André Caetano (desenho)
Polvo
Portugal, Junho 2015
ISBN: 978-989-8513-26-7
240 x 168 mm, 96 p., pb, cartonada, 12,99 €
Quanto a Casulo,
porque o texto já vai longo, fica para outra altura, previsivelmente para depois de
amanhã.
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