04/04/2016

Lex Luthor: Preconceito e orgulho





Não será a percepção mais real que a própria realidade?
in Lex Luthor: Preconceito e Orgulho

A chegada dos comics de super-heróis à idade adulta, em termos temáticos - um processo progressivo, marcado por sucessivas obras de referência - permitiu que o retrato traçado desse universo, que cruza seres portentosos com o (nosso) mundo real, se fosse modificando.

A perda de (alguma) ingenuidade, irrealidade e impossibilidade foi compensada - acredito eu - pela colagem à realidade e pela humanização dos intervenientes, fossem eles os heróis que todos admiramos ou os vilões que aprendemos a detestar, numa curiosa aproximação entre uns e outros, que necessitaria de mais espaço do que estas meras duas páginas para ser abordada. Foi esse processo gradual que permitiu que estes últimos aspirassem - e nalguns casos obtivessem - o protagonismo em narrativas como este Preconceito e Orgulho, inteiramente centrado na personagem - fascinante… - de Lex Luthor. Exemplo maior desse facto, é o facto de o Super-Homem - o seu eterno adversário - apenas intervir no último dos cinco comics que constituíram originalmente esta mini-série de 2005.
Mas já lá irei.

A existência de duplas de antagonistas recorrentes é um dos segredos do sucesso das histórias protagonizadas pelos super-heróis da DC Comics. E, também, de grande parte das bandas desenhadas de aventuras de matriz clássica. Este princípio permite ao leitor uma maior identificação com o modelo e o protagonista, sabendo que, mais cedo ou mais tarde - geralmente mais cedo… - o vilão regressará para se lhe opor, uma e outra vez.
Por isso, é quase impossível evocar Batman sem o Joker, o Lanterna Verde sem Sinestro, ou o Super-Homem sem Brainiac  ou… Lex Luthor - mesmo quando, em casos pontuais, os adversários de sempre se tornam aliados para defender causas maiores ou comuns...

A estreia de Alexander Joseph ‘Lex’ Luthor deu-se em 1940, em Action Comics #23, como criação de Jerry Siegel e Joe Shuster, que, cerca de dois anos antes, tinham imaginado o Super-Homem. Em plena 2.ª Guerra Mundial, o novo vilão, um génio científico, era o tirano que controlava pequenas nações europeias e trabalhava para arrastar todo o continente para o conflito, utilizando o sofisticado armamento que tinha desenvolvido. As aparições de Luthor foram-se sucedendo e, após a Crise nas Terras Infinitas (saga publicada em dois volumes pela Levoir, em 2013, na colecção Super-Heróis DC Comics, com o jornal Público) o vilão regressaria - revisto e actualizado! - como, consoante as versões e as necessidades, milionário, industrial, político, cientista brilhante ou homem de negócios - ou tudo em simultâneo – dando dessa forma corpo a um vilão complexo.
Embora, em boa verdade - pelo menos no seu íntimo – Luthor não tenha assim tanto de vilão, pelo menos no conceito que geralmente associamos ao termo. Realmente, será mais fácil compará-lo a alguns homens de negócios dos nossos dias, capazes de aproveitar os vazios que a lei - propositadamente? - deixou para enriquecer mais e tornar-se mais poderoso e mediático.
Por isso, a sua oposição ao Super-Homem assenta numa dupla vertente: a inveja pela perda de popularidade que a aparição deste provocou e, numa reacção bem - demasiado - humana, a desconfiança - bem dos nossos dias… - em relação a quem é desconhecido, a quem é estrangeiro, a quem é diferente… Porque, ao contrário da maioria dos cidadãos de Metrópolis (e não só), ele vê o alter-ego de Clark Kent, desde a sua chegada àquela que até aí era a sua cidade, não como a solução para todos os problemas e perigos, mas sim como um extraterrestre que constitui uma ameaça futura, indefinível, latente, a qualquer momento passível de passar de protector a opressor.

Aplicando uma leitura de oposição entre religião e humanismo, podemos afirmar que, se para muitos, o Super-Homem é o salvador - recorrente, não dos pecados mas das consequências dos actos cometidos… - para Luthor ele é apenas uma limitação à capacidade de superação e desenvolvimento do ser humano porque, aos seus olhos, ao entregarem-se ao ‘estranho’ e à sua acção redentora, os humanos deixam de lutar por ela - por si próprios…
E isto leva-nos, então, a Preconceito e Orgulho, cujo título português é um trocadilho, especialmente feliz, com Orgulho e Preconceito - o célebre romance clássico da britânica Jane Austen, publicado pela primeira vez em 1813, sobre a mesquinhez da burguesia inglesa do seu tempo - e que assenta que nem uma luva no posicionamento de Luthor e no desenvolvimento da história. Um posicionamento firmado num só pressuposto: um preconceito inamovível, um pré-conceito, apesar do que está diante dos seus olhos, nomeadamente a desconfiança contra o Super-Homem - e o orgulho das suas capacidades e das capacidades da raça humana que (sente) representa(r). Mas, na sua humanidade, Luthor ostenta uma curiosa dualidade em relação à figura do Super-Homem, a quem se, por um lado, rejeita, por outro, tenta compreender e até aproximar-se dele, como - no seu íntimo - confessa a bordo do seu avião: “Metrópolis nunca me parece mais majestosa do que quando a vejo do ângulo dele”.
É aqui, possivelmente, que mais se expõe a sua condição - bem humana - de alguém ambicioso e sonhador, movido por sentimentos, narcisismo e orgulho, sim, mas também desejo, ambição e mesmo vontade de ajudar o próximo, os seus concidadãos, no combate à realidade que a sua forma de sentir, ver e pensar de alguma forma distorce. Aliás, distorção e subentendidos seriam outra forma justa de titular o resultado desta parceria entre o argumentista Brian Azzarello e o desenhador Lee Bermejo (nos dois capítulos finais com a arte-final de Mike Gray), um duo, melhor, um trio que já conhecíamos de Joker, incluído no volume #5 da já citada colecção Super-Heróis DC Comics. Não por acaso, uma história também protagonizada por um vilão.
Porque, na verdade, Preconceito e Orgulho é uma soma de pretextos, subterfúgios e sugestões veladas, em que nem sempre o que vemos/lemos - e interpretamos… - coincide com aquilo que acontece. Um exemplo? A abrir o primeiro capítulo, depois da conversa com o funcionário, veja-se a sequência entre Lex e Mona, em que as imagens proporcionam uma segunda leitura (visual) - real ou apenas na cabeça do leitor? - nada inocente e que, tal como toda a história, tal como a história da vida de Luthor, se baseia nos preconceitos - na formatação cultural/educativa/social - que todos nós temos e na forma como deixamos (ou não) que eles nos sugestionem.
Por isso, é importante ler - e depois reler - este livro com a mente o mais aberta possível (dentro das nossas limitações), para ser capaz de aprender o que está escrito/desenhado, mas também para lá disso, captar as referências, piscares de olhos e trocadilhos - são vários - que Azzarello espalhou, para seu gozo e nosso prazer.

  

Lex Luthor: Preconceito e Orgulho
Inclui Lex Luthor Man of Steel (Vol. 1) #1-5 e Superman: Lex 2000
Brian Azzarello (Argumento)
Lee Bermejo (desenho)
Levoir/Público, 31 de Março de 2016
175 x 265 mm, 152 p., cor, capa dura
9,90 €


(Texto de introdução ao volume Lex Luthor: Preconceito e Orgulho; Imagens fornecidas pela editora)

12 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. O Pedro Cleto continua a surpreender-nos, enveredando por um género que nem sempre pode parecer que é o seu (o dos super-heróis), com um belíssimo texto sobre este volume da colecção DC! Posso adiantar que é um prazer enorme tê-lo como colaborador nestes projectos!
    [editado para eliminar gralhas]

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  3. Acabei agora de ler o livro e deparei-me com 2 páginas que ou estão desfocadas ou imprimiram a mesma página 2 vezes na mesma folha. São as páginas 124 e 125. Nota-se principalmente nos textos.
    Mais alguém tem o mesmo problema?
    É só para tentar perceber se é defeito de impressão comum a todos os livros, ou se tenho que pedir troca do livro.
    Obrigado.

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    1. Contacte a Levoir, eles trocam-lhe o exemplar.

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  4. Anónimo5/4/16 16:01

    OLá boa tarde. Deve ser o seu exemplar. O meu não tem problema nenhum.

    Letrée

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  5. O número de páginas voltou a ser "confundido". Começa a ser muito estranho esta adição de vitaminas que é constantemente lançada para baralharar o leitor menos atento. É inaceitável que o número de páginas divulgado esteja constantemente errado e seja divulgado pelos vários blogues sem qualquer crítica e sempre visto como "uma lamentável falta de comunicação". Eu também gosto muito da levoir mas começa a incomodar-me que tratem os leitores de bd como estúpidos.

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    1. Caro Pizzi,
      Se a situação não é agradável, também me parece uma reacção excessiva.
      Todos estamos sujeitos a erros e a Levoir tem-nos repetido nestes últimos tempos, o que não era habitual.
      Isso não põe em causa, no entanto, penso eu, o seu trabalho editorial e, embora errado, não me parece que as diferenças que se têm registado na indicação do número de páginas leve os leitores a comprar os livros ou a deixar de o fazer...
      Boas leituras!

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    2. Vem do hábito de a Levoir contar as guardas como páginas (porque são impressas num dos cadernos do papel de gráfica, ou seja, é o mesmo papel do interior, e é impresso juntamente com o resto do interior. Por isso, em questão de preço, paraa Levoir é omesmo que imprimir um livro de 160pgs em vez de 152pg.

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  6. Caro Pedro, a levoir edita há alguns anos. Penso que seja óbvio para todos a diminuição de volume que tem pautado de livro para livro. A novidade nesta colecção é que se acompanhou de um aumento de preço. Sempre que se fala de algum destes factos, a resposta é que ainda possui um custo-benefício óptimo, o que é verdade. Outra das respostas frequentes é que a diferença é curta. Pois bem, a diferença entre estes livros e os primeiros já vai à volta de 30 ou 40 páginas. Eu sei que a levoir existe para ter lucro, mas a mim preocupa-me que a estratégica de encher o papo grão a grão esteja a resultar tão bem, de forma que as pessoas se esqueçam de onde vêm. A falta de sentido crítico que tem assolado os blogues sempre que divulgam informação da levoir não tem paralelo em nenhuma outra situação. Se calhar só vão acordar quando o ratio qualidade-custo se deteriorar de vez, e aí teremos perdido uma grande editora irremediavelmente.

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  7. Na verdade, a questão do número de páginas é essencialmente verdade para a Série 1 da Marvel, que foi "copiada" de uma colecção espanhola mais ou menos tal qual, ou seja: uma vez que a Levoir começou a criar os seus próprios livros, os custos subiram. Lembro que entre 2012 e 2015 (com excepção da colecção do Batman 75 Anos, no Sol) a Levoir manteve sempre os seus preços ao nível da primeira colecção.

    Se compararmos apenas as colecções que a Lrvoir criou sozinha, o desvio MÉDIO do número de páginas por volume é de cerca de 20-25 páginas. Em média as colecções já tiveram cerca de 170-80 páginas, e agora em média têm cerca de 150-160.

    Foram 4 anos sem qualquer mudança de preço, e com uma baixa (não muito grande) do número médio de páginas, 4 anos durante os quais a Levoir continuoua ter os mesmos custos a produzir os livros, e algum aumento do preço de gráfica, juntamente com uma baixa davenda média dos volumes (estas colecções têm sempre algum lado de causar cansaço nos leitores, e esta colecção venderá certamente, muito menos do que a primeira que a Levoir fez).

    Parece-me que era inevitável a subida dos preços, e parece-me que foi perfeitamente razoável, para o que foi. Porisso nãome parece que haja "falta de sentido crítico" quando se divulga a info da Levoir: são, literalmente, os MELHORESd o mercado, em questão de relação qualidade/preço.

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    1. Anónimo6/4/16 18:49

      Agora preocupaste-me a mim: as vendas estão assim tão más? É que um aumento de preço acompanha-se sempre de uma baixa de vendas. É um efeito económico conhecido. Se elas já têm vindo a baixar de forma a que a levoir tenha de diminuir custos de produção e sacar mais aos seus fieis não estamos já no princípio do fim? É por isso que se estão a virar para Espanha?

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